Noutro dia, sonhei com uma jovem que descobriu, ao acaso, ser possível materializar coisas que ela imaginava. Sem pensar em fazê-lo, imaginou algo, e em seguida a coisa flutuava em torno dela, ao alcance de sua mão. Ainda brincando, executou com sucesso pela segunda vez a proeza. Na sequência, quando desejou ter o domínio sobre o processo, já não conseguiu. Punha-se sentada, concentrada, em meditação, imaginando coisas. Ao final de algum tempo, olhava em torno, para constatar, frustrada, que não obtivera êxito em seu intento. Observando o processo, compreendi que o segredo estava em não desejar, em não querer ter o poder de decisão sobre quando e o que imaginar e materializar. Além do segredo, ali também residia um paradoxo: para realizar o intento, era preciso não querer realizá-lo, não ter expectativas a respeito. Retomar um estado original de inocência, já rompido.
A experiência humana no tocante ao amor é prenhe de tensões que se assemelham à situação do sonho. Durante muito tempo me perguntei como encontrar um amor. Onde buscar? Como saber quando o teria encontrado? Como reconhecer nele o poder de realização? Nunca obtive resposta satisfatória. Mas aprendi que o amor parece que gosta de se mostrar quando não estamos ocupados em procurá-lo. E quando se revela, desdobra-se em novos paradoxos. Um deles é que desejamos ser amados, mas também desejamos que a pessoa amada nos ame em condição de liberdade para exercê-lo. Em outras palavras: que seja livre, e, assim sendo, que nos eleja para amar. Se não formos escolhidos, caímos em sofrimento. Ao mesmo tempo, conquistar daquele que nos recusa é desafio tão sedutor e apaixonante!... A excitação de ganhar o prêmio de ser amado por quem era livre para nos rejeitar pode usurpar o lugar das motivações iniciais em direção à experiência alentadora e menos sobressaltada de amar e ser amado.
Podemos pensar n’alguém que deseje ter borboletas em seu quintal. Como realizar o projeto? Se recolher borboletas pelos campos e soltá-las no quintal, provavelmente, irão embora em seguida. Se prendê-las em redomas, poderão morrer. Redomas especiais podem assegurar sua sobrevivência. Mas logo perderão a graça, pois já não estarão em liberdade – afinal é preciso que, em estado de liberdade, escolham permanecer por perto... Para ter borboletas no quintal é preciso tomar outras providências, que não sair à sua caça, ou preparar alçapões para apanhá-las: é preciso plantar flores, regá-las, adubar a terra, cuidar da grama, abrir as janelas, arejar os cômodos da casa, esperar pelo sol... Afinal, sem sol, não há borboletas... Com sorte, elas aparecerão, e quem sabe até escolham ficar voejando por ali. Passados os primeiros momentos de aproximação, e conquistada a confiança, podem mesmo decidir depositar os ovos aos cuidados do seu jardim.
Nessa etapa, será revelada a natureza lagarta das borboletas. Nem sempre estamos dispostos a conviver com ela. Em geral, quando evocamos a leveza, a graça e o colorido das borboletas, não levamos em conta a feiura das lagartas. Nunca ouvi alguém dizer que desejasse ter lagartas no seu jardim. Mas borboletas, sim...
Acontece de chegar o dia quando nos deparamos com a natureza lagarta da pessoa amada. Ela está ali, disponível para nos amar, e suas feições já não são de borboleta. Nesse dia, esmorecida a paixão, desfeita a embriaguez da conquista, restam alguns resíduos da ressaca. Olhamos o ser amado-lagarta, e nos perguntamos se ainda há amor. Somos hábeis em esquecer que também temos a nossa própria natureza lagarta, igualmente manifesta, igualmente voraz. Igualmente repulsiva.
A impaciência pode nos fazer esquecer que é necessário tempo para que os ciclos se cumpram; é preciso tempo para que os jardins floresçam, e as borboletas se aproximem; é preciso tempo para que elas estabeleçam vínculo com o lugar, não mais se assustem com a nossa presença; e também para que coloquem seus ovos; os ovos também precisam de tempo – e sol – para descascarem as lagartas – nem sempre tão feias, afinal; e mais tempo será necessário para que elas teçam seu casulo, e se recolham a ele, iniciando a grande transformação. Só então, renascerão borboletas...
Deveria haver um único nome para esse ser borboleta-lagarta-borboleta-lagarta... Deveríamos ter espelhos próprios para vislumbrarmos as faces da nossa natureza lagarta. Imaginar que sejamos sempre borboleta, ou fixar o investimento do amor nas asas coloridas e ágeis das borboletas da pessoa amada é perder de vista os ciclos mais amplos e complexos dos tempos, das transformações.
Sobretudo, é perder de vista que é preciso esperar pelo sol. E ele virá, mas só depois de cumprida a noite. Onde estão as borboletas durante a noite? O que fazem as lagartas no escuro?
Para encontrar o seu amor, cultive flores por onde andar. Para viver o seu amor, cuide das crisálidas, pacientemente. E deixe entrarem o sol e o vento pelas janelas abertas. Quando for noite, proteja os sonhos – eles também podem voar, ou ainda transformar-se em pesadelos medonhos... Mas nunca se esqueça: tudo oscila nos ciclos, tudo passa e tudo volta, lagarta-borboleta-lagarta-borboleta...
Incrivel!
ResponderExcluirAcontece assim mesmo...
Quando não imaginamos, simplesmente acontece...