quinta-feira, 31 de março de 2011

Reflexos



o pica-pau iludido
bica, na janela de vidro
a árvore refletida...

ou eu é que estaria iludida?





sábado, 26 de março de 2011

Meu amigo tão feio...


Todos diziam que meu amigo era muito feio. Eu não conseguia ver tanta feiura nele, embora concordasse que não fosse exatamente uma referência de beleza física. Mas o afeto que eu lhe dedicava sobrepunha-se a qualquer julgamento nessa direção.

Numa tarde, minha mãe se aproximou da janela da sala, para observar o movimento da rua. Alguém chegava ao edifício, naquele momento. Então ela comentou:

- Eu achava que seu amigo era uma das pessoas mais feias que já tinha conhecido. Mas estava sendo injusta. Venha olhar: esse rapaz que está chegando aí consegue ser mais feio que ele!

Quando saí à janela, ele me acenou, alegre. Era o próprio, chegando para nos fazer uma visita. Conseguira a proeza de ser mais feio do que ele mesmo.

Há quanto tempo... saudades!


segunda-feira, 21 de março de 2011

Um coração...

um coração de mel, de melão, de sim e de não
é feito um bichinho no sol de manhã, novelo de lã...
                              (Clareana. Composição: Joyce / Mauricio)




quarta-feira, 16 de março de 2011

A curiosidade matou o gato...




... mas este aqui não: continua travesso, lindinho, curiando o movimento das ruas e por trás de janelas entreabertas, bem posicionado em mirantes sobre muros e telhados...



sábado, 12 de março de 2011

Tropeços




um tropeço na areia
pode nos desviar
do caminho que nos levaria
a morrer no mar...
                          Terra Brasília, 12 de março de 2011




segunda-feira, 7 de março de 2011

Coleta seletiva de lixo em Goiânia



lá lá lá lá lá lá lá
o caminhão da coleta seletiva de lixo vai tocando a música que sinaliza sua passagem
lá lá lá lá lá lá lá
mas vai chutado: mal aponta de um lado da rua, já desaparece do outro lado
lá lá lá lá lá lá lá
os garis vão dependurados atrás da carroceria, agarrados para não cair nas curvas e solavancos do caminho
lá lá lá lá lá lá lá
em que lugar estará o lixo reciclável a ser recolhido nesse caminhão?...
lá lá lá lá lá lá lá



A cidade é uma incógnita






quinta-feira, 3 de março de 2011

Dente de leite


Quando o primeiro dentinho de leite ficou molinho, minha mãe me ensinou a acompanhá-lo, forçando, aos poucos, para que se soltasse mais rápido, até o momento de puxá-lo com firmeza e ele ser arrancado – por mim mesma. Depois, de costas para a casa, eu deveria jogar o dentinho para cima do telhado, falando assim:

        Seu ratinho, seu ratão
        Leve este dente podre,
       Traga um outro bom.

Assim foi com todos. Ou melhor: quase todos.
Confiante no meu desempenho na retirada dos dentinhos de leite, minha mãe não percebeu que um deles não ficou mole, sequer caiu. De minha parte, também não me importei com o fato. Muitos anos mais tarde, eu já estava na universidade, um dentista me olhou enquanto eu sorria e me perguntou o que eu fazia tendo, ainda, um dente de leite.
Exames, radiografias, mapeamento da situação. O dente definitivo ficara ocluso à altura do nariz. Perdera força de impulso para empurrar o outro. Ou seja: era preguiçoso... O outro, pequenino e lampeiro, continuava cumprindo suas tarefas quotidianas. Pensou-se, à época, que se a arcada fosse levemente movimentada, talvez o dente preguiçoso despertasse e resolvesse movimentar-se. Usei aparelho dentário durante dois anos, e nada. Uma cirurgia mais radical poderia trazê-lo à luz a fórceps. Eu preferi manter meu dentinho de leite.
Décadas depois, aqui está ele: meu canino direito superior, um pouco menor que os demais, de coloração um pouco mais escura. Firme, inabalável. Reminiscência de minha infância. O que me ajuda a permanecer um pouco criança através dos anos.