sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Ciência, política, a vocação e o apagão




No início do século XX, Max Weber escreveu um pequeno e instigante livro que, em português, se chama Ciência e política: duas vocações. Na primeira parte, Ciência como vocação, o autor defende, veementemente, a necessidade de se manter o trabalho científico – do qual a docência faz parte – preservado dos arroubos do ativismo político. Na segunda parte, Política como vocação, ele ressalta a necessidade, sim, de que se façam intervenções na sociedade, no sentido de promover sua transformação, mas destaca ser esse o papel do político, e não do cientista. Dito de outra forma, ao cientista cabe a tarefa de observar, analisar, compreender, interpretar, conhecer, de modo isento, sem imiscuir-se com bandeiras, crenças, ideologias. A intervenção deve ficar ao cargo do político, e que este, preferencialmente, busque estar embasado no conhecimento produzido pelo cientista.

Weber advertia, inclusive, que a cátedra deveria ser preservada de qualquer discurso de natureza política. A cátedra é o espaço vocacionado ao conhecimento. A política deve ser exercida no palanque dos comícios, nos congressos, nas casas de negociações do poder.

Quando o texto foi escrito, o mundo já experimentara os horrores da Primeira Guerra Mundial. Já experimentara, também, o sabor amargo da constatação de que, mesmo quando à revelia do cientista, o conhecimento científico e seus produtos não podem ser mantidos isentos da política, nem do exercício do poder, seja o econômico, seja o bélico – irmãos siameses esses dois poderes, afinal. Mas não experimentara, ainda, os estertores da Segunda Guerra, o limite da bomba atômica, quando essa aprendizagem seria definitiva.

As discussões a respeito da neutralidade ou não do conhecimento científico geram debates intensos ainda hoje, século XXI adentro. Há bandeiras que defendam uma ciência confessadamente engajada. Outras discorrem sobre a impossibilidade de se produzir conhecimento neutro, apresentando argumentos fundados em experiências históricas recentes. E há os que cultivem, ainda, a crença na isenção da ciência, distanciada das disputas de poder, econômicas, das estruturas hierárquicas.

Todo conhecimento tem as marcas do seu tempo, as marcas do contexto sociocultural no qual é produzido, e está contaminado pelas posições e escolhas do cientista que o produza. Mesmo no âmbito das ciências duras, em cujos campos o objeto de conhecimento parece ter autonomia em relação ao sujeito que o investigue, mesmo ali, o conhecimento produzido (que é diferente do objeto a respeito do qual o conhecimento versa) é portador de tais marcas.

Ou seja, não há conhecimento isento. Há fendas nas fronteiras dos campos nos quais a ciência é articulada, e por essas fendas, tanto entram elementos externos, quanto o conhecimento vaza para outros campos. Contudo, mesmo reconhecendo a porosidade das fronteiras, e o entrelaçamento dos campos, é preciso exercer o esforço no sentido de preservação das especificidades de cada um. Sobretudo, não se perca de vista que o conhecimento produzido a serviço de determinados projetos de poder, ou econômicos, ou políticos, é ferramenta de opressão, dominação, é antônimo de qualquer princípio democrático.

Para avançar nesta questão, é preciso fazer a ressalva a respeito da diferença, fundante, entre política como exercício de cidadania de um lado, e política partidária de outro. Quando tomadas de posição, no âmbito científico, possam ser entendidas como posicionamentos políticos, é indispensável resguardar essa potencialidade da sanha das políticas partidárias.

Na noite de 28 de agosto de 2014, quando a SBPC/Goiás promoveu a solenidade de entrega do 1º Prêmio de Popularização da Ciência, ocorreram dois fatos que evocaram esta reflexão. Realizada em pleno período de campanha eleitoral para cargos estaduais e federais, foi aberto espaço para alguns candidatos se manifestarem, em discursos que tratavam de suas bandeiras e do lugar da ciência em seus planos de trabalho. O concurso promovido dela SBPC/Goiás, cujo mérito é indiscutível, e cujos resultados têm um teor político cidadão, ao visar a popularização da ciência, imiscuiu-se, naquele palco, com as bandeiras partidárias, conclamando eleitores a confiarem votos neste ou naquele candidato.

Curiosamente, durante o primeiro discurso político-partidário, ocorreu uma queda de energia, que atingiu apenas a ala da qual o auditório da solenidade tomava parte. Sem disponibilidade de outro espaço ao momento, e sem a possibilidade de solução do problema que ocasionara o apagão, decidiu-se continuar a solenidade às escuras, com o auxílio das luzes dos aparelhos telefônicos – os candeeiros do século XXI. Dessa forma, a cerimônia teve prosseguimento, cumprindo o protocolo plenamente: entrega dos prêmios alternada com discursos de candidatos. Tudo às escuras. Do lado de fora do auditório, a luz correspondia ao calor em intensidade. À maneira da alegoria da caverna, descrita por Platão...

Foi inevitável pensar em Agamben, quando aborda o contemporâneo:

(...) contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para perceber não as luzes, mas o escuro. (...) o contemporâneo é aquele que percebe o escuro do seu tempo como algo que lhe concerne e não cessa de interprelá-lo, algo que, mais do que todas as luzes, se volta diretamente e singularmente para ele. Contemporâneo é aquele que recebe em plena face o feixe de treva que provém de seu tempo.
Giorgio Agamben. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009.

Na solenidade de ontem, as sombras presidiram a associação entre ciência e política partidária. O que podemos aprender com isso?








sábado, 23 de agosto de 2014

segunda nota sobre fronteiras

Sim, a história, ou as histórias conhecidas são as contadas pelos vitoriosos.

Todos os dias, não faltam escolas a nos ensinar como conquistar um lugar ao sol, como realizar os sonhos, como nos tornarmos vencedores num território de batalhas contínuas.

Os aprendizes dessas escolas, todas, parecem ser jovens para sempre, no auge de suas energias vitais pelo resto de suas vidas, senhores de todo poder de realização. Querer é poder! Eu quero, eu posso, eu realizo! Também são belos até o final dos tempos, sem, jamais, experimentar frustrações, e sem qualquer risco de se confessarem incapazes do que quer que seja...

Mas não tarda a chegar o momento quando o desejo não encontra resposta no que seja viável, quando as forças físicas não correspondem à agitação do pensamento ou das emoções, quando o discurso se desencontra das possibilidades de realização...

Onde estão as escolas nas quais se possa aprender a perder, a fracassar? Quem são os mestres sábios o bastante para ensinar a frustração? Quais as lições reservam a dura e necessária aprendizagem da impotência? Quando, afinal, aprenderemos a ser humanos?




sexta-feira, 22 de agosto de 2014

primeira nota sobre fronteiras

As fronteiras existem, sim!
E é bom que existam,
afinal são constituidoras dos sujeitos, 
das comunidades, das paisagens.

Há fronteiras mais flexíveis.
Outras tão mais fechadas, intransponíveis.

Já que as fronteiras estão aí, 
podemos fazer bordados nelas
trespassando seus territórios...



terça-feira, 19 de agosto de 2014

Memórias de felicidade, e de saudade


Há certos estímulos à percepção que deflagram memórias especiais, convocadas de recônditos registros encravados no corpo, tantas vezes olvidadas. 

De onde vem, por exemplo, essa repentina alegria ao ver o lilás cintilante das petréias floridas no fim da tarde, oscilando com a brisa? 

Ou esta sensação de felicidade plena invadindo o corpo pelas narinas, quando o odor das sementes torradas da imburana de cheiro se espalha pela casa? 

Trata-se da mesma felicidade de que é portador o momento quando, no princípio da noite, as damas da noite eclodem, de botão em flor, aspergindo perfume invisível e inebriante à sua volta. 

Essa felicidade, que toma de assalto o frescor noturno, é sorvida pelos viventes das sombras. 

Na manhã seguinte, a visão da flor esmorecida, pendendo da haste, subtraído seu perfume, é tradução inequívoca de saudade...





segunda-feira, 11 de agosto de 2014

superior aos demais animais? então tá...


fonte: evolução

A vida se multiplica em formas, direções, substâncias. A espécie humana é apenas uma nesse pulso cujos limites nos escapam, de longe...