literatices... letras para nada, talvez para tudo... imagens de nada, que podem ser de tudo... matutações... penseros... rabiscações... daquilo que vejo... ou não... porque tomo assento neste tempo quando a humanidade produz vertiginosamente letras, símbolos e imagens, em busca de sentidos, quaisquer que sejam... ou não...
terça-feira, 31 de julho de 2012
segunda-feira, 30 de julho de 2012
A quem interessar possa: não guardo lugar na fila, nem vigio carros na rua...
Entramos na fila para atendimento no balcão de uma
empresa aérea. Enquanto a funcionária atendia um grupo de pessoas, duas pessoas
esperavam antes de nós. Um bom tempo depois, uma senhora muito vaidosa, bem
maquiada, chegou-se, como quem não quer nada, e se posicionou à nossa frente. Ante nosso olhar de indagação,
explicou: “Eu já estava aqui. Algum problema?”
Todos os problemas, minha senhora! Praticava, ela, o velho hábito de “guardar lugar na fila” enquanto vai ali,
dar uma voltinha... Problema de quem dá a bobeira de ficar na fila...
Noutro dia, no supermercado, entrei na fila do caixa
rápido. À minha frente, uma senhora empurrava um carrinho. Suas compras
ultrapassavam, em muito, os 15 itens configurados para aquele tipo de atendimento.
Algum dia eu também entraria naquela fila com mais que 15 itens no carrinho,
pensei. Logo ela me olhou, e pediu-me, com desenvoltura: “Eu me esqueci de pegar uma coisa. Você olha o meu carrinho, enquanto eu
vou buscar?”. Naquele dia, em especial, eu queria voltar em paz, para casa.
Então assenti com um gesto mínimo, e fiquei ali, empurrando o carrinho dela com
o meu próprio carrinho, meio a contragosto. Mas a dona demorou-se bem mais do que o tempo
necessário para ir até a prateleira e retornar. Aliás, cheguei até à metade do
percurso, quando a fila entrava por um corredor estreito, antes de desembocar
na área dos caixas. Ali, acomodei seu carrinho fora da fila, e segui, só com o
meu. Já chegada a minha vez de ser atendida, ela apareceu, sorridente. “Cadê?”, perguntou-me. Eu ri. “A senhora não achou, mesmo, que eu iria
trazer o seu carrinho até aqui, não é?”. E lhe apontei onde estava, devidamente
estacionado entre algumas gôndolas de promoções. Claro está que fui qualificada
como mal educada...
No estacionamento de outro supermercado, depois de colocar
as compras no meu carro, fui devolver o carrinho ao lugar devido. Enquanto isso,
uma senhora, que tentava estacionar numa vaga ao lado do meu, retirara dois
carrinhos dali, e os posicionara impedindo a saída do meu carro. Retornei nesse
exato momento. Sem acreditar na cena que eu testemunhava, a adverti: “Muito obrigada pelo favor de trancar o meu
carro, enquanto abre a vaga para estacionar o seu!”. Ao que ela,
prontamente respondeu: “Por nada”,
com um breve sorriso. Eu devolvi os dois carrinhos à vaga pleiteada por ela, e
desafiei: “Quero ver você estacionar,
agora!”. “Se eu soubesse que o carro
era seu, não teria feito isso!” Justificou, enquanto providenciava a
retirada dos carrinhos, novamente. Para posicioná-los trancando outro carro...
Situação mais divertida que essa aconteceu numa esquina
da Rua 3, no centro. Enquanto aguardava o taxista, eu observava o movimento das
pessoas. Minha atenção voltou-se para uma jovem senhora estacionando seu
veículo bem na esquina, formando uma diagonal. Sem se importar por estar
importunando o fluxo dos demais veículos, manobrou para lá, para cá, várias
vezes. E eu ali, ponderando a situação. Quando se deu por satisfeita, desligou
o carro, e saiu. Observou-o, quase no meio da rua. Olhou-me e desfechou a
pérola: “Oi, você vigia meu carro
enquanto eu vou ali, e já volto, rapidinho?” Está bem, eu reconheço ter
perdido a melhor oportunidade que já tive de ganhar um trocado enquanto
esperava o táxi. Claro, com minhas qualificações, teria de cobrar um pouco mais
caro do que a tabela geral do mercado... Mas não, não pude deixar de manifestar
com ênfase minha indignação – nem tanto com o pedido para eu vigiar, mas com o
carro deixado no meio da rua, atrapalhando os demais. Ela me olhou com quase
candura. E seguiu seu caminho. Para ela, minha reação é que estava fora do
esquadro...
Y así pasan los dias en Goiás...
domingo, 29 de julho de 2012
de afetos e saudades
p/ Nhá Delu, in memoriam
e J. Bamberg
Em 2010, quando voltava de Cachoeira, passei por Salvador.
Fomos visitar Nhá Delu, que eu ainda não conhecia. Linda, vaidosa, aguardava-nos
bem acomodada a uma poltrona, na sala ampla de seu apartamento voltado para o mar. Sentei-me ao
seu lado. Cercados dos demais familiares, o burburinho da conversa tinha
tonalidades de alegria, saudades, encantamentos. Não demorou muito para que eu
conhecesse outra habitante do lugar, uma calopsita branca, por quem fui adotada,
e veio cochichar arrulhos ao meu ouvido, enredando-se nos meus cabelos. Fiquei ali,
sentindo-me abraçada pelo afago da mão de Nhá Delu, segurando firmemente a
minha, e a calopsita instalada em meu ombro.
Memória de afeto e acolhimento.
Ontem, Nhá Delu nos deixou, seguindo a viagem solitária
que todos faremos, mais dia, menos dia...
Saudades.
Em tempo: os ipês brancos cobriram-se de flores. Delicada florada, não dura mais que uns poucos dias. Mal nos surpreendemos com sua beleza, já não está lá... assim...
quinta-feira, 26 de julho de 2012
domingo, 22 de julho de 2012
Ainda Ridley Scott, e o elegante canibal Dr. Lecter, o Hannibal
Ontem revi Hannibal.
O Dr Lecter, do mesmo modo que o Alien, foi personagem que rendeu vários filmes
de ação e suspense. Alguns dos quais, memoráveis. O primeiro filme, que eu não vi,
foi produzido em 1986. Trata-se da primeira versão de Dragão vermelho, dirigido por Michael Man. A história é baseada no
livro de mesmo nome, de uma série de ficção escrita por Thomas Harris, no
início dos anos 80 – este o mentor, portanto, da personagem. Parece que o filme não chegou
a obter grande sucesso. Foi em 1991, na pele de Anthony Hopkins, que o Dr.
Lecter assustou os públicos em salas de cinema lotadas, com seu olhar entre indiferente e cândido,
sua mente brilhante, seu desejo de morte, e a capacidade de devorar ferozmente pedaços
de suas vítimas – bochechas, língua, cérebro... Além, é claro, de seu fascínio
por Clarice, a jovem investigadora do FBI, vivida então por Jodie Foster.
O
silêncio dos Inocentes, dirigido por Jonathan Demme, em 1991, mantém
tensão do início ao fim da história, conduzindo o público ao susto, ao suspense,
ao medo. A montagem é realizada com mestria, nesse filme que conseguiu aprovação
de público e crítica, obtendo enorme sucesso de bilheteria. Mas é a atuação
magistral de Hopkins que arrebata de modo inquestionável.
Em 2001, Ridley Scott filmou a sequência da história, em Hannibal. Anthony Hopkins continua no controle de seu Dr. Lecter, e Clarice Starling é interpretada por Julianne Moore. O filme não tem a carnadura de seu antecessor (em alguns momentos, o argumento mostra-se irregular) mas apresenta uma das sequências mais provocadoras da indústria cinematográfica: quando o canibal serve, à sua vítima, um pedaço do seu próprio cérebro, em um banquete elegantíssimo, diante de uma Clarice meio sedada, meio enauseada, trajando roupa de gala presenteada pelo protagonista. Esse trecho do filme sintetiza o espírito do cinema do Ocidente: entretenimento, no qual a farsa, a ilusão e a truca são ferramentas a serviço de contar histórias ao mesmo tempo fantásticas, verossímeis, desafiadoras à imaginação - mesmo que haja sempre alguém de plantão a questionar se o acontecimento seria, mesmo, possível, nos termos da ciência, da biologia... - A cena mantém tensão, não faz rir, embora seja irônica, com requintes de cinismo; é repulsiva, mas o expectador não consegue deixar de olhar. E alonga-se na medida certa, sem abusar do cansaço mesmo dos mais inquietos. Tantas vezes eu veja o filme, tantas vezes aguardarei por esse momento. Devo esse prazer a Anthony Hopkins. E, claro, a Ridley Scott.
Em 2001, Ridley Scott filmou a sequência da história, em Hannibal. Anthony Hopkins continua no controle de seu Dr. Lecter, e Clarice Starling é interpretada por Julianne Moore. O filme não tem a carnadura de seu antecessor (em alguns momentos, o argumento mostra-se irregular) mas apresenta uma das sequências mais provocadoras da indústria cinematográfica: quando o canibal serve, à sua vítima, um pedaço do seu próprio cérebro, em um banquete elegantíssimo, diante de uma Clarice meio sedada, meio enauseada, trajando roupa de gala presenteada pelo protagonista. Esse trecho do filme sintetiza o espírito do cinema do Ocidente: entretenimento, no qual a farsa, a ilusão e a truca são ferramentas a serviço de contar histórias ao mesmo tempo fantásticas, verossímeis, desafiadoras à imaginação - mesmo que haja sempre alguém de plantão a questionar se o acontecimento seria, mesmo, possível, nos termos da ciência, da biologia... - A cena mantém tensão, não faz rir, embora seja irônica, com requintes de cinismo; é repulsiva, mas o expectador não consegue deixar de olhar. E alonga-se na medida certa, sem abusar do cansaço mesmo dos mais inquietos. Tantas vezes eu veja o filme, tantas vezes aguardarei por esse momento. Devo esse prazer a Anthony Hopkins. E, claro, a Ridley Scott.
No ano seguinte, 2002, foi lançada a segunda versão do Dragão vermelho, com Brett Ratner
na direção. Tendo obtido mais sucesso junto ao público e à crítica do
que o primeiro, o filme também articula ação e suspense de modo muito bem
sucedido. Faz parte dos filmes que vejo repetidas vezes, com o mesmo prazer.
Finalmente, em 2007, Peter Webber lançou Hannibal, a origem do mal, no qual é
contado o início da saga de Lecter. Ainda não vi o filme. Talvez o veja.
Mas penso, mesmo, em rever o banquete servido em Hannibal.
Ah, o banquete... Gracias, Ridley Scott! (em tempo: mas Prometheus?... aff!!!)
sábado, 21 de julho de 2012
sexta-feira, 20 de julho de 2012
quinta-feira, 19 de julho de 2012
Por toda a minha vida (Tom Jobim e Vinicius de Morais)
p/ J. Bamberg,
Lorena e Renato,
Yunna e César,
Júlia e Marcelo.
Com amor.
Minha bem amada
Quero fazer de um juramento uma canção
Eu prometo, por toda a minha vida
Ser somente teu, e amar-te como nunca
Ninguém, jamais, amou ninguém
Minha bem amada
Estrela pura, aparecida
Eu te amo
E te proclamo
O meu amor, o meu amor
Maior que tudo o quanto existe
Oh, meu amor!
Por toda a minha vida, com Caetano Veloso
quarta-feira, 18 de julho de 2012
Ridley Scott acorrentado: sempre haverá um alien pronto a devorar seu fígado...
Ontem fui assistir a Prometheus,
filme mais recente de Ridley Scott, lançado no Brasil. Saí de casa indecisa
entre expectativa e receio.
No início dos anos 80, o diretor ocupou meu imaginário
com o acima de qualquer suspeita Blade
Runner. O filme conta com o argumento buscado no conto de Philip K. Dick,
uma pérola da literatura de ficção científica, a trilha impecável de Vangelis,
um Harrison Ford pré-Indiana Jones, cujos gestos e olhar ainda são capazes de
se mostrar angustiados e hesitantes ante os dilemas da humanidade, androides
apaixonantes e imagens de tirar o fôlego. Scott se redimiu inclusive de um
final-feliz dado à primeira versão disponibilizada ao mercado, veiculando uma versão do diretor, na qual as
ambiguidades e indeterminação dos destinos ganham ênfase.
Scott, então, confirmou sua capacidade de nos capturar
com suas narrativas, depois de já nos ter mantido reféns, o seu público, como
nono passageiro de uma nave intergaláctica, que levava um alien horroroso a
bordo, no final dos anos 70. Alien, o
oitavo passageiro é uma referência no cinema, por várias razões:
sua capacidade de suspense, o argumento sustentado em cada segundo de
narrativa, o design, os aspectos visuais, o ritmo, a atuação de todo o elenco,
e o modo como o monstro é inserido na trama, ganhando potência no horror que
provoca, no susto sempre pronto a eclodir, e ao mesmo tempo numa imagem que
nunca se mostra inteira, sempre nas sombras, esgueirando-se, nojento, babento,
voraz.
A potência do oitavo passageiro foi profícua, a ponto de
fornecer material o suficiente para muiltiplicar-se em várias outras produções.
É grande a população de aliens que passou a habitar filmes de horror e suspense,
desde então. Mas a saga da heroína Tenente Ripley, vivida por Sigourney Weaver,
desdobrou-se, especificamente, em outros três filmes, assinados por outros
diretores que não Scott: Aliens, o
resgate (Aliens), dirigido por
James Cameron, em 1986; Aliens 3,
dirigido por David Fincher, em 1992; e Aliens,
a ressurreição (Aliens, resurrection),
dirigido por Jean-Pierre Jeunet, em 1997.
Sigourney Weaver teve sua carreira lançada
internacionalmente pelo filme de Scott. Depois prosseguiu animando a Tenente Ripley
conduzida pelos outros diretores. E transformando-se no decorrer da saga.
Imagino que, ao final de Aliens, a
ressurreição, ela já não suportasse mais a perseguição do monstro, e
suplicasse para não ser ressuscitada mais alguma vez. Precisava ser alforriada
para viver outras histórias.
Eu vi todos os filmes. Analisei cada um, no decorrer das
duas décadas. Dos quatro, gosto muito do último, apesar dos clichês, das muitas
informações entrecruzadas, do enredo com excesso de fios, dos estereótipos
típicos às estruturas narrativas norte-americanas. Os dois intermediários são
medianos. Foi mesmo o primeiro filme a marcar, de modo indelével, meu
imaginário, provocando não só o intelecto, mas o corpo como um todo.
Quando o trailer de Prometheus
anunciou que, desta vez, a tripulação iria aos confins do universo em busca de
desvelar as origens da humanidade, imaginei outras viagens a bordo de naves
alguns anos-luz mais avançadas que a velha Nostromo tão vulnerável ao oitavo
passageiro.
Talvez fosse pelo misto de expectativa e receio que eu tenha
adiado ao máximo minha ida à sessão. Já quase fora de cartaz, o filme vem sendo
mostrado em um único horário – embora a sala, quando fui vê-lo, ainda estivesse
com a lotação esgotada: coisas do mercado... Sinal de bons ventos nos negócios,
também, e da boa repercussão do título junto ao público. Isso poderia ser um
bom indicador. Nem sempre. Afinal, mergulhei na sequência inicial de belas
paisagens. O diretor apresentou a misteriosa figura à beira de um precipício,
uma nave pairando sobre tudo. Substâncias estranhas, DNA, fortes correntezas de
água... Informações visuais organizando o cenário inicial, para deflagrar uma
história. E eu seguindo com ela. Mas, à medida que a trama avançava, eu ia
sendo tomada pela estranha sensação de já ter visto o mesmo filme, as situações
de suspense, os argumentos, as máscaras, as arquiteturas...
Aos poucos, ocorreu-me a impressão de que Scott também
ficou lá, refém do oitavo passageiro. Acorrentado à velha nave. Coisa de que
Sigourney Weaver conseguiu se libertar. Mas Scott foi além: buscou, nos outros
filmes da saga, assinados por outros diretores, elementos para incorporar ao
seu Prometheus. E tudo ficou com um
gosto de comida requentada. E vejam que eu não tenho preconceito em relação à
possibilidade de atualização de alimentos devidamente acondicionados e
preservados. Ao contrário. Mas no filme novo de Scott, o gosto aponta processo
avançado de fermentação. Substância pouco confortável ao paladar.
Recuo em minha crítica. Estarei sendo nostálgica mais que
o devido? Estarei contaminada por padrões que cobram dos filmes de
entretenimento uma qualidade estética e um debate com propriedades mais
profundas? Revolvo minha memória, e pressinto mais empatia por Avatar, de James Cameron (o mesmo
diretor que assinou Aliens, o resgate,
que nem está entre meus preferidos), assumidamente um blockbuster, entretenimento que mistura aventura, ação, violência,
romance, ficção científica, tecnologia de imagem com bilheterias polpudas. Embora
o diretor tenha insistido na ideia de que o seu objetivo seria conscientizar em
relação a questões ambientais. Relevo. A propósito, Sigourney Weaver integra o
elenco, no papel de uma cientista que pesquisa as gentes Na’avi. Está bem,
embora possa ter se cansado das perseguições do Alien, a atriz – bem mais
amadurecida – não se cansou das aventuras intergalácticas, nem da dobradinha
com Cameron.
Volto a Prometheus,
e vou encontrando pontas não resolvidas na história. Não se tratam de
ambiguidades, ou perguntas sem respostas (desejáveis, até...): são dados que
aparecem e desaparecem sem razão de ser. Oneram a produção, ocupam a atenção do
espectador, sem contribuir efetivamente para a trama, nada mais que isso. Vou
alinhavando um rol extenso desses pontos.
Não quero ser preconceituosa, nem nostálgica. Eu quero,
mesmo, gostar do filme. Não quero perder a possibilidade de encontrar diversão
no cinema. A potência para brincar, mesmo quando a serviço do mercado da
cultura e do entretenimento. Bons filmes não precisam ser filmes cabeça. Mas também não quero sair do cinema com a sensação
de ter sido forçada a degustar um prato velho e requentado.
Por Blade Runner,
e por Alien, o oitavo passageiro,
Ridley Scott continua figurando minha lista de diretores que tocaram minha sensibilidade
de modo indelével. Por Prometheus,
figura também na lista de minhas mais potentes frustrações. E assim segue a
humanidade, desde suas origens, sejam elas quais forem, até sabe-se onde...
Em tempo: ontem mesmo, à tarde, acompanhei um grupo de amigas
num lanche na Belline. O café servido estava velho e frio. Provocou-me azia. Não
voltarei à Belline nem a convite (o que foi o caso de ontem). Definitivamente,
café velho e filme requentado fazem mal à saúde!...
domingo, 15 de julho de 2012
Pátria amada
Hoje acompanhei uma prima querida e sua filha até o
Palácio da Alvorada, logo no início da tarde. Movimentado o estacionamento,
muitas pessoas faziam retratos, apesar do sol intenso e a baixa umidade do ar.
Enquanto as meninas fotografavam, o som do vento no
tecido das bandeiras chamou a minha atenção. Fiquei absorta, olhando sem ver,
entretida com o movimento do tecido, brilhando ao sol, e o vento ondulando a
superfície. Até que minha atenção voltou-se para as cores, duas de verde
intenso, outra branca. E então a curiosidade perguntou: que bandeira seria
aquela, branca? Trata-se da bandeira do Mercosul.
Por que a bandeira do Mercosul estaria ali, ao lado das
bandeiras que representam o país e a presidência da república, símbolos
nacionais de soberania? Foi determinado em lei o hasteamento da bandeira do
Mercosul, ao lado da bandeira nacional, em órgãos dos poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário. É a Lei n. 12.157, de 2009. Ela faz ajustes à lei
anterior, sobre o uso dos símbolos do Estado brasileiro. No caput do Artigo
13º, consta: “Hasteia-se diariamente a Bandeira Nacional e a do Mercosul”. Uma
série de incisos apresenta as instituições que devem observar essa determinação.
O primeiro aponta o Palácio da Presidência da República, e a residência do
Presidente da República.
Todas essas informações ainda não respondem à minha
pergunta, na surpresa da descoberta. Por que a bandeira que refere um acordo
capitaneado por interesses fundamentalmente comerciais teria lugar ao lado da
bandeira brasileira? Ou que outros interesses e negociações estariam na base
desse acordo?
quinta-feira, 12 de julho de 2012
Ainda sobre fronteiras
O grupo de pesquisadores saiu, no início da noite, num
micro-ônibus, da fronteira em direção à capital do Estado, para dali seguir por
avião às suas cidades de origem. Estavam animados com os resultados do evento
científico, e também pelo trânsito pela borda do país, região limítrofe, a transformar-se em outro país, outra gente, outros falares...
Fronteira. Palavra tão recorrente nas discussões sobre
cultura contemporânea. Suas porosidades são anunciadas. Fronteiras: até parece que elas estão lá
para serem negadas, desconstruídas. A missão é mostrar sua inoperância em
tempos que fazem questão de desconhecê-las, desconsiderá-las. Talvez por isso
mesmo, a ideia de fronteira política e geográfica parecia algo tão exótica ao
grupo de pesquisadores.
E então sucedeu o que era provável, mas que não constava
na lista de expectativas, ao menos não daquele grupo especificamente. Mal iniciada a
viagem, o micro-ônibus foi parado, para fins de vistoria, por um destacamento
de policiais federais. Com cães farejadores, percorreram todos os espaços da condução,
examinaram bagagens, passageiros e motorista.
Os passageiros, respeitáveis pesquisadores, professoras e
professores que portam uma bagagem cultural de se respeitar, foram tratados como bandidos. No mínimo como suspeitos potenciais. Apavoraram-se com
a brutalidade da ação. Desesperaram-se, a bem da verdade. A operação estendeu-se
por mais de uma hora.
Ao fim e ao cabo, dado o avançado da hora, e o estado de tensão
em que todos se encontravam, retornaram à cidadela da fronteira, para seguirem
no dia seguinte muito cedo. Temerosos, ainda, de passarem, mais uma vez, por situação
semelhante.
Ilude-se quem acredite na flexibilização ou mesmo na
derrubada das fronteiras. Elas continuam erigidas, ameaçadoras, demarcando
territórios regidos por leis que não as ensinadas nos cursos de Direito, nem
vigentes nos códigos oficiais da nação.
quarta-feira, 11 de julho de 2012
Agosto, mês das pipas, já está chegando!
Este é o primeiro lembrete de 2012, para que, depois, ninguém diga que esqueceu:
Lá vem chegando o mês de agosto.
Com ele, as tardes de sextas feiras, quando vamos brincar com nossas pipas no ar!
E arraias, pandorgas, papagaios, com rabiola, sem rabiola, compradas prontas, feitas em casa!
E viva a diversidade!
sábado, 7 de julho de 2012
quinta-feira, 5 de julho de 2012
Greve de professores x greve de motoristas de ônibus. Ou: para evitar que não haja desgaste das peças...
Noutro dia, o síndico do meu prédio me procurou. Queria que
eu o ajudasse na revisão de um comunicado a ser divulgado entre os condôminos. Num
ponto do texto, ele explicava certa providência tomada, justificando que era
para “evitar que não houvesse desgaste das peças”. Chamei sua atenção para o
fato de que ele estaria assumindo que tal procedimento era para provocar o
desgaste das tais peças. Ele não compreendeu muito minha explicação. Lemos, juntos,
o trecho, tentei mostrar de outra maneira o efeito reverso da estrutura da
frase que ele montara. Ao final, mais confiando em mim do que compreendendo o
problema, pediu-me que eu mesma corrigisse, para ele imprimir a versão final. Comentou, com
um sorriso afável: “Ainda bem que posso contar com uma professora para me
ajudar...” Ele tem curso superior, com formação na área de informática, e
diploma obtido numa faculdade de iniciativa privada. Atua no mercado há muitos
anos.
Ontem, foi amplamente divulgada a greve dos rodoviários,
em Recife, já em seu segundo dia. De um lado, a população pena para conseguir
se deslocar pela cidade, de outro lado, motoristas e patrões não chegaram,
ainda, a um acordo. Esses dados informam, afinal, já ter havido rodada de negociação.
Enquanto isso, a greve de professores, estudantes e funcionários nas
universidades federais de todo o país vai completando seu segundo mês (e não o
segundo dia...) com quase nenhum espaço sério de informação nas mídias
diversas, e sem qualquer aceno de negociação por parte do governo federal.
Começo a achar que eu me equivoquei, e o síndico estava
certo: os caras estão mesmo evitando que não haja desgaste das peças...
Salve o Corinthians...
terça-feira, 3 de julho de 2012
Poema em linha reta
Fernando
Pessoa
Nunca
conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os
meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu,
tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu,
tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente
sujo,
Eu, que
tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que
tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho
enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho
sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho
sofrido enxovalhos e calado,
Que quando
não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que
tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que
tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que
tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu,
que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora
da possibilidade do soco;
Eu, que
tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Em verifico
que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda gente
que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve
um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi
senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...
Quem me
dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse
não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse,
não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são
todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há
neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes,
meus irmãos.
Arre,
estou farto de semideuses!
Onde é
que há gente no mundo?
Então sou
só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão
as mulheres não os terem amado,
Podem ter
sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu,
que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso
eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que
tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no
sentido mesquinho e infame da vileza.
(Poemas
de Álvaro de Campos)
domingo, 1 de julho de 2012
Mais vale um pássaro na mão...
O dia seguia calorento, já quase sol a pino, quando o Xodó voltou de mais uma de suas caçadas no campo. Manchas avermelhadas de terra em seu pelo branco denunciavam que tinha havido luta. Na boca, trazia
presos um pássaro pequeno e uma lagartixa. Entrou pela varanda, cansado. Sentindo-se
em território seguro, deitou sobre o piso frio, para refrescar o ventre. Num
gesto de alívio, fechou os olhos um instante. Uma filigrana
de relaxamento percorreu seu sistema nervoso. O pássaro, que, embora tonto, não estava morto, sentiu o imperceptível afrouxamento da mandíbula felina que o mantinha preso
aos dentes do seu algoz. Não perderia a única oportunidade de agarrar-se à
vida. Num átimo de tempo, reuniu toda a sua pequena força, e voou agilmente,
até a copa da árvore mais próxima. Seu bater de asas assustou o gato, que girou rapidamente a cabeça na direção para onde fugira a ave.
Então a lagartixa, que se fizera de morta até ali, sem estar, também reconheceu
o momento de sua salvação. Escapuliu-se na direção oposta. Deslizou rápida até a fresta mais próxima, e dali
desapareceu. Xodó estava cansado demais para enfrentar qualquer outro embate. Compreendeu
que ganhara duas batalhas, mas perdera seus reféns. Permaneceu ali, deitado,
recobrando as energias. Mais tarde, ganhou um prato de comida preparado para
ele por minha mãe. Se mais vale um pássaro na mão do que dois voando, também mais vale
uma caça morta na boca do que um pássaro e uma lagartixa meio tontos, mas prontos para fugir.
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