tag:blogger.com,1999:blog-45983972021876596112024-03-24T04:10:47.918-03:00BLOCO DE NOTAS E RABISCOSliteratices... letras para nada, talvez para tudo... imagens de nada, que podem ser de tudo... matutações... penseros... rabiscações... daquilo que vejo... ou não... porque tomo assento neste tempo quando a humanidade produz vertiginosamente letras, símbolos e imagens, em busca de sentidos, quaisquer que sejam... ou não...Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.comBlogger1022125tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-11950767970274309272024-03-14T17:35:00.003-03:002024-03-14T17:39:56.549-03:00Um livro de anatomia para a moça que faz a faxina. Ou, sobre a desesperança na poesia de Drumond.<p><span style="font-size: large;"> </span></p><p>
</p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Ela é jovem, pele negra, e trabalha como faxineira do prédio
de 8 andares. Limpa o que os moradores sujam, recolhe o lixo dos apartamentos,
molha as plantas do jardim. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Numa dessas idas e vindas, ela, que me descobriu professora,
quis conversar um pouco. Falou-me, entre receios, “estou cometendo uma loucura:
comecei a fazer o curso de Nutrição”. Aquela cumplicidade dela comigo me encheu
de alegrias. Conversamos sobre o curso, sobre suas expectativas. Depois, me
coloquei à sua disposição para contribuir no que ela necessitasse. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Dias depois, ela perguntou se por acaso nós teríamos algum
livro de anatomia. Ela queria emprestado, para estudar. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Minha área de pesquisa é bem distante da área de nutrição. Então
fizemos, eu e meu marido, uma rápida pesquisa de títulos, e encomendei um
tratado de anatomia considerado bom mas não tão caro. Demorou umas duas semanas
para que ele chegasse. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Ela, à porta de casa, recebeu o livro de muitas páginas. Passou
a mão por algumas delas. Depois o abraçou. Ficou ali, abraçada com o livro de
anatomia. Os olhos brilhavam. Foi contando sobre o quanto ela gostava de
estudar, e de ler. Ela entendeu que o livro era emprestado. Disse-lhe que não, que era dela. Ela perguntou como iria pagar. Respondi que pagaria sendo uma ótima nutricionista. Ela sorriu e me disse que me traria as notas do semestre para eu ver.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">No dia seguinte, retomamos a conversa. Ela já tinha lido
parte do livro, estava feliz. E reiterou seu gosto pela leitura. “De que tipo
de leitura você gosta mais?”, perguntei. Ela pensou... “Não gosto de romance...
nem de poesia...” Fiquei surpresa. Ela achou por bem explicar “gosto da Clarice
Lispector... e da poesia de Drummond...”. Que eu também gostava, comentei. Ela
continuou “do Drummond eu gosto da melancolia...”. Aquela conversa ia me
encantando cada vez mais. Então ela corrigiu “não é bem da melancolia... eu gosto
é da falta de esperança... também não é isso, é da desesperança de Drummond que
eu gosto”. E seus olhos brilhavam, apoiada no rodo, ao lado do balde com água
suja.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Contou-me, então, que, depois de ter deixado a escola por alguns anos, voltou a estudar com o filho já adolescente. Terminaram
o ensino médio juntos e entraram para a faculdade também ao mesmo tempo. Só que
ele faz outro curso. Perguntei se ela já tinha lido Carolina de Jesus, ou
Conceição Evaristo. Não tinha lido, mas conhecia, e sabia do teor de suas
produções. Tinha interesse nesses escritos também. Mas gostava de livros que falassem sobre ciência, cientistas, e seu sonho foi alçando voo. Se ela gostava de ficção científica, perguntei. Que sim, respondeu, muito! Rimos juntas: "eu também gosto muito!"<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Falou ainda um pouco sobre os filmes de que gosta. Citou alguns filmes sobre a vida de mulheres que a inspiram, referindo-se, sobretudo, a algumas mulheres cientistas.</span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Eu a abracei devagar, querendo voltar a sentir esperança.
A esperança cuja falta era o que lhe causava encanto na poesia de Drummond. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: large;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: large;"><br /></span></o:p></p><br /><p></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-68543954951784644722024-02-26T10:27:00.000-03:002024-02-26T10:27:02.379-03:00De volta para casa<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhU827XF-67WMTNI3w0tvfPN0njimxFqoGLj9gz74huQfLrS8jeMKuHr7uDe7me6sA0myrdPse-EncCI6w80-G3o0qe-IMIk9PSdrl-1OmlgvHUZt-Vg2IJRu7q9EBl15ct7V4zSYazcoyb5lrIb-MQGAksFizW0on6v0vvhMziiPXeLEEGxmHD_1E0EEI/s3264/voltando%20para%20casa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2448" data-original-width="3264" height="525" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhU827XF-67WMTNI3w0tvfPN0njimxFqoGLj9gz74huQfLrS8jeMKuHr7uDe7me6sA0myrdPse-EncCI6w80-G3o0qe-IMIk9PSdrl-1OmlgvHUZt-Vg2IJRu7q9EBl15ct7V4zSYazcoyb5lrIb-MQGAksFizW0on6v0vvhMziiPXeLEEGxmHD_1E0EEI/w699-h525/voltando%20para%20casa.jpg" width="699" /></a></div><br /><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-45175140231633354002024-02-01T18:53:00.011-03:002024-02-04T11:03:03.973-03:00Duas pequenas histórias que me dão pistas sobre quem eu provavelmente seja<p> </p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgi7Qaz8NVEf4yPXfWCVv396-DPOM0rq5ejj-BfocYwiJ0gqTdwTCt59129C5RQeigKC8WC-bHDK9z0rbgOvr0HPUo4GcL-lCMIkRksIhzlqXgf--ffPUr4VomMox8VAGUYliifvOalOCMdTAdhZjETz53o7DS0DCCvmTLFQBAkWdFCY4zOPQmSRmbLzlo" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="1200" data-original-width="1600" height="392" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgi7Qaz8NVEf4yPXfWCVv396-DPOM0rq5ejj-BfocYwiJ0gqTdwTCt59129C5RQeigKC8WC-bHDK9z0rbgOvr0HPUo4GcL-lCMIkRksIhzlqXgf--ffPUr4VomMox8VAGUYliifvOalOCMdTAdhZjETz53o7DS0DCCvmTLFQBAkWdFCY4zOPQmSRmbLzlo=w522-h392" width="522" /></a></div><br /><br /><p></p><p><b style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;">Pássaros feridos</b></p><p>
</p><p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Eu fazia regularmente o trajeto entre Goiânia e Brasília de
ônibus. Nas idas e vindas, conheci pessoas, ouvi histórias, passei por dissabores...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Numa das viagens de Brasília para Goiânia, sentei-me ao
lado de uma senhorinha bem idosa, que conversou animadamente comigo durante
quase todo o percurso. Soube que ela morava sozinha, que as filhas iam
diariamente vê-la. Que às vezes não era diariamente, mas estavam sempre por lá.
Que gostava de ler. Que quando precisava sair, tinha um taxista que se tornara
seu amigo... Quando estávamos quase chegando, ela ficou menos falante. Disse que a filha ou o
genro estariam esperando por ela. Mas ao desembarcar, não os encontrou. Então me
disse que precisava ir ao sanitário. Era um pouco longe de onde estávamos. Fui conduzindo
suas duas malas e tentando ajuda-la na rampa longa que precisávamos descer
antes de tomar o corredor ao final do qual estava o sanitário feminino. Ela entrou
e eu fiquei, do lado de fora, cuidando da bagagem. O tempo passou. Sua demora
já me despertava preocupação. Entrei levando as duas malas dela e minha mochila. Ela
se olhava no espelho, tentando arrumar um casaco amarrado à cintura. Perguntou-me
se aparecia alguma mancha por trás, em sua calça comprida. Observei com
cuidado, não aparecia. Então ela me segredou que não conseguira controlar o
intestino, e estava tentando disfarçar o pequeno desastre que acontecera. Estava
tudo bem, lhe disse. E voltamos, devagar, para o ponto do desembarque. A filha
com o genro ainda se demoraram um pouco para chegar. Nesse ínterim, ela anotou
meu telefone. Quando ela, finalmente, encontrou-se entre os seus, nos
despedimos. Alguns dias depois, ela me ligou, queria me fazer uma visita. Entre
minhas atividades na universidade, aguardei por ela em casa, no meio da tarde
de algum dia da semana. Ela chegou pontualmente, trazida pelo amigo taxista,
que a aguardou. Veio elegante, sorridente. Estava feliz por me reencontrar. Eu também
fiquei feliz por vê-la. Trouxe um pequeno pacote, que me entregou. Era um
livro. Pássaros Feridos. Abri. Na primeira página, havia uma dedicatória da
filha para ela, em celebração a uma data de aniversário de quase 10 anos atrás.
Disse-lhe que eu não poderia receber o livro, pois era um presente que ela recebera da filha. Ela estava determinada: trouxera para mim, não o levaria de volta. A filha
não daria pela falta do livro, nem perceberia. Ela tinha gostado muito e tinha
certeza de que eu também iria gostar da leitura. Contou-me um pouco sobre o
livro, falou-me um pouco sobre sua vida de idosa que vivia sozinha, perguntou um pouco sobre mim, e se
foi. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Não me lembro mais do seu nome. Na dedicatória, a
filha, que se chama Laura, refere-se a ela apenas como mãe, sem nomeá-la. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p><b>A balconista e o festival de cinema</b></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p>Naquele ano, integrei o júri de um festival de cinema. Por isso, fui convidada para a abertura oficial do evento. Errei o horário, e cheguei uma hora e meia antes. A porta principal do teatro ainda estava fechada. Fim de tarde. No centro da cidade, era intenso o fluxo de pessoas encerrando suas jornadas de trabalho. Num calçamento à frente do teatro, sentei-me num banco público, fiquei observando o movimento. Logo sentou-se ao meu lado uma moça, alegre, à espera do namorado. Voltariam juntos para casa. Era balconista, contou-me, e estava com as pernas cansadas. Perguntada, contei-lhe que era professora e que aguardava para assistir à abertura de um festival de cinema. Tudo foi motivo de interesse para ela: eu ser professora, as artes, o cinema, o festival, o teatro. Embora trabalhasse ali do lado, nunca tinha entrado naquele teatro. Perguntou muitas coisas. E notou a equipe de reportagem recém chegada, com especial atenção ao repórter, que "era um gato", de acordo com sua avaliação. Rimos muito, abordando tantos assuntos de modo leve e despretensioso. Quando chegou o namorado, nos despedimos. Eu fiquei ali, observando as pessoas que começavam a chegar ao teatro já aberto ao público. Algumas dessas pessoas tinham estudado comigo, nos cursos de graduação ou na pós-graduação, outras trabalhavam comigo. Todas eram portadoras de uma atitude típica de intelectuais e artistas. Caminhavam com cuidado, os gestos eram quase performados. Talvez fossem mesmo. Tinham familiaridade não só com aquele espaço, mas também com os rituais que nele eram realizados. Comecei a sentir falta da balconista. Dei-me conta de que eu estava mais perto dela. Até pensei em me levantar e chegar ao hall do teatro. Se o fizesse, quebraria o encanto, encontraria pessoas, teríamos histórias para contar. Não consegui: fiquei ali, imóvel, sentada no banco de cimento, em meio à tarde que cedia espaço para a noite. Entendi que meu papel mais importante começaria no dia seguinte, nas sessões de projeção dos filmes que me caberia avaliar, ao lado de mais duas pessoas, formando o júri. Mexi-me no banco, quase inquieta. Faltando pouco para começar o ritual de instalação do evento, levantei-me, fui caminhando, devagar, para cada vez mais longe do teatro. Atravessei a avenida movimentada logo à frente. Depois outra rua um pouco menos movimentada, depois outras ruelas. Entrei à esquerda, à direita, outros semáforos, uma praça, uma rotatória, a calçada quebrada, buracos no asfalto, a brisa quase fresca com o início da noite... Cheguei em casa.</o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p>No dia seguinte, daríamos início aos trabalhos, normalmente. </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 12pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><br /><p></p><p><br /></p><p><br /></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-52747398514752762922023-10-22T12:40:00.002-03:002024-02-04T11:03:42.796-03:00A dor da guerra não cessa de doer.<p><br /></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="ES-AR" style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 16.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: ES-AR;">La noche en la ciudad
es oscura, excepto por el brillo de los misiles; <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="ES-AR" style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 16.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: ES-AR;">silenciosa, excepto por
el sonido del bombardeo; <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="ES-AR" style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 16.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: ES-AR;">aterradora, excepto por
la promesa tranquilizadora de la oración; <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span lang="ES-AR" style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 16.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: ES-AR;">negra, excepto por la
luz de los mártires. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 16.0pt; line-height: 107%;">Buenas noches.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 16.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><br /></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 16.0pt; line-height: 107%;">Tradução, para o espanhol, do poema publicado por Heba Abu
Nada, poetisa palestina de 32 anos, um dia antes de sua morte, atingida por um
míssil disparado por Israel.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 16.0pt; line-height: 107%;">Não há guerra pela paz. Nunca houve. Toda guerra atende a
interesses outros que não da paz, ou dos cuidados e proteção da população em geral. Essa guerra é orquestrada pelo
mercado bélico. O preço são vidas de milhares de crianças, idosos, pessoas
doentes, pessoas em suas lutas diárias pela sobrevivência, capazes ainda de
fazer poesia, apesar de tudo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 16.0pt; line-height: 107%;">A dor da guerra não cessa de doer.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 16.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; font-size: 16.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><br /></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-88001334964010655672023-10-06T21:08:00.003-03:002024-02-04T11:04:32.951-03:00Uma violência aos pés de jacarandá mimoso<p> </p><p><br /></p><p><br /></p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /><br /><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhjSCT8tzhNP-vZ5LXDDs3rW8mb4wQ-9bJMoGyPBzJ1zTARRP06RbcuMgNr7EoSsh89KdMKPPvy024W1JQSPoYRxkNxAG_-SavdHi0FfZS6aq1vAsR40_btUGue64wwVweTzh0QRpOeI0YXsuBgREFqvAbcmLuaDpvfSzrTnKsH8wf0yqmgRqLV2d6Cmec" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="317" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhjSCT8tzhNP-vZ5LXDDs3rW8mb4wQ-9bJMoGyPBzJ1zTARRP06RbcuMgNr7EoSsh89KdMKPPvy024W1JQSPoYRxkNxAG_-SavdHi0FfZS6aq1vAsR40_btUGue64wwVweTzh0QRpOeI0YXsuBgREFqvAbcmLuaDpvfSzrTnKsH8wf0yqmgRqLV2d6Cmec=w423-h317" width="423" /></a></div></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjrVkEKPihJyASgWeHQ1FZkljEUVZTszx2Xq58DJcwsMeOPVagMUbVKsJanKBbREc1ujPyXJtYgXGopbYYFShsToj02FvedSj27PckQIK1-p0jk6Zoh9RvMKi-BCxFtsVxnxbtf_UqJ9SQNGu2dY1eQG1G9-jvGf83P9XbA0OiM9knCTofqivXH0jVBezc" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"></a><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjrVkEKPihJyASgWeHQ1FZkljEUVZTszx2Xq58DJcwsMeOPVagMUbVKsJanKBbREc1ujPyXJtYgXGopbYYFShsToj02FvedSj27PckQIK1-p0jk6Zoh9RvMKi-BCxFtsVxnxbtf_UqJ9SQNGu2dY1eQG1G9-jvGf83P9XbA0OiM9knCTofqivXH0jVBezc" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img alt="" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="314" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjrVkEKPihJyASgWeHQ1FZkljEUVZTszx2Xq58DJcwsMeOPVagMUbVKsJanKBbREc1ujPyXJtYgXGopbYYFShsToj02FvedSj27PckQIK1-p0jk6Zoh9RvMKi-BCxFtsVxnxbtf_UqJ9SQNGu2dY1eQG1G9-jvGf83P9XbA0OiM9knCTofqivXH0jVBezc=w418-h314" width="418" /></a><br /><br /><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0 0 0 40px; padding: 0px;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgphoen-Orl27KpmbY8eiP8NxN3Ec0WyartV9y94RR2EO-LET6dNna7gYAsAqrvR-0CuN9G1zLs7a62Wdtu1AjHVKD7En35-h5FvhdWCLN_Kw3Gesj1gagB5jp_dmgQINRAo8cuAttYlwCewPavB_d6xg8gF2OXKUbKOkn6hcZ_QZDCfkxvwXwDIjJOCS4" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="307" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgphoen-Orl27KpmbY8eiP8NxN3Ec0WyartV9y94RR2EO-LET6dNna7gYAsAqrvR-0CuN9G1zLs7a62Wdtu1AjHVKD7En35-h5FvhdWCLN_Kw3Gesj1gagB5jp_dmgQINRAo8cuAttYlwCewPavB_d6xg8gF2OXKUbKOkn6hcZ_QZDCfkxvwXwDIjJOCS4=w409-h307" width="409" /></a></div></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><p></p><p><span style="font-size: large;"><br /></span></p><p><span style="font-size: large;">Desde criança, aprendi: qualquer poda em plantas, de qualquer porte, só pode ser feita durante os meses que não têm a letra 'r' no nome. Ou seja, entre maio e agosto. Curiosamente, esse período envolve uma parte do outono até meados do inverno. Nesse período, as plantas, em sua maioria, estão se preparando para iniciar novo ciclo de floração, frutos, bem como para se vestir de nova folhagem. </span></p><p><span style="font-size: large;">Como dizia minha mãe, a seiva está recolhida, fortalecendo-se para eclodir em esplendor de cores e vida. Quando essa eclosão começa a acontecer, com nova brotação de folhas e flores, já não se deve mais podar, sob pena de retirar da árvore sua força vital. </span></p><p><span style="font-size: large;">Era já final de setembro. A alameda tem duas linhas de jacarandás mimosos: uma ao centro, outra à direita de quem sobe. Estavam muito verdes e cobertos de flores roxas. Quando enveredei por ali, no final da manhã, me deparei com a via de subida impedida: trabalhadores haviam cortado muitos galhos de todos os pés de jacarandá, deixando apenas os mais altos. A rua estava coberta de galhos grossos e finos, e muitas folhas. O cheiro da madeira cortada espalhava-se pelo ar. </span></p><p><span style="font-size: large;">Não se tratou de uma poda, mas de uma violência. Passaram-se dias até retirarem toda a madeira cortada, todas as folhas do chão. O perfume permaneceu por muito tempo. Se chegava até as minhas narinas com algum prazer, pela delicadeza de sua textura, também me informava sobre dor, sobre perda, do ponto de vista das árvores.</span></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-81822904201010570412023-07-27T14:20:00.001-03:002023-07-27T19:03:41.979-03:00Nunca mais como omelete<p><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></p><p><span style="font-family: arial; font-size: large;">Num desses momentos de deriva poética, quando minha mãe transpõe boa
parte das regras da linguagem, da memória, das relações temporais, me
explicou que agora faz parte das pessoas que fazem “a melete”. Tentei compreender, sem estar certa de que fosse possível. Ela, então, me
explicou que não acha certo dizerem “o melete”. Que o certo mesmo é “a melete”. Num átimo de segundo, compreendi. Mais que isso, concordei plenamente com ela.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Pronto. Está decidido. Nunca mais como omelete. A partir de
hoje, o prato feito à base de ovos chama-se amelete, assim, no feminino.
Delícia. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-9593931977664440532023-04-30T17:42:00.006-03:002023-04-30T17:47:06.830-03:00Morada compartilhada<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEihrX2dtmEuq1Wnt76gjGfn2lcDkZ_5pie7iNAgXXV__22LWBJw34gpxn269rEHnxHY0lbF3E5P0cHO5ZhW0P3p9wRaEsVg7xcpwwUQBMIt3yRK5pnE-UFunOT2_6P8RnB9or0JPpoqf2DfjM0asLcb1FppxaLAqAWX3m73guoKZOPPRR02spyYzooY" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="1692" data-original-width="2546" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEihrX2dtmEuq1Wnt76gjGfn2lcDkZ_5pie7iNAgXXV__22LWBJw34gpxn269rEHnxHY0lbF3E5P0cHO5ZhW0P3p9wRaEsVg7xcpwwUQBMIt3yRK5pnE-UFunOT2_6P8RnB9or0JPpoqf2DfjM0asLcb1FppxaLAqAWX3m73guoKZOPPRR02spyYzooY" width="320" /></a></div><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhLa80DIRshWkrfDB20Z3z8gzpnQ_MIuGs5nM0U1vJtoALJ3Ti-EfEZKZ9GZtIpkMKMrLmfBsvvMErcaywmq8A-Upx4qNosvXUl5X_r7eGsndlwTth23qbv1sc_20fMogLGSIIbvesn5CUBf5FjPsIXzDfPkMWWPzUF8zBseJD5MJtS3q44ECkwp9a_" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhLa80DIRshWkrfDB20Z3z8gzpnQ_MIuGs5nM0U1vJtoALJ3Ti-EfEZKZ9GZtIpkMKMrLmfBsvvMErcaywmq8A-Upx4qNosvXUl5X_r7eGsndlwTth23qbv1sc_20fMogLGSIIbvesn5CUBf5FjPsIXzDfPkMWWPzUF8zBseJD5MJtS3q44ECkwp9a_" width="320" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgqNdS2gzku8IzxYMeBPuB9hGWnt4XGRIzzmOnu0t4WG-MwNfrNU2tk_whCY9C7Qg6knRnjtMouA5m8y4Pr7E_OEIYVcPcBDIGkr8NZ68YnMdRafWqNrO9ZLTRNWzlTyEoPE7AM8v5zxAaJwbbLJxbJMFy1wRMv53e3RSPdOpAwzvnEPNq-DNgY12_r" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgqNdS2gzku8IzxYMeBPuB9hGWnt4XGRIzzmOnu0t4WG-MwNfrNU2tk_whCY9C7Qg6knRnjtMouA5m8y4Pr7E_OEIYVcPcBDIGkr8NZ68YnMdRafWqNrO9ZLTRNWzlTyEoPE7AM8v5zxAaJwbbLJxbJMFy1wRMv53e3RSPdOpAwzvnEPNq-DNgY12_r" width="320" /></a></div><p><span style="font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial;"><span style="font-size: large;">Foi bem no começo da pandemia. Depois de fazer a inspeção na
varanda do segundo andar, o casal encontrou o melhor lugar para organizar seu pouso. Não se
demoraram no trabalho. Em questão de dias já estavam instalados. </span></span></p><p></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Ouvi-los era um alento, em tempos quando a morte era o
assunto do dia, de todos os dias. Cantavam, com voz leve e suave. Aquilo nos acalmava o coração. Estremecemos de alegrias quando
constatamos os pequenos aprumando-se, pela primeira vez. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Três anos se passaram, desde então. O primeiro ano foi o mais fecundo.
A cada ciclo com pouco mais de mês, nasciam duas pombinhas da seca,
desenvolviam-se no ninho, até chegar o dia da partida. Alguns voos ensaiados e seguiam
seu destino. A vibração do bater de asas era força de vida. </span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">No segundo ano, começaram os problemas técnicos de construção. Com
o uso intenso e o acúmulo de fezes e novos galhos, o ninho foi ficando mais
alto, embora continuasse raso. Resultou uma inclinação que, embora muito sutil,
foi o suficiente para que ovinhos a ponto de descascar caíssem, levando à
morte os filhotinhos. Tive de tomar a difícil decisão de retirar o ninho dali,
para evitar novos acidentes fatais para a família. Não demorou e outro ninho foi construído, no mesmo local. Novas ninhadas começaram a nascer. Contudo,
a nova fase não foi marcada pela sorte. Numa das vezes, um dos filhotinhos caiu
do ninho, durante a noite. Sem conseguir retornar, amanheceu morto no chão da
varanda. Na ninhada seguinte, outro filhotinho morreu, desta vez, no ninho. Mais
uma vez, tomei a difícil decisão de retirar o corpinho do filhote junto ao
ninho. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Meu marido providenciou um ninho desses que se compram em
lojas especializadas. Mesmo achando que dificilmente ele seria aceito pela
família de pombinhas da seca, o instalamos entre os galhos, na posição dos dois
anteriores. E ficamos ali, na expectativa de como a novidade seria recebida. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Por algum tempo, não retornaram. Andavam pelos sítios em volta. Ouvíamos
seu canto. E era tudo. Depois, percebemos algumas visitas furtivas na varanda, voejos entre os
galhos. A certa altura, começaram a fazer inspeções no ninho construído com sisal e arame. Durante muitos
meses, esse ninho passou a ser visitado regularmente pelo casal. Mas os ciclos das ninhadas
tinham sido interrompidos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">No terceiro ano, observamos o aumento da frequência das
visitas e uma certa familiaridade das aves com o ninho. Há três dias,
a pombinha iniciou novo choco. Em breve, a varanda será território
inaugural de novas pequenas vidas voejantes. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></o:p></p><p>
</p><p class="MsoNormal"><br /></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-30758071807727402142023-04-23T18:03:00.003-03:002023-04-23T18:06:03.206-03:00A moça do caixa, no supermercado<p><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></p><p><span style="font-family: arial; font-size: large;">No supermercado, a moça que me atendeu no caixa mostrou-se solícita.
Mas logo que eu organizei os meus itens sobre a esteira, ela colocou a placa
indicando que estava fechado. Contou-me que era seu horário de almoço. Explicou,
ainda, que, como sua jornada era de 5 horas diárias, tirava apenas 15 minutos
para fazer um breve lance, e preferia sair alguns minutos mais cedo, ao final
do turno. Sua jornada era mais curta para que ela pudesse estudar. Continuamos conversando e organizando minhas compras na
sacola. </span></p><p><span style="font-family: arial; font-size: large;">Agradeci sua ajuda. Sobre colocar coisas mais frágeis em cima das demais compras, observei que naquele dia eu não tinha comprado
ovos, pois seria o único item que eu levaria à parte, pela fragilidade. Então ela me explicou que a embalagem resistia à pressão. Insistiu no fato de que eu poderia
colocar na parte inferior da sacola, sob as demais compras, sem risco de quebrar os ovos. Riu
e me desafiou: na próxima vez que você comprar ovos, experimente, depois venha
me contar se deu certo! Eu também ri. Ela prosseguiu: Quem me explicou isso foi uma professora de física,
depois eu experimentei e constatei que ela tinha razão. Entre sorrisos e com brilhos no olhar,
concluiu: Eu adoro estudar física e química! Seu pagamento vai ser débito ou crédito?</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial;"><span style="font-size: large;">À saída, desejei bom lanche, bom final de domingo. Intimamente,
fiz votos para que ela cumprisse sua jornada de estudos sem que nada a
desviasse dos campos de conhecimento que lhe despertavam aqueles brilhos no olhar.</span></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><br /></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-35720351402637799092023-04-22T16:00:00.004-03:002023-04-22T16:03:09.288-03:00Floração do pé de jambo<p> <br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicEvNt5KOXPQ4KcEfDYdAMz1nlMGpsy2puZ9M0fFV5knN2Czl8MUeYeJT6Z3ilEUKwyyH7XUD1VOHtzFQq-LUV8zgMZCq2JVdWzZGJ0Kd-3E43Y-1WTVFdBr3_iCnKmThX8H8quxRXp9UC038Lv1NSm7Pz7mDB35B0nBRPh8Aq5R0dA4DrPZ8i1cxj/s4000/IMG_20230422_111818398.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="321" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicEvNt5KOXPQ4KcEfDYdAMz1nlMGpsy2puZ9M0fFV5knN2Czl8MUeYeJT6Z3ilEUKwyyH7XUD1VOHtzFQq-LUV8zgMZCq2JVdWzZGJ0Kd-3E43Y-1WTVFdBr3_iCnKmThX8H8quxRXp9UC038Lv1NSm7Pz7mDB35B0nBRPh8Aq5R0dA4DrPZ8i1cxj/w429-h321/IMG_20230422_111818398.jpg" width="429" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbbW9tcahGhwXWyUaHfhu8F_ukMvfsehyg5mLVQZkp5DZBeXxPk7S3TsfU7z_LFvHIpRRefGVND_b011-I4S8_PnbX8NZQuDRzkE77w0t_jru3eFi8CheOcw8Ix8gfjp5UuPJINKY8pJe4ZRIHNf36A4CX4vC5dCGcz6-dky2fGYdjp_UqnvJreOzs/s4000/IMG_20230422_111807684.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="322" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbbW9tcahGhwXWyUaHfhu8F_ukMvfsehyg5mLVQZkp5DZBeXxPk7S3TsfU7z_LFvHIpRRefGVND_b011-I4S8_PnbX8NZQuDRzkE77w0t_jru3eFi8CheOcw8Ix8gfjp5UuPJINKY8pJe4ZRIHNf36A4CX4vC5dCGcz6-dky2fGYdjp_UqnvJreOzs/w429-h322/IMG_20230422_111807684.jpg" width="429" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhx9MsSawv165B8RAK9mVFNO7DUT5BCirY0ofXZqKEn-7QkJFtITWpXfrZ_HdIVXHoNLq1cHmX45-RpBkW9-6qByCRzgK_kx5zmvNiIuAQ-3y07QPmZfCCWtmMsjdGV8b0c-BGstf7jVeBvoLcNaqa4GJSXnFJHYOBEZVZJfKWv24vjJNFq5fyg_dga/s4000/IMG_20230422_111720353_HDR.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="324" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhx9MsSawv165B8RAK9mVFNO7DUT5BCirY0ofXZqKEn-7QkJFtITWpXfrZ_HdIVXHoNLq1cHmX45-RpBkW9-6qByCRzgK_kx5zmvNiIuAQ-3y07QPmZfCCWtmMsjdGV8b0c-BGstf7jVeBvoLcNaqa4GJSXnFJHYOBEZVZJfKWv24vjJNFq5fyg_dga/w432-h324/IMG_20230422_111720353_HDR.jpg" width="432" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhApg6Gnw9-v3IxpQ-K3cazFJjB899d3-y_WtBKrU2BBl7M7OnPojZOysH0imYCLsJILtVl5IoVeNjpvfUmTsTuvB5A8aLyrac9VKpfH4_P3DvEukWI-qDRlJlKSo61k2k4W1uHJGPHK5_RXYirkJMJKzrvTTH8XyvvNCIUTcnmMMquH1kvBonG3Cj5/s4000/IMG_20230422_111655558.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="323" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhApg6Gnw9-v3IxpQ-K3cazFJjB899d3-y_WtBKrU2BBl7M7OnPojZOysH0imYCLsJILtVl5IoVeNjpvfUmTsTuvB5A8aLyrac9VKpfH4_P3DvEukWI-qDRlJlKSo61k2k4W1uHJGPHK5_RXYirkJMJKzrvTTH8XyvvNCIUTcnmMMquH1kvBonG3Cj5/w431-h323/IMG_20230422_111655558.jpg" width="431" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbl3_wucK3sq004xDUOVHUY8K_W2rYAF4j6TNT6t2J5pFQ_jbynC2wFJ86LIFIYTX_uJaCWVic5oOZKdckT8DQzAf-1TM_NDLTc5oRvJ06e9jTn_4z8zA9gNxm-0QB9ac76wFxac84GIEMvQO2-ERBYoYnSgsa7IFLgaI7jmMRZwKqqaZNELYBd_Tr/s4000/IMG_20230422_104424355.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="323" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbl3_wucK3sq004xDUOVHUY8K_W2rYAF4j6TNT6t2J5pFQ_jbynC2wFJ86LIFIYTX_uJaCWVic5oOZKdckT8DQzAf-1TM_NDLTc5oRvJ06e9jTn_4z8zA9gNxm-0QB9ac76wFxac84GIEMvQO2-ERBYoYnSgsa7IFLgaI7jmMRZwKqqaZNELYBd_Tr/w431-h323/IMG_20230422_104424355.jpg" width="431" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMKfT3VsCbQZT2_Ck6bCDYTlTz4LPG6jz6s20j5hpxztwNgILelFk9wXrj5iKyahpS-BdHa6_OVh3Ree6E8hx1fR34n93_G1ZhtcIvr4FAODhbqBxFYNorciXM0y0aWFWMt7fxbaxEJH9J2mlUsddDzUtvag_G5MYu2IsetdiMMcx99ifdF-N4TFsK/s4000/IMG_20230422_111841505.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="325" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMKfT3VsCbQZT2_Ck6bCDYTlTz4LPG6jz6s20j5hpxztwNgILelFk9wXrj5iKyahpS-BdHa6_OVh3Ree6E8hx1fR34n93_G1ZhtcIvr4FAODhbqBxFYNorciXM0y0aWFWMt7fxbaxEJH9J2mlUsddDzUtvag_G5MYu2IsetdiMMcx99ifdF-N4TFsK/w433-h325/IMG_20230422_111841505.jpg" width="433" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-size: large;"><br /></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">O rapaz da loja em frente sorriu, cheio de orgulho: Ah, o dia inteiro 'tá cheio de periquito, abelha, uma festa! E de sobra ele dá p'rá gente esse luxo de tapete. Só a fruta que é meio bobinha, tem gosto de papel... Os pássaros não têm a mesma opinião, respondi. Rimos.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">O pé de jambo é assim: discreto e escandaloso. Suas flores escondem-se entre a densa folhagem, bem rentes aos galhos, de modo que não se pode avistar à distância. Em contrapartida, as pétalas que caem ao chão formam um tapete magenta que grita aos olhos.</span></div><p></p><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><br /></div><div><br /></div>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-70431460105572576742023-04-11T00:27:00.019-03:002023-04-11T01:33:28.412-03:00As primas<p><span style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">São cinco as primas: Helga, Rosa,
Almerinda, Magda, Felinta. Quando Rosa nasceu, Helga já era uma menina-moça faceira.
Por isso, acompanhou parte da infância de Rosa de modo muito próximo. No entanto
não era tão presente na vida de Almerinda, que nasceu no mesmo ano de Rosa, mas
vivia na cidade, bem como Magda, sua irmã caçula. Já Felinta, a mais nova de
todas as primas, quando nasceu encontrou a irmã Rosa já mocinha, totalmente dedicada
ao trabalho e aos estudos. A esse tempo, Helga já se mudara para uma cidade grande, no sul, onde se casara e constituíra
família. Assim sendo, Felinta não conviveu com ela na infância, conhecendo-a só por meio dos relatos e dos álbuns de fotografia que a mãe guardava cuidadosamente. Mas conviveu com Almerinda
e Magda, tendo inclusive tomado parte de suas festas de casamento.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Quando o pai de Almerinda e
Magda morreu, sua mãe ficou alentada com a decisão da filha mais nova de, mesmo
casada, continuar morando na casa com ela. Era a garantia de cuidados em
sua velhice. E assim foi: Magda acompanhou a mãe até o derradeiro dia. Depois,
vendeu a velha casa onde nascera e mudou-se, com o marido e os filhos, para a
mesma cidade onde a irmã Almerinda já vivia com a família há alguns anos. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Rosa e Felinta também se
mudaram dali, instalando-se na capital, para onde mudou-se também sua mãe,
quando o marido veio a falecer. Helga, vivendo há muito mais tempo distante de
todos, acompanhava cada passo, cada fato ocorrido a cada prima, em cada
núcleo familiar. E se emocionava em cada momento, sempre transbordando emoções.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Há alguns anos, Magda, já avó
de alguns netos, sofreu um acidente vascular cerebral. Em consequência, perdeu a
autonomia para realizar as atividades funcionais: falar, caminhar, se alimentar,
fazer a própria higiene. Helga nunca se conformou com o fato e muitas vezes
manifestou de modo apaixonado sua tristeza e sentimento de impotência diante do
quadro da prima. Seu único consolo estava no fato de que o marido de
Magda era dedicado nos cuidados com ela, apesar da fragilidade em seu coração, cujo
funcionamento dependia de alguns stents implantados nas principais aortas. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A seu turno, já aposentada, Rosa
assumiu os plenos cuidados da mãe que, com idade avançada, encontrou-se com
a saúde mais fragilizada a cada dia. Também ela se compadecia com a situação
de Magda e, muitas vezes, tentava acalmar o choro de Helga que lamentava situação da tia
e da prima. Entre as primas, Almerinda se manifestava raramente, sempre de modo
tranquilo, detalhando informações e tentando demonstrar que as situações, para
as quais não há remédio, remediadas estão. Já Felinta, a única que ainda não se
aposentara, pouco tomava parte da rede de conversas das primas, tratando de
ficar imersa nos cuidados com a mãe, ao lado de Rosa, sempre que possível entre
os compromissos de trabalho. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Foi numa dessas brechas,
passando alguns dias na casa da irmã, que ela atendeu a uma chamada telefônica.
Alô? Oi, Helga! É Felinta! Tudo bem? Do outro lado, Helga chorava copiosamente.
Não, não está tudo bem! O marido da Magda morreu hoje, acabou de ser enterrado.
Felinta fez uma breve pausa, situando, na memória, as figuras de Magda, o
marido e os filhos, enquanto ouvia os soluços do outro lado da linha. O que
poderia falar? Morreu como? Um ataque cardíaco fulminante! Helga prosseguiu, formulando
perguntas que nem Felinta nem ninguém poderia responder: E agora, o que será da
Magda? O que vai acontecer com ela? Felinta não sabia o que responder. Lembrou que
um dos filhos de Magda era médico, que encontrariam modos de continuar os
cuidados com a mãe. Nada consolava a prima mais velha, na outra ponta da ligação.
Felinta resolveu mudar o rumo da conversa, numa tentativa de acalmá-la: E os
netos, como estão? Helga respirou, mudou o tom da voz, contando que um dos
netos estava começando um curso de graduação numa universidade pública, que
todos estavam bem, com saúde, felizes. Mas o marido da Magda fora enterrado no
final da tarde, e agora, o que iria acontecer? E recomeçou a chorar. Algum tempo
depois despediram-se, Felinta desejou calma a ela, desejou força para Magda e
os filhos, antes de encerrar a ligação. Depois relatou o ocorrido para Rosa que
vigiava o sono da mãe enquanto ouvia partes da conversa telefônica. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">No dia seguinte, Almerinda
ligou para Rosa e contou com calma e afeto sobre a morte do cunhado e os
cuidados com a irmã Magda. Disse que confiava nos sobrinhos para tomarem as
providências necessárias. E recuperou uma frase muito usada pelos velhos da
família: Não me meto, nem dou opinião, se não me pedem. Não poderia ser
mais sensata. Estaria tudo bem. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">No terceiro dia, Helga chamou novamente,
pelo telefone. Dessa vez foi Rosa quem atendeu. Helga ainda chorava muito,
desconsolada. Rosa ouviu as perguntas, os lamentos. Concordou que o marido da
Magda fora muito dedicado. Então resolveu consolar a prima. É verdade: eles eram
tão ligados! Por isso, fique tranquila, que logo ele volta para leva-la. Helga levou
um susto. Gastou alguns segundos para assimilar o que Rosa dissera, nas
entrelinhas. Reagiu. Não! Isso não! Mas Rosa insistiu, com a voz doce, tranquilizadora.
Eu já testemunhei tantas situações assim, com casais amigos, muito ligados entre si. Quando um vai
embora, logo providencia de levar o que ficou para trás. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O marido de Helga morrera há
muitos anos. Nunca voltou para leva-la. A essas alturas, Helga não sabia o que
pensar: o vínculo do marido morto com ela não teria sido forte o suficiente?
Ela deveria se lastimar por isso, ou deveria respirar aliviada por ainda estar
viva? Preferiu não continuar pensando a esse respeito. Engoliu em seco. Perdeu o
fio da conversa com a prima. Perdeu a vontade de chorar. Logo se despediu,
mandou um beijo para a velha tia, mãe de Rosa e Felinta. Rosa achou graça da
reação da prima. Deu de ombros e foi preparar o lanche para a mãe que não
demoraria a despertar do sono da tarde. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 107%;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></span></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-7370739592936723342023-04-06T18:03:00.007-03:002023-04-06T18:03:38.135-03:00Estranha inspiração para buscar coragem<p><span style="font-size: large;"><br /></span></p><p><span style="font-size: large;">Sempre que preciso tomar uma decisão ou fazer algo que me
provoque medo, insegurança, gerando ansiedade, me olho no espelho e pergunto “você é uma
mulher ou uma barata?”. Respiro fundo e verifico a quantas andam os níveis disponíveis de coragem. Então
respondo, olhando diretamente nos meus próprios olhos: “uma barata”. Encho o
peito com força e sigo em frente.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Porque as baratas são assim: atrevidas, corajosas, cheias de estratégias
e artimanhas. Fazem-se de mortas para fugirem no momento certo. Voam rapidamente,
ou deslizam agilmente pelas superfícies construindo labirintos, para escapar aos
predadores. </span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Tenho muito respeito por elas. E as enfrento como boas adversárias.
Por vezes, consigo até vencer os combates. No mais das vezes, elas me driblam
nos ataques, deixando-me como a ver navios... No entanto, preciso admitir que o resultado é sempre injusto do ponto de vista delas: a vitória da barata significa apenas que ela escapou à minha investida; já minha vitória resulta sempre em sua morte...</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: x-large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: x-large;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">A propósito, recentemente uma equipe do serviço de
dedetização manifestou alguma admiração por não encontrar quaisquer vestígios
de baratas nos diversos cômodos da casa, onde pulverizaram veneno. Em vários itens
do relatório consta: nível de infestação – zero.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: large;"> </span></o:p></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-44042038057158932342023-03-30T18:28:00.007-03:002023-03-30T18:51:31.572-03:00Um inocente quilo de café<p><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 14pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;">Dia de feira, fui até a barraca do seu Aloísio comprar o
melhor pó de café que já conheci, moído na hora, com um aroma delicioso. Como faço
sempre, cheguei por volta de quinze para as onze, um pouco antes de a feira
fechar. Desta vez ele já não tinha nem meio quilo de café disponível. Professora, antes
das dez eu já tinha vendido tudo, me falou, entre contente e sem graça por não
ter o café para mim. Eu fico é muito alegre, pelo senhor, concluí. Coisa boa
ter vendido tudo, não é? Eu é que fiquei só na vontade... rimos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;">Então ele resolveu propor uma solução: Eu posso levar para
a senhora em sua casa; onde a senhora mora? Aqui mesmo nesta rua, seu Aloísio,
ali naquele prédio, mostrei a ele. Ele olhou, identificando o lugar como familiar: Ah, é o mesmo prédio do seu Bretas... Eu tenho um vizinho chamado
Bretas, só não sei se é o mesmo que o senhor conhece, comentei. Ele é
casado com a dona Nair? Acho que sim, me respondeu. Eu continuei tentando
identificar o vizinho: Ele teve covid, ficou bem fraquinho depois... Aí seu
Aloísio me corrigiu: Na verdade ele ficou bem ruinzinho depois que foi
sequestrado, no ano passado; ele teve covid, depois sofreu o sequestro; isso é que acabou com ele. Eu levei um susto. Sequestrado? Como eu não soube
disso? Fiquei impressionada com a informação e com o fato de eu não saber, sendo vizinha dele. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;">Combinamos, então, o dia e a hora que seu Aloísio
entregaria o café lá em casa, já deixei pago, e voltei, pela calçada,
encafifada com a notícia do sequestro. Na portaria, encontrei seu Francisco, aproveitei para conferir a informação. Seu Francisco foi solícito,
explicando-me o ocorrido com muito cuidado e respeito à situação do seu Bretas e família: É que, depois que teve
covid, ele ficou com uma alteração muito grande de comportamento...
ficou agressivo, tinhas umas reações muito estranhas, às vezes ameaçadoras, com qualquer
pessoa, a qualquer momento; então a filha, preocupada, resolveu internar num hospital
psiquiátrico, onde ele ficou por mais de mês, em tratamento; quando teve alta, ele saiu
contando que foi sequestrado, que foi torturado no lugar onde ficou preso... e
quando as pessoas não conhecem ele, nem o que aconteceu, acreditam nessa história... é o que ele conta para todo mundo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;">Eu, que já estava impressionada com a história do sequestro,
fiquei ainda mais tocada com o desdobramento dos fatos, da internação no hospital
psiquiátrico e da história criada por ele. Eu sabia que ele fora internado por
longo período, por duas vezes, em razão da covid, mas não tinha noção da extensão do quadro. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;">Chegando em casa, contei o ocorrido para Ana, que
trabalha comigo e conhece bem a família do seu Bretas e dona Nair. Ela ouviu
com atenção e também ficou impressionada. Mas, um pouco depois, matutando sobre o relatado, chegou a uma outra possibilidade: Sabe que é capaz
de a própria filha ter dito a ele que ele foi sequestrado e depois resgatado pela família, para ele não saber que estava num hospital psiquiátrico? Considerando o modo
como a filha lida com os pais, é bem possível que ela tenha inventado essa
história para ele, e a dona Nair tenha ajudado; pois eles são assim, inventam
histórias para não ter que lidar com os fatos como são... as coisas
acontecem, depois elas contam outra coisa que não é o que aconteceu...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;">Essa história toda já envolveu mais ação e suspense do que
muitos filmes a que tenho assistido por aí. Por hoje, deu. Eu só queria um inocente e saboroso quilo
de café moído na hora, da banca de seu Aloísio... e, por esse, terei de esperar até amanhã...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p><br /></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span face=""Arial",sans-serif" style="font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p>(Em tempo: os nomes das pessoas citadas foram inventados).</o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 14pt;"> </span></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-73058090739084526182023-03-26T17:22:00.006-03:002023-03-31T10:58:19.980-03:00Razões para chorar numa colação de grau<p style="text-align: center;"> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-8x2ShKsxoDkCWkxjE0pfRbqwkRMpCnnPj3LKZJVbEF-28RcMTc5YjDfLnaGEx5O35BVRGGtnZsTurRPeVJwiEbYJ-CfoHN4dPLZHZF4Yb4asMTm3ZcOJKcsdMjhA_ewDihWrAr07a870uoWMGl-4t7HkGNvauJjBJlPnUKeEG6sI7Kobaou7j8LI/s2304/formatura.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2304" data-original-width="1728" height="391" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-8x2ShKsxoDkCWkxjE0pfRbqwkRMpCnnPj3LKZJVbEF-28RcMTc5YjDfLnaGEx5O35BVRGGtnZsTurRPeVJwiEbYJ-CfoHN4dPLZHZF4Yb4asMTm3ZcOJKcsdMjhA_ewDihWrAr07a870uoWMGl-4t7HkGNvauJjBJlPnUKeEG6sI7Kobaou7j8LI/w294-h391/formatura.jpg" width="294" /></a></div><div><br /></div><div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-size: medium;">Quando concluí minha primeira
graduação, numa instituição pública, ainda em pleno regime militar, não participei da colação de grau. Não
tinha motivações para tanto. O reitor era capitão de mar e de guerra, oficial da
marinha. Minha geração na universidade tinha mantido o embate com ele em greves
duradouras, a despeito das ameaças, e da presença policial no campus. Por isso,
preferi viajar dentro da programação do Projeto Rondon. Quando retornei, segui
direto para minha cidade natal. Mas desta vez, concluindo minha segunda
graduação, quatro décadas depois, decidi que participaria da cerimônia, mesmo se
tratando de mera formalidade, porquanto o diploma não tenha mais versão
impressa, sendo apenas um arquivo digital.</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-size: medium;">Queria vestir a beca e colocar
o capelo, sentar-me entre colegas concluintes, perceber, como participante, o
ritual. Confirmei, assim, a participação e, no sábado, no horário indicado pelo
cerimonial, compareci ao ginásio anexo ao teatro, para as orientações e providências que
antecipavam o ritual. A gestão da formatura era responsabilidade de uma empresa
especializada em eventos dessa natureza. É como procedem as instituições de
ensino da iniciativa privada, terceirizando essas produções.</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-size: medium;">Depois de devidamente vestida e de muitas fotografias prévias (o que também merece um texto à parte), chegamos ao palco para as orientações e ensaio. A coordenadora,
que trajava uma roupa preta e um par de <i>mule </i>de couro preto, sem salto, aparentemente
um número menor, pois o pé ficava parcialmente para fora, caminhava para lá e
para cá, explicando cada etapa do ritual. Portava autoridade no gesto, afirmava-se diante do grupo. Repetiu várias vezes que tinham preparado com muito
carinho aquele momento, com cuidado para garantir que todos ali ficassem
emocionados. A esse respeito, foi taxativa: “hoje, eu vou fazer vocês chorarem!”
Aquilo me pareceu um tanto agressivo. Mas não dei muita importância. Já estava
lidando com uma lógica muito distinta daquela à qual estou acostumada: ali,
tratava-se de um espetáculo que se vende como mercadoria. Tudo ali resultaria em entradas de divisas para a empresa, inclusive cada fotografia tirada, que integrará um álbum nem um pouco barato a ser vendido a cada pessoa que tenha estado ali. O assunto também mereceu um aparte: </span></span><span style="font-size: medium;"><span face="Arial, sans-serif">“</span><span face="Arial, sans-serif">Recebam bem nosso representante e comprem o álbum!</span><span face="Arial, sans-serif">”</span><span face="Arial, sans-serif">.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: medium;">Mas eu não consegui me desligar da ideia de que ela nos faria chorar, como projeto, com planejamento e, ao que tudo indicava, experiência no assunto. </span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-size: medium;">Quando, afinal, foi dado
início ao evento e cada participante entrou, ocupando seu lugar no palco, um
jogo de luzes multicolorido com movimentos velozes tomou conta do espaço do teatro e uma música estremeceu todas as superfícies. O volume ultrapassava em muito o nível máximo
de decibéis apontado como minimamente recomendável. Os graves faziam vibrar minha caixa
torácica. Eu comecei a sentir dor de cabeça e um pouco de tontura. Como ainda
levaria algum tempo até que todas as pessoas ingressassem, pedi a alguém da
equipe para baixar um pouco o volume, explicando que eu não me sentia bem. A pessoa me
disse que não era possível atender ao meu pedido. Evidentemente que era possível, respondi, além do quê eu estava me sentindo mal. Ela afirmou ser aquele o
protocolo. Reiterei que não me sentia bem. Que eu saísse então, ela me disse. Que
não, era minha formatura, afinal, respondi, bastava que baixassem o volume do som. E acrescentei: vou ficar sentada, e
taparei os ouvidos; mas vocês estão errados; esse volume do som é uma
violência a qualquer organismo.</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-size: medium;">Sentei-me e, com os dedos, fechei a entrada dos ouvidos. O som chegou-me com um pouco mais de
conforto. Algum tempo depois, a música foi retirada, dando-se início às várias
etapas a serem cumpridas: hino nacional, discursos, juramento, homenagens. Como
a trilha sonora era sempre intercalada com falas, o volume passou a um nível
administrável.</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><span face="Arial, sans-serif">Nesse ínterim, a coordenadora
da produção, a tal moça com o par de </span><i style="font-family: Arial, sans-serif;">mule</i><span face="Arial, sans-serif">
preto menor que seus pés, passava entre as pessoas perguntando: “Tudo bem? Vocês
estão bem?”. Procurava por quem estivesse chorando e distribuía lenços para que
se enxugassem as lágrimas. Ela queria que as pessoas chorassem, estava
preparada para esse resultado, não importava a que preço. Dei-me conta, então,
que a música naquele volume fazia parte do projeto de “emocionar e fazer chorar”. O impacto
físico do volume sonoro, sobretudo dos graves, fazia parte da indução ao choro. No meu
caso, eu beirava o choro, mas não pela emoção com a formatura; ao contrário, eu quase chorava pela raiva que o mal-estar provocava e pela indiferença da produção à questão.</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-size: medium;">Mais ao final, passou-se à
entrega dos canudos, quando cada pessoa foi chamada, individualmente. A música
voltou ao volume ensurdecedor, com uma breve pausa para a chamada, ao microfone, de cada nome.
E a moça veio perguntar se estávamos bem. Respondi que não e pedi para baixar
um pouco o volume. Ela me olhou firmemente nos olhos, com uma expressão meio
irônica. Talvez quisesse saber porque eu não estava chorando... Repeti-lhe o pedido para baixar. Ela perguntou: “É?” Já bem irritada, disse-lhe que
sim, que se não baixassem o volume eu faria um escândalo, pois estava
passando mal. Depois de uma pausa, mantendo o controle da situação consigo, ela se retirou. Já chamavam pelo
meu nome. Segui para pegar o canudo. Do outro lado, profissionais da fotografia me aguardavam
para registrar o momento. Eu estava contrariada e não considerei a possiblidade de mudar minha
expressão. Voltei ao meu lugar, no palco, sentei-me, deixei o canudo no colo e
tapei os ouvidos com as mãos. Algum tempo depois, percebi que o volume diminuiu um pouco. Contudo, sentia mais conforto com os ouvidos tapados. Assim permaneci até o
final, quando se encerraram os trabalhos, as cortinas foram fechadas e as pessoas foram encaminhadas, com as famílias, para a última sessão de fotografias.</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-size: medium;">Muitas pessoas choravam. Era um momento, sem dúvida, de grandes alegrias. A música, finalmente, cessou. Levei
comigo o canudo vazio. Ainda aguardo pela emissão do diploma digital
devidamente registrado no Ministério da Educação, que me confere o título de
bacharel em filosofia.</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif" style="line-height: 107%;"><span style="font-size: medium;"> </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br /></p></div><p style="text-align: left;"><br /></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-1336980409493223422022-12-20T14:06:00.004-03:002022-12-29T17:06:42.611-03:00Uma emoção inexplicável<p><span style="font-family: arial;"><span style="font-size: large;">O ano era 1970. Eu não tinha completado 8 anos. Muito
recentemente se havia instalado um rádio de mesa, a pilha, em nossa casa
camponesa. O rádio se transformara no principal meio de comunicação com o
restante do mundo. Ou melhor, de ter notícias do resto do mundo, ali, naquele recanto distante de quase tudo. Eu podia imaginar lugares, pessoas, acontecimentos, histórias, traduzindo as vozes e demais sonoridades transmitidas por aquele aparelho
cuidadosamente acomodado numa mesa, ao canto da sala, perto da janela,
alimentado por seis pilhas grandes, e conectado à área externa da casa por dois
fios: um mais curto e mais grosso que se enfiava na terra (meu pai explicou que
era o fio terra); outro mais fino, mais leve e bem longo, estendido entre duas
madeiras bem altas, era a antena.</span></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Foi ali, por meio daquele rádio, que eu pude acompanhar os jogos da
copa do mundo de futebol, com transmissão desde o México, eu que não fazia a menor ideia de como fosse um jogo de futebol, e tampouco podia sequer imaginar onde ficava o México. Mas nada disso
importava. Conduzida pela emoção da voz do narrador, as expectativas foram
aumentando, a cada jogo, na mesma medida do entusiasmo com os resultados. Eu ia
anotando, na contracapa cor laranja de um velho dicionário, os
resultados de cada jogo. As anotações não observavam nenhum alinhamento, mas eu
sabia identificar a sequência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">No último jogo, a emoção não cabia em mim. Ao final, saí à
porta lateral da sala. O céu estava cinzento, chuvoso, fresco. À minha frente,
as árvores em verde escuro eram lideradas por um frondoso abacateiro. Mais adiante,
o curral, e além os animais pastavam. Esse foi um dos momentos, talvez o primeiro, quando senti muito orgulho por ter nascido no Brasil. Éramos campeões
do mundo! Não sabia ao certo o que aquilo significava, nem como acontecera. Mas
me sentia parte daquilo, e o sentimento de pertencimento me fazia feliz. Tudo competentemente conduzido pela voz de um narrador de futebol!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-70651467133815023052022-12-08T20:22:00.009-03:002022-12-12T16:24:10.963-03:00Duas candidatas, uma escolha<p style="text-align: right;"><span style="font-family: arial;">Para Kassia </span></p><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A primeira candidata, pele morena, etnia indígena, trouxe
suas inquietações para compartilhar nas provas do concurso. Falou dos desafios de
ser mulher indígena, vivendo fora da aldeia, em grandes centros urbanos; contou sobre seu trabalho
com cerâmica, discutiu as relações colonizadoras da arte hegemônica. A segunda
candidata, branca, filha de pai europeu, trouxe um discurso sobre
decolonialidade, referenciado eu autores de língua inglesa, conhecedora de
obras reconhecidas internacionalmente sobre o assunto. Defendeu posições autorreferidas como
refratárias ao sistema da arte, apresentou um portfólio razoável de exposições.
Foi assertiva em suas defesas.</span></div>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A avaliação considerou o ponto de vista que, aparentemente, se
articularia melhor com o projeto do mundo acadêmico. A banca aprovou a candidata
que discursou sobre decolonialidade, e reprovou a candidata que trazia a
decolonialidade no próprio corpo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></o:p></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-5140048057473233732022-11-10T17:17:00.002-03:002024-02-04T11:05:31.295-03:00Estrela do mar<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkxea__eBjfEGz02K9_Y0CpaRgUWbJSpUTaPSvoaR4roT4HaLe0cWTypQui5EVRS6YEOnR7QXrwz34fqUca-sy2RnGqXeTLXYgKSHQOT-Elq6pHSDWzDMn2m24mUSwt5skPXqLJ_Vk8ZQkjjhGVPfYvZaNNmGYW1hXU2b7s496Qs0H5YuZFoapmaSO/s4000/flor%20estrela%20do%20mar.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkxea__eBjfEGz02K9_Y0CpaRgUWbJSpUTaPSvoaR4roT4HaLe0cWTypQui5EVRS6YEOnR7QXrwz34fqUca-sy2RnGqXeTLXYgKSHQOT-Elq6pHSDWzDMn2m24mUSwt5skPXqLJ_Vk8ZQkjjhGVPfYvZaNNmGYW1hXU2b7s496Qs0H5YuZFoapmaSO/w640-h480/flor%20estrela%20do%20mar.jpg" width="640" /></a></div><p style="text-align: right;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span><span style="font-family: arial; font-size: x-large;">A estrelinha do mar virou flor, e veio morar no Planalto Central, na varanda da minha casa. </span></p><p style="text-align: right;"><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-65210975789749931022022-08-25T18:48:00.002-03:002022-08-25T18:48:57.434-03:00O milho verde para a torta<p><span style="font-family: arial; font-size: large;">Hoje foi dia da feira aqui na minha rua. Porque inventei de
fazer uma torta salgada para o almoço, decidi ir até lá, comprar milho verde. Nestes
últimos 4 anos o preço do milho (não só do milho) subiu muito, aumentando o
preço de outros produtos que podem mesmo ser considerados essenciais, como a
pamonha, por exemplo. Mas esse é já outro assunto.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Cheguei à feira. Na primeira banca, milhos bem verdes, no
ponto para a torta que eu imaginei. Perguntei ao rapaz pelo preço. Quatro por
dez, respondeu. Ui! A escalada do preço não conhece recuo. De sete espigas por
dez, não faz muito tempo, passou a seis, a cinco e agora quatro espigas pelo
mesmo preço. R$ 2,50 é o valor de cada espiga. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Segui pela feira, buscando outros poucos itens, e também
outras bancas com milho. Não havia: ele era o único vendedor de milho ali. Na volta,
disse-lhe que precisava do milho, mas estava muito caro. Que estava cara para
ele também, respondeu-me, explicando que as vendas cobriam apenas as despesas
dele. Pensei na torta, e decidi trazer as espigas, apesar de tudo. Então pedi a
ele que escolhesse para mim. Ele disse para eu escolher. Então respondi o
senhor escolha como se fosse escolher para o senhor. Ele pensou um pouco. Posso
lhe dizer uma coisa? Que sim, respondi. Se fosse escolher para mim, eu não comprava...
Ele falou sério. Senti que estava desolado com tudo. Depois decidiu escolher, e
separou logo seis espigas no lugar de quatro. Eu lhe disse mas assim não, o senhor
fica no prejuízo. Ele disse que não, as espigas eram pequenas, os compradores
nunca escolhem aquelas e ele acaba perdendo. Cortou os grãos, embalou,
conversando comigo sobre a gravidade da situação econômica. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A torta até que ficou bem gostosa. Mas eu só usei a metade
do milho já pouco: a outra metade, reservei para outra receita. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-32016668781065622182022-07-03T12:32:00.002-03:002022-07-03T12:55:17.653-03:00Um mestre, um grande mestre.<p><span style="font-size: large;"><br /></span></p><p><span style="font-size: large;">Naquele dia, eu apresentaria meu trabalho no evento que
tratava de arte e tecnologia. O tema surgira a partir das
discussões nas aulas com ele, que eram de uma riqueza de debates, abertas à
pluralidade de ideias, às diferenças de posição. Antes de tudo, eram aulas de
civilidade, de alteridade e de paixão pelo conhecimento e pela cultura.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Quando cheguei à porta do Instituto, eu o encontrei sentado
num banco de alvenaria, me aguardando. Levava consigo a inseparável pasta
preta, onde guardava papéis com anotações. O cabelo muito branco refletia a luz
matutina. A esposa o deixara ali mais cedo, antes de iniciar as suas aulas. Ele
sorriu-me, e eu fiquei exultante com a surpresa. Seguimos juntos para o auditório.
Ouviu-me, com a atenção que lhe era peculiar, falar sobre o filme Blade Runner,
sobre ficção científica, imaginário social, noção de futuro. Sua presença ali
foi a chancela para o projeto de pesquisa no doutorado. </span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Um mestre, um grande
mestre.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Fiz duas disciplinas com ele, durante o doutorado, ele participou da minha banca de qualificação. Ouvi-lo era sempre como desbravar territórios inaugurais de possibilidades de pensamento. Acompanhá-lo transitando entre as diferenças, as divergências, era sempre um conjunto de lições de diplomacia, de alteridade, de civilidade. E de afeto. E de humor.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Um mestre, um grande mestre.</span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Durante a pandemia, soube que estava lutando contra o mal de
Parkinson, no Rio de Janeiro. Conversei algumas vezes com a professora Bárbara Freitag, sua
esposa, de quem também fui aluna, e por quem cultivo especial respeito e afeto.
Hoje, o professor Sergio Paulo Rouanet nos deixou. O mundo fica mais pobre nas
possiblidades para viver na diversidade, para dialogar na divergência. Sou mesmo
uma pessoa privilegiada: hoje perdi um mestre, mas ele permanece na pesquisadora
em que me tornei, de cuja formação ele tomou parte fundamental. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Deve agora inaugurar animadas mesas de debate sobre cultura,
pensamento social, política, filosofia e arte em outras dimensões. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><br /></p><p class="MsoNormal"><br /></p><p class="MsoNormal"><br /></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-17377568782301562522022-04-25T15:27:00.005-03:002022-04-25T15:31:45.489-03:00Coisas de viver em Brasília<p><span style="font-size: large;"> </span></p><div class="separator" style="clear: both; font-size: x-large; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkWmyKK9jgi70rJe_drg_Q7HfsvxNMK0pLhnBKozFDOWQYJnM0ItyeBZs9dD8kUWUVUK1KVloQvyZZnrYsvxQP92LIpwYJzIW3dIcWKIArt7GTr-hSoAO1ggg4DjiPkBfYsP7wyLpT2BCVRnd-8YTXYlqBWOPLk0_IeCrKq9Mvx62ZGMiniIbkbeUE/s4000/IMG_20220423_102534014.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="4000" data-original-width="3000" height="462" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkWmyKK9jgi70rJe_drg_Q7HfsvxNMK0pLhnBKozFDOWQYJnM0ItyeBZs9dD8kUWUVUK1KVloQvyZZnrYsvxQP92LIpwYJzIW3dIcWKIArt7GTr-hSoAO1ggg4DjiPkBfYsP7wyLpT2BCVRnd-8YTXYlqBWOPLk0_IeCrKq9Mvx62ZGMiniIbkbeUE/w347-h462/IMG_20220423_102534014.jpg" width="347" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; font-size: x-large; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3dJlPmryHKBblLz1UDB_nXckyYrG-pOTYMKQxMlSyJfcvZW-NUyNJCfVfWgGcb4Ol5zAr-XyYZsVV6hZj4pjTQHZ4LvToBOwnfQvbH7i_w6Z0ZEpO6Kd1cIpFW-5Cf3fTO5DLGpr8HaNkoDOGeVv2YCCzqG1F3-OxHxNbVv37Mliy7rR-Au7crHaR/s4000/IMG_20220423_102508842.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="260" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3dJlPmryHKBblLz1UDB_nXckyYrG-pOTYMKQxMlSyJfcvZW-NUyNJCfVfWgGcb4Ol5zAr-XyYZsVV6hZj4pjTQHZ4LvToBOwnfQvbH7i_w6Z0ZEpO6Kd1cIpFW-5Cf3fTO5DLGpr8HaNkoDOGeVv2YCCzqG1F3-OxHxNbVv37Mliy7rR-Au7crHaR/w347-h260/IMG_20220423_102508842.jpg" width="347" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; font-size: x-large; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg10_pbhI0ndFYwEDpbU6FhCEVxkXgay7E6UHsy5J4_RlR2D_doIbd04eP3fBBlDZjIEJFHe2J98W29MsHSD5g3nBNKDzseiWIRGRgd7OandbYc6mp92FaxACPLH6g00AaJZNFqknq9HbOQvsAGdJ1UaBEC-ezkxs0xo32J3aCJ5AlSy4EpPxwR3sCC/s4000/IMG_20220423_102438692_HDR.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="261" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg10_pbhI0ndFYwEDpbU6FhCEVxkXgay7E6UHsy5J4_RlR2D_doIbd04eP3fBBlDZjIEJFHe2J98W29MsHSD5g3nBNKDzseiWIRGRgd7OandbYc6mp92FaxACPLH6g00AaJZNFqknq9HbOQvsAGdJ1UaBEC-ezkxs0xo32J3aCJ5AlSy4EpPxwR3sCC/w347-h261/IMG_20220423_102438692_HDR.jpg" width="347" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; font-size: x-large; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQICgIjDIOdIHnbSy5LThqRhCyvDy2eBnbLsFLdu6JIpu4igZ8Z_FYybegiwHvizGDbo3ttuCXy20hh_eNEXFjJP5TUzsV-lR3LpqTBPaQvwVuwxxcco_Xx5fii62RU3ehvc5xyt3QrbWl3rY8pIav3bRPncfLyfdnBDUi2vpG4lPCzKl9gbAbx9hx/s4000/IMG_20220423_102421394_HDR.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="4000" data-original-width="3000" height="460" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQICgIjDIOdIHnbSy5LThqRhCyvDy2eBnbLsFLdu6JIpu4igZ8Z_FYybegiwHvizGDbo3ttuCXy20hh_eNEXFjJP5TUzsV-lR3LpqTBPaQvwVuwxxcco_Xx5fii62RU3ehvc5xyt3QrbWl3rY8pIav3bRPncfLyfdnBDUi2vpG4lPCzKl9gbAbx9hx/w346-h460/IMG_20220423_102421394_HDR.jpg" width="346" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">Fotos: Gwavira Gwayá, 2022</div><p></p><p><span style="font-family: arial; font-size: large;">No último dia 21 de abril, Brasília completou 62 anos. Acabei
não me manifestando a respeito, embora estivesse atenta ao processo de
amadurecimento da cidade. E também embora hoje eu reconheça que se há algum
lugar em relação ao qual eu tenha sentimentos muito fundos de pertencimento,
esse lugar é Brasília.</span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">E porque no mesmo dia 21 de abril eu tenha sido surpreendida
por uma experiência particular e especial, decidi compartilhá-la, para
esclarecer: quem desqualifica a capital federal ou não a conhece em sua dimensão
de espaço de se viver, ou não tem a menor ideia do que seja qualidade de vida. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Em primeiro lugar, é necessário dizer que Brasília não é a
Esplanada dos Ministérios, nem a Praça dos Três Poderes (hoje, território de
guerras...). A maior parte da população que vive no Distrito Federal muito
raramente transita nesses espaços. Muitos nunca chegaram até ali. Esse
território, em segundo lugar, é ocupado por políticos e profissionais vindos de
todas as partes do país, cuja permanência não dura muito mais do que uma gestão.
Em segundo lugar, em territórios outros, que nada devem à Esplanada dos Ministérios
e à Praça dos Três Poderes, as pessoas tecem os seus viveres, numa cidade que
oferece condições diferenciadas para tanto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Dona Francisca foi minha vizinha de porta durante décadas. E
dedicou-se a plantar pequenos arbustos e mudas de árvores frutíferas do outro lado da
calçada que separava o jardim do prédio e o grande gramado central da quadra.
Ali cresceram, então, vários pés de seriguela, acerola, mamão, dentre outras.
Também marquei presença com um pé de pitanga que já se tornou uma pequena árvore. As plantas cresceram, criando
uma espécie de corredor de sombras frescas sobre a calçada pela qual as pessoas passam,
em suas caminhadas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Por ali, segui também eu, pelo meio da manhã do dia 21 de abril, quando me
deparei com um conjunto de trabalhos de arte pousados junto aos troncos e entre
os galhos daquelas árvores. Fui tomada pelo espanto: de entre o chão coberto
por folhas secas, enroscados entre galhos, já modificados pelas intempéries do
clima (calor, chuva, poeira, etc.), repousavam grandes flores coloridas, peixes
recortados em papelão ou madeira, trabalhos realizados com material de sucata. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Soube, pelo Seu Antônio, que um senhor, também morador do prédio, precisou se aposentar precocemente em razão de problemas graves
de saúde. A partir de então, passou a produzir aquela linha de trabalhos. Alguns
são vendidos. Mas a maior parte é destinada a integrar a paisagem, como aqueles
que me surpreenderam.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Respiro fundo e volto a caminhar. Isso é Brasília. E me faz
bem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: large;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: large;"><br /></span></o:p></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-78563987847248780172022-02-14T18:53:00.004-03:002022-02-16T11:49:58.683-03:00Breve visita<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O beija-flor entrou, agitado, já findava a tarde. Voejou desde
a sala de estar até o espaço de estudos, entre livros e almofadas. Voejou rápido,
com breves paradas no ar e mudanças de direção. Temi por ele: como encontraria
o caminho de saída do apartamento cheio de portas, janelas e mobílias? Ele voltou
para a sala, veio em minha direção, e tomou o rumo de um dos quartos. Corremos abrir
todas as janelas e apagar todas as luzes. Numa de suas idas e vindas dentro da
casa, ganhou a área externa novamente, e se sumiu.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Ainda sinto a vibração do ar pela movimentação ligeira de
suas asas. Meu coração está, ainda, quase tão acelerado quanto o dele. Ainda sinto
gratidão pela breve e agitada visita.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Cheguei na bera do córgo onde azágua se espraia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">As garça dá meia vorta e senta na bêra da praia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">E o cuitelinho nun gosta<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Que o botão de rosa caia-ia-iai...<o:p></o:p></span></p>
<p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></p><p><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></p><p><span style="font-size: large;"> </span></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-85253807701447915272022-01-28T15:24:00.012-03:002022-02-16T11:51:42.148-03:00Palavras e imagens<p><span style="font-size: medium;"><br /></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif" style="line-height: 150%;"><span style="font-size: medium;">Numa
plataforma digital de compartilhamento de conteúdos, encontrei a replicação de
uma postagem, na qual alguém contava uma história mais ou menos assim: quando
criança, ele assistira a uma palestra, na escola, de um padre que trabalhava
com causas sociais. Em sua fala, o padre explicava a importância da empadinha para
se ajudar as pessoas pobres. Segundo o relato, o padre enfatizou muito a
questão da empadinha no trabalho junto às pessoas pobres. E o rapaz teria
ficado muito intrigado, perguntando-se o porquê da empadinha. Não seria mais
eficiente providenciar pão e outros alimentos? Cerca de 30 anos depois, ele
descobriu que o padre estava falando, de fato, de empatia, e não de empadinha.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif" style="line-height: 150%;"><span style="font-size: medium;">Achei
muita graça do relato, compartilhei com pessoas amigas, para também compartilhar os
risos. Enquanto contava à minha irmã, constatei que durante vários dias,
enquanto lia e contava o relato, eu pensava em coxinha ante a palavra
empadinha. Rimos muito do caso. Então ela resolveu contar sobre um rapaz de
nossa cidade natal que teria quebrado o braço, em decorrência de um acidente.
Disse: “Ele estava montando...” e eu a interrompi, completando a frase: “... um burro xucro!”. Não, “ele estava montando um toldo...”. Ele trabalhava com instalação de toldos... Isso foi motivo de
muitos risos. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif" style="line-height: 150%;"><span style="font-size: medium;">Lembramos
de outra ocasião, quando se instalaram as primeiras barreiras eletrônicas para
controle de velocidade de veículos automotores, nas vias da cidade. Minha irmã me explicou, à época, que se passássemos “montados na faixa”, o sensor eletrônico não capturaria. Eu, com o repertório de imagens que conecto à palavra montar e seus derivados, fui logo
imaginando alguém a trote, montando um cavalo, passando pelos sensores. E
concluí que não seria capturado pelos sensores, provavelmente, pela baixa velocidade. Mas o
que ela queria dizer era que se os carros passassem com uma lateral numa faixa e
outra lateral noutra faixa...<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif" style="line-height: 150%;"><span style="font-size: medium;">Agora fico
a imaginar alguém montando um cavalo xucro sendo capturado pelos sensores eletrônicos de velocidade, enquanto busca uma empadinha... (ou seria uma coxinha?) vendida sob algum toldo... <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif" style="line-height: 150%;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif" style="line-height: 150%;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><span face="Arial, sans-serif" style="line-height: 150%;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></span></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-5885600809722751922021-10-11T18:10:00.001-03:002022-02-16T11:50:26.872-03:00No dia de meu aniversário<p><span style="font-size: large;"><br /></span></p><p><span style="font-size: large;">Fiz aniversário. O dia de meus anos, desta vez, caiu num
domingo chuvoso, depois de longo período muito quente e com baixos índices de
umidade, numa estiagem que maltrata a paisagem e seus habitantes. A trilha
sonora ficou por conta das cigarras e sabiás, que celebram a chegada das
chuvas. Estou em casa de minha mãe por estes dias. Ela cumprirá, em pouco tempo, seu 94º
aniversário. A estas alturas da vida, a memória se atrapalha, mistura informações, não
consegue confirmar dados. Que dia é hoje? Que horas são? Qualquer resposta provoca admiração. Então minha irmã lhe contou
que era meu aniversário. Ela se espantou. Não lembrava ao certo que dia era. Confirmou.
Fez festa, desejou alegrias, me abençoou. Algum tempo depois, já não se lembrava nem do meu aniversário, nem que já comemorara comigo. E já se ia, novamente, me felicitando pelo dia natalício. Mais uns instantes, e ela própria
indagou sobre a data, e confirmou que era meu aniversário. Mais uma pequena
festa. E muitas outras que se sucederam no decurso daquelas 24 horas.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">E transcorreu o domingo chuvoso cheio de frescor, entre
pequenas festas a cada instante que resultavam em muitos beijos e bênçãos com
votos de felicidades. Sempre entre espanto e alegria pela constatação do dia que
merecia celebração.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Ah, a vida! Ah, os ciclos!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: large;"> </span></o:p></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-67724099615859510042021-09-06T15:59:00.001-03:002021-09-06T16:04:12.871-03:00Filhotinho de rolinha<p><br /></p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLLvdIfD3uOrw_RKBQBrrdXUpQkmlCW3JN4zxcEptW7rIgK0VFXgzz0Nj8X3snt2zgO2t67kkqS98dL5ZoAkDKEJidrjHi-w4M2173s9yisgy9Dji4tlF2xnd8GC_WlLEnxAl6uROht8I/" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="472" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLLvdIfD3uOrw_RKBQBrrdXUpQkmlCW3JN4zxcEptW7rIgK0VFXgzz0Nj8X3snt2zgO2t67kkqS98dL5ZoAkDKEJidrjHi-w4M2173s9yisgy9Dji4tlF2xnd8GC_WlLEnxAl6uROht8I/w628-h472/rolinha+filhote.JPG" width="628" /></a></div><br /><p></p><p>
</p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Desde ontem, algumas emoções e sustos emergiram aqui em casa. O
filhotinho da Paloma, a rolinha que fez casa na varanda do apartamento, saiu muito cedo do ninho. Não está emplumado
o bastante para ensaiar voos. Passou a noite no chão,
entre as plantas, sob o olhar dela, atento, desde o alto das instalações colombinas. Ficamos sem saber o que fazer.
Decidimos não interferir, com medo de assustar ainda mais tanto ele quanto ela. Hoje, mais ao final da manhã, o filhote ainda estava no chão, tremendo. As
penas já estão mais abertas e, por incrível que pareça, o papinho estava bem
cheio. Ou seja, a mãe tem alimentado ele mesmo fora do habitat. </span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Foi então que eu notei: a Paloma não estava no ninho. Num ímpeto, catei o pequeno, subi numa escada, e coloquei a criatura de volta ao berço de onde não deveria ainda ter saído. O coração na mão, fechei a porta da
sala, e a cortina, na esperança de que a mãe não o rejeitasse, por estar com
o meu cheiro. </span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Instantes depois, a Paloma voltou. </span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Está tudo bem. Ela está cantando, no ninho. O
pequeno está lá, com ela, se mexendo, agitando as
asas. Recobrado do susto, no mínimo já ensaia saltar fora do ninho novamente. A mãe o observa, paciente. Esse menino não aquieta! </span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: x-large;"> </span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p><br /><p></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-39397079839153918382021-04-24T13:21:00.015-03:002021-05-13T01:21:04.310-03:00O sapo<p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">Quem venha das bandas do poente caminha pouco mais que meia légua depois da ponte,
e já se depara com a entrada para a casa da minha tia, numa curva da estrada. Ali,
ela vive com o marido, as plantas e os animais domésticos. E outros que se agregam
às instalações residenciais, sem necessariamente terem sido convidados, por
assim dizer.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;"><span>Tem já algum tempo, ela começou a se deparar com o aumento
da população de sapos. Quando menos espera, tropeça num. Uns mirrados, outros bem grandes... </span><span>Sapo é bicho que não se pode matar. Toda vez que encontra um, com todo o cuidado, ela coloca o animal num saco, e o deixa no outro lado do
rio. </span></span></p><p class="MsoNormal"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-size: large;">Andava cansada de tanto atravessar o rio para levá-los à outra
margem. Coisa trabalhosa. Também começou a ter dúvidas a respeito da quantidade efetiva de sapos, especialmente os maiores. Por isso, resolveu tomar uma providência. Munida com um vidro de esmalte vermelho, pegou um dos sapos, dos grandes, e pintou-lhe as unhas. O bicho, imobilizado dentro do saco, não teve como escapar. Ela ainda esperou, pacientemente, até ter certeza de que a tinta estava seca, antes de deixá-lo, como de rotina, do outro lado do rio. Voltou para casa, entre
expectativas.</span></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-size: large;">Não demorou nem uma semana, e ela já pôde fazer a verificação de que precisava: lá
estava o sapo, nas cercanias da casa, senhor de si e das unhas pintadas com seu esmalte
vermelho. Havia outros. Mas aquele, especificamente, passou a ser referência para ela. </span></span></p><p class="MsoNormal"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-size: large;">É de se supor, também, que ela tenha sido adotada pelo sapo, e não o contrário. Talvez fosse ele quem andasse às voltas,
tentando entender as motivações dela para leva-lo, tão insistentemente, para o
outro lado do rio...</span></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal"><br /></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4598397202187659611.post-68306086652003233482021-02-21T21:02:00.004-03:002021-02-21T21:07:55.276-03:00Sobre um encontro com Lisístrata<p><span style="font-size: large;"> </span></p><p><span style="font-size: x-large;"><i><span face="Arial, sans-serif" style="line-height: 107%;">Lisístrata, a greve do sexo</span></i><span face="Arial, sans-serif" style="line-height: 107%;"> é uma
comédia grega escrita pelo grego ateniense Aristófanes, que teria vivido por
volta dos anos 445 e 385 antes da era cristã. Ela conta a história do levante
de mulheres de Atenas, com a parceria das espartanas, lideradas por Lisístrata,
contra a guerra interminável entre soldados atenienses e espartanos. A guerra
ceifa a vida dos homens e dos filhos dessas mulheres, além de esvaziar os
cofres públicos. Elas, então, decidem deflagrar uma greve de sexo, que só é
interrompida quando seus maridos assinam o acordo de paz. O acordo, personificado
pela própria figura da Paz corporificada, é a condição para que se inicie uma
orgia. Fecha-se o pano. Fim de espetáculo.</span></span></p><p><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">Em meados dos an</span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">os 1980, uma amiga integrou o elenco que
estava trabalhando na montagem do espetáculo. Ela faria exatamente a personagem
Paz. Eu comecei a ajuda-la na na composição da personagem. Para tanto passei a
comparecer aos ensaios. Ela desistiu de participar, e eu acabei assumindo o
papel. Tinha me afeiçoado. Ao longo das demais cenas, eu participava
do côro feminino. A certa altura, deixava o côro, indo preparar a personagem
final, com maquiagem intensa, apliques que alongavam os cabelos até à altura
das pernas, um véu muito transparente e o corpo nu.</span></p><p><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">O elenco era numeroso. No decurso dos trabalhos,
delineou-se uma divergência entre o grupo dos homens, autorreferidos como mais
profissionais, exigentes no tocante aos rigores da produção, e o grupo das
mulheres, por eles apontadas como amadoras, pouco profissionais. As tensões decorrentes
dessa situação intensificaram-se desde circunstâncias pontuais até uma
predisposição quase permanente para a discussão.</span></p><p><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">Se o elenco feminino, em geral, era considerado amador, especialmente eu era destinatária de piadas recorrentes. A personagem Paz
não tinha fala, e a mulher do côro se manifestava poucas vezes, no coletivo,
sem destaque. Amiúde, eu ouvia por parte de alguns dos atores a pergunta: “Vocês
já ouviram a fala dela? Gente, prestem atenção, senão não ouvimos sua voz!”</span></p><p><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">A atriz que interpretava Lampito, a espartana que
participava na assembleia de mulheres atenienses, na primeira cena, começou a
cobrar do diretor uma tomada de posição em relação às provocações recorrentes
do elenco masculino. O diretor tentava contornar a situação, sem confrontos.</span></p><p><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">Havia, sim, uma cisão claramente marcada entre homens e
mulheres na montagem daquele espetáculo que tratava exatamente de uma greve
deflagrada por mulheres ante o comportamento competitivo e belicoso dos
homens... curiosa situação...</span></p><p><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">A pré-estreia do espetáculo estava agendada para um sábado,
numa cidade satélite. Funcionaria como um ensaio geral com público. Na quinta-feira
da semana seguinte ocorreria a estreia para temporada de várias semanas no
teatro onde tudo já estava devidamente montado: cenário, iluminação,
sonorização, etc. Na quinta feira de véspera, a atriz que interpretava Lampito,
depois do ensaio e de alguns confrontos com o elenco masculino, anunciou sua
saída do espetáculo. Não se sujeitaria mais àquela situação. Antes de se
retirar, desafiou o diretor: “Quero ver você estrear essa peça”.</span></p><p><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">Lisístrata andava com a popularidade em alta, por aqueles
tempos. Numa faculdade de artes cênicas, um professor acabara de montar a cena
da assembleia, fazendo alguns experimentos de atuação, cenário e figurino. Alguém
sugeriu convidar a atriz que interpretava Lampito dessa outra montagem, e assim
se fez: a pré-estreia, na cidade satélite, contou com a atriz que fazia parte
do outro projeto. Embora tudo tenha transcorrido bem, ela comunicou que não
poderia permanecer no espetáculo, por uma questão ética. Sua atuação fora
dirigida pelo outro diretor, e estava articulada a uma concepção de cena
diversa daquela da qual fazíamos parte. Desse modo, voltávamos à estaca zero. E
na segunda feira nos reunimos no teatro, para buscar alguma solução.</span></p><p><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">Entre as poucas saídas disponíveis, considerou-se a
possibilidade de que eu assumisse a personagem em questão. Essa solução,
contudo, apresentava um problema. A ideia inicial era preservar a imagem final da
Paz. Assim, para assumir Lampito, foi necessário construir um perfil com traços
muito distintos e próprios também. Enquanto a Paz era sensual, sinuosa, cabelos
longos e esvoaçantes, cercada de tecidos leves em tons de branco e azul claro, Lampito
era uma guerreira, portando capa e armadura, botas, cabelos presos, roupas de
couro em tons de marrom escuro e preto, gestos duros e decididos, voz grave e
firme, com espaços para algumas doses de humor. Assim, os homens do elenco
passaram a ter oportunidades multiplicadas para ouvir a minha voz, desde a
primeira cena...</span></p><p><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">Os ensaios aconteceram em apenas dois dias, terça e quarta feiras,
com estreia já na quinta-feira, entre sustos, mas sem comprometer o espetáculo.</span></p><p><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">O elenco masculino recuou da postura mais agressiva, tendo
passado a ter mais cuidado em relação à linguagem. Ainda e assim, seu perfil se
manteve marcadamente arrogante, com necessidade de se impor, em relações de
poder assimétricas.</span></p><p><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">A temporada naquele teatro seguiu-se a uma série de
temporadas curtas em outras cidades satélites, com uma diversidade de situações
que, de diferentes formas, replicaram para os contextos da produção e das
relações com os públicos as questões tratadas pelo texto teatral. Sua atualidade
chama a atenção.</span></p><p><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">Do mesmo modo, merece destaque o elenco personificando a
tensão desenhada pelo espetáculo, explicitando o quanto essas são questões que
pulsam, movendo nossa sociedade marcadamente patriarcal, machista e belicosa. Mesmo
quando se trata do campo da arte, cujos agentes reivindicam para si
comportamentos capazes de criticar o </span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: x-large;">status quo</i><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: x-large;">...</span></p>
<p class="MsoNormal"><span face="Arial, sans-serif" style="line-height: 107%;"><o:p><span style="font-size: large;"> </span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face="Arial, sans-serif" style="line-height: 107%;"><o:p><span style="font-size: large;"> </span></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span face="Arial, sans-serif" style="line-height: 107%;"><o:p><span style="font-size: large;"> </span></o:p></span></p>Gwavira Gwayáhttp://www.blogger.com/profile/04192901692458365931noreply@blogger.com0