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domingo, 19 de agosto de 2018

Maritacas e as flores do ipê rosa


As pequenas maritacas adoram saborear o pecíolo das flores do ipê. 
Têm bom gosto as criaturinhas! 
Elas arrancam a flor e, depois de comer apenas a sua base, as descartam praticamente inteiras. 
O chão se cobre em tom rosa.




segunda-feira, 13 de março de 2017

passarinhozinhozinho





Durante o tempo em que esteve no arbusto, só consegui ouvir seu canto e acompanhar, sempre em atraso, o seu movimento estremecendo as folhagens. 
Ei-lo, revelado.




domingo, 12 de março de 2017

Dos que se olham e se veem


Eu a vejo
Ela me vê
Eu empunho a câmera
Ela me observa
Eu ajusto a lente, abertura, velocidade, faço fotos
Ela me olha com firmeza
Sinto-me indagada
Ela agita as asas, e alça voo

Agora observo as fotos
Nelas, ela persiste em me olhar
E eu a ela




domingo, 12 de fevereiro de 2017

Fora do ninho


Na lateral do prédio, as caixas destinadas a aparelhos de ar condicionado que não foram usadas ganharam nova função: ninho para um casal de pombos criar seus filhotes.

Todos os dias, o trabalho da família é interminável: trazer alimento aos filhotes, abriga-los das intempéries.

Os filhotes crescem rapidamente, e logo já têm estatura próxima à dos pais. É quando começam a sacudir as asas, no ensaio do voo.

Num desses ensaios, o acidente doméstico: um dos filhotes caiu do ninho, entre os carros da garagem, no piso térreo do prédio. A mãe, entre aflita e ativa, impossibilitada de alçá-lo de volta ao ninho, trata de vigiá-lo, alimentá-lo, estimulá-lo a tentar voar. Ainda sem sucesso. Vigia a cria nesse novo e perigoso território de seu não-pertencimento.

O filhote, meio assustado, mas gradativamente ambientado, tem dormido em cantos ocultos ao movimento dos carros e das pessoas.

Não voltará ao ninho original. Ninguém voltará.
Não sabe o que lhe reserva o futuro. Ninguém sabe.





quarta-feira, 6 de abril de 2016

crias novas


Pela janela lateral do meu espaço de estudo, ouço um leve bater de asas, e uma sombra rápida passa pela parede, vindo de onde nasce o sol, na direção de onde ele se põe. Imediatamente, ouço os chiados intensos e múltiplos dos filhotes agitados com a chegada da mãe. Saio à janela, querendo testemunhar a família nova instalada nas minhas vizinhanças. O ninho está fora do meu campo de visão. Meu ponto de vista é rente à parede, e eles se ocultam dentro de uma caixa destinada ao equipamento de ar condicionado. São relocações, novas destinações dadas às construções humanas. Fico à janela, espreitando, até que avisto a mãe, uma pomba urbana, saindo da caixa, desconfiada. Também permanece ali, me espreitando, enquanto as crias reclamam mais alimento. Alguns instantes depois, ela alça voo, até a parte mais alta do edifício. Lá, sacode as penas, e observa. Depois segue para outras paragens, em busca de mais alimento para a prole. Os filhotes continuam chiando, mas vão se acalmando aos poucos. Então, silenciam. Dormitam, talvez. Volto às minhas escritas, até ouvir novamente seu leve bater de asas, e o alvoroço da ninhada. Labuta para o dia inteiro. Por muitos dias.





terça-feira, 27 de outubro de 2015

Motivo (Cecília Meireles)




Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.


Cecília Meireles
 MEIRELES, C. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001.










quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Roteiro para pássaros




No andar superior, a luz natural não entra no corredor que se estende ao longo de todo o edifício, ligando as escadas localizadas nos extremos. Com pé direito alto, há duas fileiras de sancas no teto, rasgos no gesso, com lâmpadas fluorescentes que ficam acesas o dia todo.

Um pássaro desavisado, explorando seu território, senhor das artes do voo, entrou no prédio pelo vão lateral, próximo às escadas, alcançando a área do corredor. Sem encontrar o que lhe valesse a pena, decidiu sair dali. Orientado por suas crenças, seguiu a luz: supunha que a luz o levasse ao espaço aberto. Voou para o alto, e entrou na última sanca do corredor, de onde a lâmpada fluorescente oculta fazia jorrar luz. Ficou ali, sobressaltado com os sons do lugar, os movimentos. Batia-se contra a parte superior da sanca. E pousava novamente na borda, sempre perto da luz. A luz era sua segurança. Mas também sua prisão. Melhor falando: sua crença na luz era sua prisão.



Algumas pessoas deram-se conta de sua presença. Alguns, habituados a compartilhar fotos de animaizinhos qualificados como fofos, encantavam-se com o bichinho naquele espaço. “Olha o passarinho! Que lindinho!”. Outros questionavam “Como ele vai sair?” Mas todos estavam muito ocupados para deter-se no próprio percurso, compreender o trágico da situação, e buscar alguma solução.

Eu o encontrei já no segundo dia de sua saga. O segundo dia, da escala humana, deve corresponder a alguns anos na escala de passarinhos, imagino. Minha primeira providência foi desligar a luz da sanca. Imaginei que ele pudesse ser provocado a buscar outra fonte de luz, e assim sair dali. Contrariando minhas expectativas, na sombra ele acalmou-se, aninhou-se a um canto. Acho até que dormitou, por ali. Corredor escuro, logo passava alguém, e acendia a luz. O pássaro voltava à agitação. Depois da terceira ou quarta tentativa, percebi que minha estratégia estava fadada ao fracasso.

No final do dia, o pássaro estava lá, agitado, debatendo-se na extensão da sanca iluminada pela luz fluorescente. Pessoas passavam, olhavam-no, faziam comentários de compaixão, e seguiam seus rumos. A falta de compreensão, por parte do pássaro, sobre a contingência que o aprisionava, a crença que o mantinha nos limites estreitos da sanca, a certeza do aprisionamento não percebido como tal, tudo isto me comoveu, e me conectou ao pássaro. Pensei nas nossas próprias crenças a nos impedir de compreender nossas condições, nossos aprisionamentos, fontes de angústia e aflição. Fiquei ali, por algum tempo, acompanhando sua movimentação. A fadiga ia tomando conta do corpo miúdo.





Lembrei-me de perguntar à moça que cuida da limpeza sobre a existência de alguma vassoura para faxina do teto, com cabo mais longo. Ela compadeceu-se do pássaro. Foi preciso amarrar dois cabos à vassoura, para alcançar, precariamente, a área da sanca. O pássaro sentiu-se ameaçado, agitou-se ainda mais nervosamente, fugiu por trás da vassoura, passando rente à lâmpada. Cheguei a pensar que a tentativa também resultaria em insucesso. Mas um estudante, que também vinha observando a situação, começou a trabalhar com a vassoura. Apagamos a luz. O pássaro saiu da sanca, para entrar na sanca vizinha.

O pássaro voava sempre para cima, e em direção à luz. Ele acreditava que assim conseguiria sair. Suas crenças o aprisionavam. Era preciso força-lo no sentido oposto às suas crenças, para retirá-lo dali. Se não conseguíssemos, ele morreria. O rapaz considerou a possibilidade de machuca-lo, como forma de fazer com que ele descesse. Pensei que talvez não fosse uma boa ideia. Um pássaro ferido precisa de cuidados para sobreviver. Sobretudo depois de ter passado por uma situação estressante. Mas qual a opção alternativa àquela?

O rapaz empunhou o longo cabo da vassoura com firmeza e ternura, hábil como quem empina pipa. Foi determinado. O pássaro enredou-se na vassoura, saiu da sanca, desequilibrou-se, entregou-se, veio ao chão. Antes que chegássemos até ele, alçou voo numa diagonal, em direção ao final do prédio, onde o vão aberto ofereceu-lhe a noite fresca, varada pelos cantos das cigarras, e pelas conversas dos estudantes do terceiro turno.

À porta de saída do prédio, um cão sujo, sem dono, dormia sobre o tapete tão encardido quanto seu próprio pelo, indiferente às conversas e movimentações em redor. Livre, talvez...

Quem, à minha revelia, usará da força para, contrariando minhas crenças, me libertar de todas as sancas nas quais tenho me metido, e permanecido, no decurso do tempo?