quarta-feira, 18 de julho de 2012

Ridley Scott acorrentado: sempre haverá um alien pronto a devorar seu fígado...




Ontem fui assistir a Prometheus, filme mais recente de Ridley Scott, lançado no Brasil. Saí de casa indecisa entre expectativa e receio.

No início dos anos 80, o diretor ocupou meu imaginário com o acima de qualquer suspeita Blade Runner. O filme conta com o argumento buscado no conto de Philip K. Dick, uma pérola da literatura de ficção científica, a trilha impecável de Vangelis, um Harrison Ford pré-Indiana Jones, cujos gestos e olhar ainda são capazes de se mostrar angustiados e hesitantes ante os dilemas da humanidade, androides apaixonantes e imagens de tirar o fôlego. Scott se redimiu inclusive de um final-feliz dado à primeira versão disponibilizada ao mercado, veiculando uma versão do diretor, na qual as ambiguidades e indeterminação dos destinos ganham ênfase.

Scott, então, confirmou sua capacidade de nos capturar com suas narrativas, depois de já nos ter mantido reféns, o seu público, como nono passageiro de uma nave intergaláctica, que levava um alien horroroso a bordo, no final dos anos 70. Alien, o oitavo passageiro é uma referência no cinema, por várias razões: sua capacidade de suspense, o argumento sustentado em cada segundo de narrativa, o design, os aspectos visuais, o ritmo, a atuação de todo o elenco, e o modo como o monstro é inserido na trama, ganhando potência no horror que provoca, no susto sempre pronto a eclodir, e ao mesmo tempo numa imagem que nunca se mostra inteira, sempre nas sombras, esgueirando-se, nojento, babento, voraz.

A potência do oitavo passageiro foi profícua, a ponto de fornecer material o suficiente para muiltiplicar-se em várias outras produções. É grande a população de aliens que passou a habitar filmes de horror e suspense, desde então. Mas a saga da heroína Tenente Ripley, vivida por Sigourney Weaver, desdobrou-se, especificamente, em outros três filmes, assinados por outros diretores que não Scott: Aliens, o resgate (Aliens), dirigido por James Cameron, em 1986; Aliens 3, dirigido por David Fincher, em 1992; e Aliens, a ressurreição (Aliens, resurrection), dirigido por Jean-Pierre Jeunet, em 1997.

Sigourney Weaver teve sua carreira lançada internacionalmente pelo filme de Scott. Depois prosseguiu animando a Tenente Ripley conduzida pelos outros diretores. E transformando-se no decorrer da saga. Imagino que, ao final de Aliens, a ressurreição, ela já não suportasse mais a perseguição do monstro, e suplicasse para não ser ressuscitada mais alguma vez. Precisava ser alforriada para viver outras histórias.

Eu vi todos os filmes. Analisei cada um, no decorrer das duas décadas. Dos quatro, gosto muito do último, apesar dos clichês, das muitas informações entrecruzadas, do enredo com excesso de fios, dos estereótipos típicos às estruturas narrativas norte-americanas. Os dois intermediários são medianos. Foi mesmo o primeiro filme a marcar, de modo indelével, meu imaginário, provocando não só o intelecto, mas o corpo como um todo.

Quando o trailer de Prometheus anunciou que, desta vez, a tripulação iria aos confins do universo em busca de desvelar as origens da humanidade, imaginei outras viagens a bordo de naves alguns anos-luz mais avançadas que a velha Nostromo tão vulnerável ao oitavo passageiro.

Talvez fosse pelo misto de expectativa e receio que eu tenha adiado ao máximo minha ida à sessão. Já quase fora de cartaz, o filme vem sendo mostrado em um único horário – embora a sala, quando fui vê-lo, ainda estivesse com a lotação esgotada: coisas do mercado... Sinal de bons ventos nos negócios, também, e da boa repercussão do título junto ao público. Isso poderia ser um bom indicador. Nem sempre. Afinal, mergulhei na sequência inicial de belas paisagens. O diretor apresentou a misteriosa figura à beira de um precipício, uma nave pairando sobre tudo. Substâncias estranhas, DNA, fortes correntezas de água... Informações visuais organizando o cenário inicial, para deflagrar uma história. E eu seguindo com ela. Mas, à medida que a trama avançava, eu ia sendo tomada pela estranha sensação de já ter visto o mesmo filme, as situações de suspense, os argumentos, as máscaras, as arquiteturas...

Aos poucos, ocorreu-me a impressão de que Scott também ficou lá, refém do oitavo passageiro. Acorrentado à velha nave. Coisa de que Sigourney Weaver conseguiu se libertar. Mas Scott foi além: buscou, nos outros filmes da saga, assinados por outros diretores, elementos para incorporar ao seu Prometheus. E tudo ficou com um gosto de comida requentada. E vejam que eu não tenho preconceito em relação à possibilidade de atualização de alimentos devidamente acondicionados e preservados. Ao contrário. Mas no filme novo de Scott, o gosto aponta processo avançado de fermentação. Substância pouco confortável ao paladar.

Recuo em minha crítica. Estarei sendo nostálgica mais que o devido? Estarei contaminada por padrões que cobram dos filmes de entretenimento uma qualidade estética e um debate com propriedades mais profundas? Revolvo minha memória, e pressinto mais empatia por Avatar, de James Cameron (o mesmo diretor que assinou Aliens, o resgate, que nem está entre meus preferidos), assumidamente um blockbuster, entretenimento que mistura aventura, ação, violência, romance, ficção científica, tecnologia de imagem com bilheterias polpudas. Embora o diretor tenha insistido na ideia de que o seu objetivo seria conscientizar em relação a questões ambientais. Relevo. A propósito, Sigourney Weaver integra o elenco, no papel de uma cientista que pesquisa as gentes Na’avi. Está bem, embora possa ter se cansado das perseguições do Alien, a atriz – bem mais amadurecida – não se cansou das aventuras intergalácticas, nem da dobradinha com Cameron.

Volto a Prometheus, e vou encontrando pontas não resolvidas na história. Não se tratam de ambiguidades, ou perguntas sem respostas (desejáveis, até...): são dados que aparecem e desaparecem sem razão de ser. Oneram a produção, ocupam a atenção do espectador, sem contribuir efetivamente para a trama, nada mais que isso. Vou alinhavando um rol extenso desses pontos.

Não quero ser preconceituosa, nem nostálgica. Eu quero, mesmo, gostar do filme. Não quero perder a possibilidade de encontrar diversão no cinema. A potência para brincar, mesmo quando a serviço do mercado da cultura e do entretenimento. Bons filmes não precisam ser filmes cabeça. Mas também não quero sair do cinema com a sensação de ter sido forçada a degustar um prato velho e requentado.

Por Blade Runner, e por Alien, o oitavo passageiro, Ridley Scott continua figurando minha lista de diretores que tocaram minha sensibilidade de modo indelével. Por Prometheus, figura também na lista de minhas mais potentes frustrações. E assim segue a humanidade, desde suas origens, sejam elas quais forem, até sabe-se onde...

Em tempo: ontem mesmo, à tarde, acompanhei um grupo de amigas num lanche na Belline. O café servido estava velho e frio. Provocou-me azia. Não voltarei à Belline nem a convite (o que foi o caso de ontem). Definitivamente, café velho e filme requentado fazem mal à saúde!...



Um comentário:

  1. Parabéns,como o de sempre,pelo texto interessantíssimo e pela crítica afiada,própria de quem se dedicou à boa observação em excelência de análise. Concordo em todos os sentidos,com as suas considerações a respeito.ao menos para mim,a sensação de de ter tido 'a carteira batida pelo esperto gatuno,no escurinho do cinema...',péssimo tudo ,óbvio...Um filme pode até ser banal,mas,não pode ser dedicado ao embuste,seja pela sua equipe, que se emprega à produção em caríssima empreitada obrigatória, e assim dita ,profissional,seja pela crítica midiática,aligeirada e cúmplice dessa safardanêza toda barulhenta e de eficiência voltada para o 'faturamento'... Uma lástima!... Sem contar o despreparo dos exibidores,para com as salas e suas infraestruturas,em vergonha a ser tratada,já,pelo Ministério Público,Procon e adjascentes... Redobrados e agradecidos,PARABÉNS !...

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