domingo, 29 de maio de 2011

Coisas de Brasília



Quase no final da Asa Norte, encontra-se a Rua das Putas. É uma das comerciais que oferece os melhores serviços, tais como lavanderias, cabeleireiros, padarias onde se pode tomar um bom café com amigos nos finais de tarde, boas costureiras que consertam roupas, farmácia homeopática, churrasquinho de gato, verdurão, etc. Durante o dia, a entre-quadras é movimentada, cada vaga de estacionamento é objeto de disputa intensa. Quando chega a noite, aos poucos as lojas e padarias fecham-se, e o público circulante vai se modificando. Logo aparecem as moças com roupas mínimas, disponíveis para programas eróticos. E seus agenciadores. A Rua das Putas é referência para muitos, que se localizam espacialmente a partir dela: antes ou depois, acima ou abaixo. E encontram, ali, os serviços necessários para o dia a dia.

Numa outra comercial, paralela à Rua das Putas, existe o único açougue cultural de que eu tenho notícias: o T Bone. Seu proprietário começou organizando uma biblioteca dentro do próprio açougue. O freguês ia comprar uma carne, aproveitava, lia um poema, aprendia alguma coisa de história, num livro disponível na prateleira. O projeto chegou a ser indeferido pela Secretaria de Saúde, por entender que livros e carne fresca não fossem itens compatíveis entre si. Mas um grupo de defensores da ideia entrou em ação, e a biblioteca prosperou: do açougue, ganhou as paradas de ônibus do Plano Piloto. Em pequenas prateleiras, os livros, devidamente identificados e catalogados, são disponibilizados para os passantes. Não tenho informações sobre as devoluções dos livros tomados emprestados, mas sei que o projeto é muito bem aceito pela população. Ao mesmo tempo, no açougue, há tempo, são realizadas récitas de poesia, e apresentações musicais. Uma vez por semestre, a rua é fechada, e um grande evento poético-musical reúne pessoas da comunidade, artistas, intelectuais. Na última quinta feira, dia 26 de maio, à noite, foi a vez do show de Zé Ramalho. Rua fechada, a multidão que ocupou a área não deixou espaço para qualquer eventual necessidade de socorro. As quadras residenciais em volta ficaram interditadas – ninguém entrava, ninguém saía – tal o número de carros enfiados em todos os vãos disponíveis entre árvores, gramados, asfalto...

E ainda dizem que Brasília é fria, não reúne pessoas, é desculturalizada...


sexta-feira, 27 de maio de 2011

Dor do mundo



No corredor, encontrei um pequeno, meu amiguinho, com pouco mais de três anos, que eu não encontrava desde o último semestre, quando às vezes ele frequentava minhas aulas, sempre que sua mãe não tinha com quem deixá-lo. Fiz-lhe cócegas na barriga, ele ria e fugia dos meus ataques, desejando ser pego por mim. Ríamos. Então uma aluna minha, uma senhora de meia idade, saiu à porta da sala de aula em frente. Parecia atender algum chamado. Olhou-me, e falou, com apreensão: “Ouvi sua voz, e o choro de uma mulher. Tinha certeza de que era você chorando...” A mãe do meu amiguinho comentou: “Ela estava brincando com ele... era a risada dele...” Percebi que essa explicação não a convenceu. Seus olhos estavam marejados de lágrimas. Eu a abracei, então ela chorou. “Eu ouvi você chorando...” Falei-lhe baixinho ao ouvido “Está tudo bem, está tudo bem...” Ela prosseguiu “Eu tenho chorado muito. É muita dor, a dor do mundo...” Passou as mãos nos olhos, e foi beber um pouco de água, para retomar a aula, que prosseguia, apesar de tudo.

Dentro dela, latejava a dor do mundo. Eu podia sentir, porque em mim também...


segunda-feira, 23 de maio de 2011

Tramas à beira dos caminhos




Espero por vocês para tomarem parte nessas conspirações...



Lola e a vizinhança briguenta


No último sábado, os ânimos no prédio onde moro estavam alterados. A bem da verdade, talvez os ânimos de uma certa família, instalada no 5º andar, estivessem no seu nível normal de tensão: às turras uns com os outros. O fato é que, no meio da tarde, mãe e filha começaram a brigar, e os berros das duas reverberavam no vão entre as duas alas de apartamentos. Chingavam-se mutuamente, batiam nas coisas, deslocavam-se pelo espaço.

Abaixo, moradora do 1º andar, Lola animou-se com a movimentação. Integrou-se às falações, fazendo uso de seu parco, mas estridente e simpático, repertório de palavras e frases, em resposta a cada grito que ouvia. “Minháu!...”; “Dá o pé, Lola!”; “Loooolaaaa!”. E se ria. Gargalhava. Eu me divertia com ela. Sua dona repreendia: “Cala a boca, Lola, não é festa!”. Para ela, era, sim.  Sorte dela.


sábado, 21 de maio de 2011

você tem fome de arte?




Ação do Arquigravura, sob a coordenação da Manoela Afonso, durante a 8a Galhofada, iniciativa da Oficina Cultural Gepetto, na pessoa do nosso querido Marcos Lotufo.
Maio de 2011, Setor Pedro Ludovico, Goiânia/GO.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

Café Filosófico

Porque é necessário que nos encontremos para conversar, compartilhar ideias, perguntar...



Um submarino rebocado...


Noutro dia, vivi uma experiência singular. Na aula de natação, as monitoras propuseram uma gincana. Sempre fui um poucuo avessa a essas socializações, por duas razões: elas sempre envolvem algum nível de competição, e pretendem promover uma espécie forçada de socialização. Acabo preferindo os momentos mais solitários de reflexão imersa na água... 
Mas, naquele dia, acabei cedendo ao convite delicado da monitora, e fui participar das atividades. Reunidas todas as turmas, as duas equipes formadas misturaram pessoas mais velhas com mais jovens, gente que nadava com mais desenvoltura com outros que mal saíam do lugar. E a diversão começou aí.
Numa das tarefas, foi solicitado que cada equipe formasse uma fila transversal na piscina, iniciando quase no meio, para terminar na borda. Cada um deveria nadar até à borda oposta (o que distava uns 12 metros), segurando a ponta de uma corda. Chegando à meta, os companheiros de equipe deveriam puxá-lo até o ponto de partida, quando a corda seria entregue para o próximo da fila, até que todos tivessem passado pela experiência. O tempo total de cada equipe seria cronometrado, para verificar a mais rápida. O que, definitivamente, foi o que menos importou.
Entre gritos e torcidas para todos os lados, uma verdadeira farra se instalou. A equipe adversária começou primeiro, e a minha equipe tentava confundir os seus comandos, aos brados: "Vai! Puxa! Segura! Solta! Agora! Agora não!" Ao mesmo tempo, nos preparávamos para não fazer feio. Com ares de estrategistas, organizamos a corda da melhor maneira, e cada um começou a dar tudo de si, entre risos, na tarefa de nadar seu trecho, e ser tracionado na volta.
Chegou, afinal, a minha vez. Na ida, briguei com a corda cujo laço teimava em escapar a cada braçada. Quando toquei a borda da piscina, comecei a ser tracionada de volta, rapidamente. Com o movimento, uma lâmina de água cobriu meu rosto. Imaginei um submarino sendo rebocado. Eu não conseguia respirar, e sentia muita vontade de rir, tudo ao mesmo tempo. Na minha equipe, a palavra de ordem era puxar a corda com força: cada segundo estava sendo cronometrado! Chegando à raia demarcada, estendi a mão com a corda para meu parceiro próximo, que já estava a postos, e fui recobrando o fôlego. Segui para o final da fila. Já era tempo de ajudar a puxar a corda, trazendo de volta nosso companheiro que já cumprira sua parte nadando até à borda.
Minha equipe venceu todas as tarefas. Comemoramos como crianças. E todos ganhamos parcela extra de alegria, para amenizar as travessias dos desertos que assolam alguns dias e algumas noites, com seus lobos, suas serpentes... suas luas e estrelas... o frio e a seca.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Espelhos: uma história quase universal



Quando o Iraque ainda não era o Iraque, ali nasceram as primeiras palavras escritas.
Parecem pegadas de pássaros. Mãos de mestre as desenharam, com varinhas afiadas, na argila.
O fogo, que havia cozido a argila, as guardou. O fogo, que aniquila e salva, mata e dá vida: como os deuses, como nós. Graças ao fogo, as tabuinhas de barro continuam nos contando, até hoje, o que tinha sido contado faz milhares de anos nessa terra entre dois rios.
Em nosso tempo, George W. Bush, talvez convencido de que a escrita tinha sido inventada no Texas, lançou com alegre impunidade uma guerra de extermínio contra o Iraque. Houve milhares e milhares de vítimas, e não apenas gente de carne e osso. Muita memória também foi assassinada.
Numerosas tabuinhas de barro, história viva, foram roubadas ou destroçadas pelos bombardeios.
Uma das tabuinhas dizia:
      Somos pó e nada.
      Tudo que fazemos não é mais que vento.

Eduardo Galeano


terça-feira, 17 de maio de 2011

Play Boy e Fiel



Todos os cães que conviveram conosco tiveram vida longa: entre 16 e 18 anos. Por serem longevos, na minha infância e adolescência, convivi com poucos, quatro ao todo. Desses, dois eu os conheci já idosos. Mas os outros dois eu os acompanhei desde sua chegada à nossa casa, muito miúdos, até a idade adulta, companheiros, cheios de histórias...

O mais velho chamava-se Fiel. Embora fosse vira-lata, seu porte impressionava: grande, o pelo dourado, a boca negra, bom caçador, assustava os desavisados. Mas nunca mordeu ninguém, nem os animais de trato da casa. Play Boy era o mais novo. Filho de uma cachorra vira-lata com um pastor alemão, tinha o pelo malhado de vermelho e branco, a boca muito rosa, era grande, manso e alegre. Dona Gegé me deu o filhote, muito pequeno, muito magro, maltratado, quase não se punha em pé. Chegamos a nos perguntar se sobreviveria. Fez-se um belo animal.

Na fazenda, a casa principal ficava num pátio menor, com dois portões que davam para um pátio maior, onde se faziam os trabalhos mais pesados. Os dois passavam a maior parte do tempo do lado de fora. Por isso, seu grande objeto do desejo era estar conosco, no pátio menor, de preferência com exclusividade, ou seja, sem o concorrente disputando a nossa atenção.

Então eles desenvolviam estratégias para tirar o rival do páreo.

Algumas vezes no dia, ficavam deitados próximos ao portão, um ao lado do outro. Por vezes um deles levantava as orelhas, olhava em direção à estrada, e latia determinado, como a denunciar a chegada de alguém. O outro olhava, e latia, também. Nenhum dos dois se levantava, pois, de fato, não vinha ninguém, tampouco algum animal cruzava a imobilidade da paisagem. Retornavam ao silêncio. Atentos ao movimento da casa, agitavam-se quando nos avistavam. E repetiam os latidos olhando para a estrada, tentando nos convencer de que deveríamos recolhê-los, como fazíamos toda vez que chegavam visitas.

Até que um deles levantava-se latindo mais intensamente, e saía correndo, até passar para o lado de fora da cerca maior, como se fosse atacar alguém. O outro o seguia, também correndo e latindo, mas permanecia do lado de dentro. Cada qual de um lado da cerca, brigavam entre si durante alguns minutos. O pêlo eriçado, os dentes à mostra. Algum tempo depois, abandonavam o embate. Cada qual seguia em uma direção diferente, dissimulados.

Algum tempo depois, um deles já havia retomado o posto ao lado do portão, prazenteiro, à espera de que alguém lhe abrisse a passagem, para ir ter conosco. De preferência antes que seu concorrente se desse conta de que havia perdido a primazia na ordem de chegada...

Meus bons companheiros... Hoje devem estar disputando quintais nalgum céu reservado aos cães que povoaram infâncias com risos, e pequenas festas.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

"Nas asas de Brasília: memórias de uma utopia educativa (1956-1964)"


O livro "Nas asas de Brasília: memórias de uma utopia educativa (1956-1964)", organizado pela Profa Eva Waisros e equipe, do qual participo com o capítulo intitulado "O ensino de arte nas Escolas Parque", ao lado de um excelente time de pesquisadores, será lançado em dois momentos consecutivos:

O primeiro lançamento será realizado no dia 16 de maio de 2011, as 10 horas, no Memorial Darcy Ribeiro - Universidade de Brasília - próximo ao edifício da Reitoria.

O segundo lançamento acontecerá no dia seguinte, uma terça feira, no Bar Brahma, às 19 horas.


Esperamos por vocês!





Das chuvas...




Já percebo, no ar, que a estiagem antecipa seus começos, e as chuvas escasseiam...

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Da morte



Da morte I
Meu pai estava em coma quando fui contemplada com uma bolsa integral para meus estudos numa escola técnica profissionalizante. Nessa mesma data, ele despertou, e pudemos conversar brevemente ao telefone. Então lhe contei a boa notícia. Ele sorriu, dizendo que não se surpreendia, pois nunca tivera dúvidas quanto à minha capacidade. Essa foi a última vez em que ouvi sua voz.

Da morte II
Embora quase não lhe recorde o rosto, não me esqueço do céu atravessado por revoadas de andorinhas, na tarde cinzenta quando ele esteve em nossa casa. Da porta, eu fiquei magnetizada pelas manobras aéreas dos inumeráveis pássaros, enquanto ele conversava sobre assuntos quaisquer com meu pai e minha mãe. Poucos dias depois, soubemos que fora assassinado numa festa. Ainda hoje, quando ouço seu nome, vem-me à memória a imagem das andorinhas no céu de inverno.

Da morte III
No andar de cima, morava um senhor de poucos amigos, que entrava e saia do prédio quase sem ser notado. Diziam ter lutado na Segunda Guerra Mundial. Morreu sozinho, em casa. Não imagino como se soube do ocorrido. Um dia, ao chegar, me deparei, na calçada, com dois contêineres cheios de livros em alemão: Hegel, Schopenhauer, Kant, Klee... O zelador e o porteiro do prédio, faxineiros, vizinhos, e outros curiosos vasculhavam os quatro cantos do apartamento, à busca de tudo quanto lhes pudesse interessar: objetos em geral, eletrodomésticos. O que sobrou foi descartado como lixo. Livros... muitos livros... Tudo com a autorização do síndico, a quem fora solicitada a gentileza de desocupar o imóvel, para que a embaixada pudesse vendê-lo, a pedido dos poucos familiares residentes na Alemanha.



terça-feira, 3 de maio de 2011

Perguntar para dentro, encontrar lá fora...



Há cerca de um mês, precisei do meu diploma de doutorado. Peguei a caixa de arquivo onde guardo a papelada relativa à minha formação e atuação acadêmica, e procurei o envelope transparente que contém os três diplomas (de graduação, mestrado e doutorado), mais o certificado de pós-doutorado. Ele não estava lá. Deparei-me, então, com uma ausência desconfortável em minha memória. Quando algo não está onde sempre esteve, e a gente não lembra de qualquer pista que aponte para onde poderia estar, abre-se uma uma espécie de buraco negro: está lá, mas não se vê, não se penetra...

Comecei a desmontar todas as prateleiras, verificar todas as caixas, envelopes, livros, recantos, dos prováveis aos improváveis... No sábado à noite, uma infinidade de coisas estava espalhada pelo chão da minha casa, e nada do diploma. O que me angustiava era a sensação física de região interditada na memória: eu me lembrava de alguns detalhes, mas não conseguia reconstituir o momento em que teria tirado o envelope da caixa e colocado em algum outro lugar. Tirado para o que? Colocado onde? Quando teria feito isso?

Então resolvi mudar a estratégia da busca. Se eu mesma tivera guardado os documentos em algum outro lugar, esse registro existiria em algum ponto da minha memória, e era a ele que eu precisava ter acesso. Como fazer isso? Antes de dormir, me demorei perguntando a mim mesma “onde eu guardei o diploma de doutorado?”. Repeti como a um mantra, uma ladainha interna. Tinha a expectativa de que, no dia seguinte, eu pudesse lembrar. Mas isso não aconteceu. No domingo, acordei sem a resposta. Mas decidira não procurar mais. Durante o dia, em vários momentos, repeti a pergunta, sem, contudo, tomar qualquer iniciativa de voltar a procurar entre as coisas espalhadas no chão, ou entre as coisas que eu ainda não tinha explorado. Mais uma noite de sono, iniciada com o mantra-pergunta.

A segunda feira iniciou uma semana agitada, com muitas demandas, e à noite, já cansada, me aninhei no sofá da sala. Dormi um sono leve. Acordei preocupada com o avançado do horário: tinha providências a tomar antes de me recolher. Levantei-me e caminhei, sem pensar, em direção à estante da sala de estudos. Meu olhar dirigia-se à prateleira onde ficam os livros, textos e outras coisas com que estou trabalhando ao momento. Aleatoriamente, peguei uma pasta, abri, e quando o fiz, já tinha certeza de que nela estava guardado o diploma. Agitei-me, tomando o envelope de plástico nas mãos, constatando os documentos...

Quantas respostas, poderíamos alcançá-las, perguntando a nós mesmos... e esperando o tempo necessário para processá-las...


segunda-feira, 2 de maio de 2011

Seu João, Marlon Brando e Bin Laden



Logo pela manhã, à saída de casa, cumprimentei Seu João, o porteiro do prédio, finalizando seu plantão noturno, no aguardo do colega que deveria rendê-lo. Dirigi-me à garagem, e comecei a me organizar no velho Marlon Brando, meu carro companheiro de trabalho: arrumei meu material no banco traseiro, acionei o motor, coloquei o sinto de segurança, liguei o rádio...

Então avistei Seu João à porta da garagem, acenando-me para que eu aguardasse um pouco. Pensei que talvez fosse alguma correspondência, documento, assuntos do condomínio a serem tratados... Sua expressão estava cansada, o passo pausado, chegou-se à porta do carro, e me perguntou: - “... A senhora viu os noticiários hoje?” Intrigada, respondi-lhe que não. Ele prosseguiu: - “Pois a senhora veja... não é que mataram o Bin Laden?!...”

Sinal dos tempos...


Trânsitos...



Depois de afastada por cerca de três semanas, hoje voltei a nadar. A esta altura do semestre, a turma começa a ficar esvaziada, de modo que podemos desenvolver as atividades com espaço suficiente entre os alunos, na piscina. Ao menos supõe-se que possamos...

Ao meu lado direito, um rapaz de porte atlético, nada velozmente, com desempenho acima da média. À minha esquerda, uma moça graciosa, dispõe-se à aventura de atravessar os 25m de água, em cada etapa, atendendo às solicitações da professora: agora só pernada, 200m; agora só braçada, mais 200m... Quando toma impulso, na lateral da piscina, inicia um percurso que forma um ângulo de aproximadamente 70º em relação à borda. Segue, em diagonal, atravessando os percursos dos demais alunos, até a outra borda. Na volta, uma diagonal ligeiramente curva, e agora se posiciona entre eu e o rapaz, à minha direita. Cada ida e vinda resulta em percursos absolutamente inesperados, e a finalização nunca corresponde ao ponto de partida.

Observo seus movimentos. É inevitável imaginar a jovem dirigindo seu automóvel pelas ruas da cidade, cumprindo diagonais meio curvas, autônomas em relação aos fluxos dominantes...

Eu, tão espartana, tão cartesiana... ela, tão livre, tão despreocupada...