domingo, 30 de dezembro de 2012

Scrabble, ou palavras cruzadas



O pacote de presente veio completo: a visita de Renato, Lorena e Cleomar, com um tabuleiro para jogarmos scrabble - também conhecido como palavras cruzadas.


Jogo finalizado: restaram apenas 3 peças fora do tabuleiro. 


Dois dos jogadores, em conversa animada, 
enquanto uma sopa acabava de ser preparada.

Foto: Renato Cirino
 O tabuleiro...


 Foto: Renato Cirino
O tabuleiro...

 Foto: Renato Cirino
O tabuleiro...





do Livro sobre nada

Livro sobre nada 
Manoel de Barros



Para nos inspirar em 2013...


terça-feira, 25 de dezembro de 2012

exercício de amorosidade



Quando pipocam os fogos de artifício, à meia noite, na virada de 24 para 25 de dezembro, ouço com estranheza a efusiva comemoração. Celebra-se o que, exatamente, nesse momento? O que ocorre nesse passo do tempo, que justifica toda a eclosão de abraços, formulações de votos, comida, bebida, excitação? Cena que tem repetição uma semana depois, quando no calendário é marcada a virada do ano, num fracionamento do tempo sujeito a variações. O que marcam, de fato, essas celebrações?

Lembro-me da primeira ceia de Natal de que tomei parte, na casa de amigos, já vivendo na cidade. Mesa farta, convidativa, aromas deliciosos. Quando os convivas decidiram que havia batido a meia noite, todos começaram a se abraçar, e formular os melhores votos. E eu me perguntava por que àquela hora, e não antes, ou depois, e por que não todos os dias, quando encontramos nossos queridos? Na semana seguinte, lá estava eu, novamente, com a mesma família, acolhida afetuosamente, e novamente lá estava a mesa farta, e novamente à meia noite os votos, a festividade. Eu era abraçada e abraçava, repetindo o gesto de todos, mas me perguntando por que naquele momento e não antes, e não depois?

Já não tenho qualquer intenção de disfarçar meu desconforto com as festas de passagem de ano. Meus votos, formulados nesta época, podem ser estendidos a todos os dias do ano. Declarações de afeto me acompanham quando encontro pessoas queridas. E também quando não as encontro, e lhes sinto a falta.

Afinal, o exercício de amorosidade atravessa calendários, independe dos dias da semana, dos rituais, dos feriados nacionais. Ou não será exercício de amorosidade.


sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

entre a anomia e a ditadura

...
uma sociedade deve ser desorganizada o bastante que nos possibilite inventar maneiras para organizá-la, e organizada o suficiente para que nos dê vontade de desorganizá-la. 

mas não deve ser tão desorganizada a ponto de se tornar anômala, tampouco deve ser tão organizada a ponto de configurar uma ditadura, ou um regime totalitário.

a questão está em descobrir esse ponto de equilíbrio entre a flexibilidade e a firmeza, tarefa demorada por requerer experimentações, erros e instabilidades entre as polaridades: qualquer instante de equilíbrio exige maturidade da comunidade.

provavelmente, o tempo necessário para essa aprendizagem seja mais longo, bem maior, do que a vida de algumas gerações - talvez muitas gerações.
...



quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

um pequeno funeral



Continuo observando o casal de quero-queros. Não chega a ser uma observação sistemática, mas tem alguma regularidade. E por isso mesmo, já pude testemunhar momentos inusitados na vida das duas criaturinhas.

Da última ninhada, nasceram 3 filhotes. Mal nasceram, e andavam correndo pelo asfalto do estacionamento. Quase fiquei aflita com a visão. Já no dia seguinte, as crias estavam subtraídas em um. Os outros dois andaram, por vários dias, correndo entre a grama: pequenas bolinhas de penugem equilibrando-se sobre pernas muito longas e ágeis. Mas logo encontrei apenas um ainda vivo - era o mais forte, mais resistente. O pequeno sobreviveu a um evento, na universidade, que ocupou todo o estacionamento ao lado de onde eles vivem. Resistiu à chuvarada, e ao calor. Suas penugens estavam já mais escurecidas, e cheguei a pensar que ele conseguiria atravessar o período mais crítico para os filhotes, e colocar-se adolescente. Enganei-me.

Ontem, no final da tarde, presenciei cena que me comoveu. Próxima ao poste de luz, a fêmea emitia sons que chamavam o pintinho, e andava em círculos, com as penas um pouco arrepiadas. Inicialmente, não pude ver o filhote. Mas ouvi-lhe o piado muito fraco, agudo, como gemidos quase sussurrados. Então avistei, entre a grama, o pequeno corpo vacilante, já sem conseguir se por em pé. A cabeça mal erguia-se, no piado, e o bichinho sumia, caído no chão. O macho voava a pequena distância, em fúria, afastando qualquer outra ave que se aproximasse - pombos, almas de gato, bem te vis - exceto as vizinhas corujas buraqueiras, testemunhas instaladas em seus observatórios. Algumas vezes, a fêmea deitou-se sobre a cria, pipilando para ela, chamando para si a fagulha de vida que ainda parecia queimar, ali.

Hoje, pela manhã, encontrei os dois andando, ali perto do poste de luz. Piavam ainda como a chamar a cria. Estavam mais irritados do que de costume. À tarde, um deles bebia água numa possa distante, e o outro andava no extremo oposto ao gramado. Fui até as proximidades do poste, e pude ver o pequeno cadáver. Logo o casal percebeu-me. Ambos vieram em ataque em minha direção. Retirei-me, enquanto eles gritavam, nas cercanias do corpo. Depois, a fêmea emitiu um piado que eu ainda não ouvira, e ofereceu-se à cópula.

Não quero incorrer no equívoco de antropomorfizar o comportamento das aves. Não vou imaginar o sentimento de perda que pudesse ter se abatido sobre eles. Tampouco pensarei nas relações paternais e maternais com suas crias, os vínculos de afeto, etc., atribuindo-lhes alguma humanidade nos modos de instalar-se no mundo. O que a observação dessas aves em sua labuta tem me ensinado é que, na arrogância humana, interpretamos e atribuímos explicações às coisas do mundo, sem sequer nos darmos conta do que se passa ao nosso lado. Sem termos competência de compreender a exata dimensão de eventos fortes como esse, ali, ao alcance da vista e da mão, mas que me escapa: escapa como se escapa o último rebrilho de vida ao corpo do último filhote da ninhada mais recente daquele casal de quero-quero.

Toda vez que me ponho a observá-los, penso no mistério de sermos e estarmos aqui: nós, eles, e todas as demais formas de vida, sabidas (em bem menor número) e não sabidas (estas, em número não sabido, sequer imaginado...)



segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Ellen, Eller e Brasília



Ontem foi a final do programa produzido e veiculado pela Rede Globo de Televisão, o The Voice Brasil. A senhora da voz vitoriosa atende pelo nome de Ellen Oléria, é negra, tem os olhos brilhantes, o sorriso largo, uma voz potente e bela. Tem carisma. E tem uma namorada que, ao lado da mãe, foi assim identificada na transmissão ao vivo do último programa desta edição: “Mãe e namorada de Ellen”.

Foi inevitável lembrar Cássia Eller, voz e gestos fortes, cheios de musicalidade, ocupando todo o espaço do palco no Concerto Cabeças, invadindo as mesas no Bom Demais. Eller e Ellen: mulheres marcantes, bravas, capazes de mobilizar os públicos com sua música e seu gesto.

Isso é Brasília. Essa é a cidade que vive em efervescência cultural e artística. Brasília, a cidade, é tecida quotidianamente por essa gente, que passa ao largo das mazelas da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes. Ali, sim, transitam aventureiros, profissionais e políticos de passagem, malas prontas para retornar aos seus lugares de origem, nas unidades federativas que os elegeram, ou escolheram para assumir cargos e papéis os mais diversos. Ali transitam gentes que não têm qualquer vínculo efetivo com a cidade.

As gentes de Brasília pulsam fora desse circuito. Produzem vida com qualidade, arte, música, cinema, poesia, ciência, moda, esporte... Ellen Oléria faz parte dessas gentes, vem desse lugar, e imprime sua força na música que canta, na imagem que constrói, no gesto largo.

Merda a Ellen Oléria! Vida longa à sua voz!



domingo, 16 de dezembro de 2012

jacu


Para meus queridos Alexandre Quaresma e Christina Garcia



Para quem nunca viu um jacu, este exemplar habitou, por algum tempo, o quintal de um casal de amigos muito queridos, no Rio de Janeiro. 



Mario Quintana


Da observação

Não te irrtes, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...


Mario Quintana.




Mas o que quer dizer este poema? – perguntou-me alarmada a boa senhora.
E o que quer dizer uma nuvem? – respondi triunfante.
Uma nuvem – disse ela – umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom tempo...
Mario Quintana.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Sobre saber usar o cursor do editor de textos e as voltas que o mundo dá...



Entrei em contato com os computadores pequenos em 1993, quando trabalhei numa instituição hospitalar. Aquela talvez tenha sido a estrutura institucional de natureza civil mais autoritária de que eu tenho lembrança. Ao mesmo tempo, sua administração esmerava-se por adotar equipamentos com tecnologia de ponta. Por isso, dispôs computadores em todas as enfermarias, e outros setores de atendimento ao público.

Até então, eu produzira meus textos manuscritos ou em máquinas de escrever. Por muito tempo, trabalhara numa máquina portátil, mecânica, com estojo de cor laranja, e cujos tipos eram estilo letra cursiva, em itálico. Um charme. Mais tarde, adquiri outra máquina, também portátil, mas elétrica.

Mas quando cheguei àquele hospital, logo me deparei com textos produzidos por funcionários cuja edição era de alta qualidade. Por vezes, os textos tinham erros grosseiros no domínio da língua portuguesa, mas visualmente eram irretocáveis. Foi assim que cheguei ao editor Word. Outro programa disponível nos computadores era o Paint Brush, que começou a ser usado por nós em processos de reabilitação de pacientes com perda de movimento de braços e mãos.

Eu ia aprendendo, aos poucos, a operar os novos equipamentos. Curiosa, mas meio medrosa, avançava aos poucos, sem me arriscar demais. Havia, contudo, outra professora que demonstrava com mais domínio da situação. De qualquer situação. Eu a observava, admirada. As pessoas que se mostram seguras, que têm certezas, sempre me impressionam. Eu acredito nelas. E como sempre tenho pouca certeza em meus procedimentos, minhas escolhas e tomadas de posição, estou sempre disposta a questioná-los. Por isso mesmo, me confesso impressionada com quem tenha certezas. Era o caso dela. Parecia sempre muito segura, com alguma observação crítica a fazer.

Um dia, eu prestava atenção aos seus movimentos, enquanto ela trabalhava com o editor de textos no computador. Agilmente, digitava as palavras e as frases. Quando precisava rever alguma letra já redigida, apenas deslocava o cursor até o ponto desejado, e ali fazia a correção necessária, conduzindo o cursor de volta ao ponto de retomada do texto. Pensei que eu, ineficientemente, muitas vezes, quando identificava algum erro numa palavra anterior, em vez de apenas deslocar o cursor, eu acabava apagando o texto até o ponto do erro, e redigia tudo novamente a partir dali. Ela me pareceu tão mais inteligente e capaz do que eu...

Algum tempo depois, eu me demiti da instituição. Não sei por quanto tempo ela ainda ficou ali, nem se sua saída tenha se dado por decisão dela, ou de suas chefias. Não tive mais notícias dela. Até recentemente, quando soube que estava fazendo mestrado. Mais que isso: era seu desejo que eu tomasse parte de sua banca de qualificação e defesa. Fiquei muito impressionada – novamente.

Desde aquela época, fiz mestrado, doutorado, estágio pós-doutoral, passei a integrar um programa de pós-graduação e, atualmente, tenho orientandos de graduação, mestrado, doutorado, e supervisiono pós-doutorado. Ufa! Já escrevi livros, artigos, capítulos, tantos! Mesmo assim, continuo apagando palavras em lugar de apenas deslocar o cursor até o ponto a ser corrigido dos textos que produzo. E muitas vezes, ao fazê-lo, lembro-me dela. Agora, a reencontro, num momento importante de sua formação, no ritual de passagem do curso de mestrado – a qualificação, podendo contribuir com seu processo. Sinto-me feliz por isso.

Parece que pode haver algum sentido nas voltas que o mundo dá...

Talvez possa reformular a frase (sem apagar o já escrito): Parece que cabe a nós mesmos inventar sentidos para as voltas que o mundo dá... o mundo, e seus cursores...



terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Amigos de quem não nos esqueceremos

Para Carla, Prof. J. Bamberg, e Rutinha,
 que não dispensa, por nada,
 uma tarde de brincadeiras com seus amigos cães.


Eu ficava sentada no portão da minha casa e cumprimentava os passantes que se divertiam com a solicitude daquela moleca de 4 anos de idade. Entre os passantes, estava D. Gegé a quem, um dia, confessei que queria muito ganhar um cachorrinho. Ela não se fez de rogada, e pouco tempo depois, trouxe até a nossa casa um filhotinho a quem ela chamava de Ferrinho. Era feio, como era feio! Muito barrigudo, as pernas muito finas, quase não conseguia parar em pé. Não havia muita esperança de que o pobre vingasse. E vingou. Bem cuidado, logo pôs-se animado e até dado a pequenas valentias. Foi ficando lindo: vermelho com umas manchas brancas grandes. Batizamos de Play Boy, a quem D. Maura, que trabalhava em nossa casa na fazenda, não conseguindo pronunciar as palavras em língua estrangeira, chamava de Três Bola. E ele atendia, todo faceiro.

Play Boy tornou-se um cachorro grande, pelo sedoso, companheiro, engraçado, manso e atento ao mesmo tempo. Capaz de separar brigas de galinhas sem machuca-las. Ajudava o trabalho no campo, relacionando-se com os animais sem oferecer nenhum risco. Adorava comer abacate e vergamota. Durante longas horas do dia, distraia-se disputando com o Fiel, seu companheiro no quintal, um lugar ao portão de acesso ao quintal menor, da casa. O Fiel era ousado, briguento, nervoso. Metia medo nas pessoas. Play Boy era amigo, brincava, afagava. E também nos defendia, quando necessário.

Quando meu pai morreu, e minha mãe veio embora, eles ficaram lá, vigilantes, cuidando da casa. Imagino quantas vezes tenham saído em disparada, na direção da estrada, esperando pelo nosso retorno. Morreram bem velhos, o Play Boy com 19 anos, o Fiel com 18 – o que parece ser incomum para os cães. Quando eles se foram, eu não estava lá, para despedir-me. Eu também andava às voltas com tantas perdas, que acho que quando me dei conta, eles já não estavam lá. Contaram-me, depois, como tudo aconteceu. Se não sofri de modo mais fundo naquele momento, me ressinto de sua falta no decurso do tempo, como uma ausência que uiva, desde algum ponto recôndito da memória, sem silenciar.

Lembro-me comovida desse meu amigo, sinto-lhe falta do toque no pelo denso e macio, da cara alegre, da boca rosada, do corpão desajeitado correndo pelo campo. Penso nisso, por exemplo, quando ouço, do Prof. J. Bamberg, o relato emocionado sobre seu primeiro grande amigo, o Rizo. Cachorro descarado, diz ele, com o afeto a transbordar da memória, enchendo o peito de saudades fundas, saudades que buscam, em suspiros, uma forma de se extravasar.

A memória do Play Boy, do Fiel, do Riso, são evocadas, aqui, para comungar do vazio que o Zeca deixou na morada/vida da minha querida Carla.

Não tenho dúvidas de que esses seres cumprem um papel muito mais importante em nossas vidas do que temos sido capazes de admitir, do alto da arrogância de nossa pretendida humanidade. Devemos a eles o afeto incondicional. Devemos a eles a possibilidade de aprender que amizade e companheirismo deve estar além de qualquer sentimento mesquinho, pequenos egoísmos, migalhas de poder. Se podemos, em alguma medida, sermos um pouco melhor em nossa natureza, devemos, em muito, à possibilidade de convivência com essas criaturas.

Imagino o Play Boy, o Fiel, o Bright, o Xerife, o Riso divertindo-se, correndo uns atrás dos outros, indo ao encontro do Zeca, no céu dos cachorros. Aliás, ocorre-me, agora, que o céu dos cachorros deve ser muito, mas muito mais divertido que o céu dos homens!




domingo, 9 de dezembro de 2012

Movimiento social del cuerpo - 12/12/12

No dia 12 de dezembro próximo, acontecerá a abertura da instalação Movimiento social del cuerpo, que resultou do trabalho do artista visual Romeo Gongora junto a estudantes e artistas ligados à FAV/UFG e artistas convidados, em laboratório desenvolvido nos meses de novembro a dezembro.
A exposição será no Museu de Arte de Goiânia, no Bosque dos Buritis.
Data: 12/12
Horário: 20h
Local: Museu de Arte de Goiânia, Bosque dos Buritis
Encontro vocês lá!






sábado, 8 de dezembro de 2012

Colóquio sobre Pesquisa em Arte e Cultura Visual - dia 12/12

Dia 12/12 está chegando!
Vamos conversar sobre pesquisa na Graduação e na Pós-Graduação
Conversa entre gente curiosa, que pergunta sobre coisas que quer aprender, e compartilha as perguntas, na ação solidária para construir caminhos de conhecer.






sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Cacilda, a bicicleta


Quando criança, não tive bicicleta. Subi em árvore, andei descalço pelo mato, encardi os pés, andei a cavalo, tirei leite de vaca. Mas não andei de bicicleta.

Já tinha uns 28 anos de idade, quando resolvi que queria embarcar nessa nova aventura. O namorado era atleta, e se animou em assumir o papel de meu professor para assuntos de andar de bicicleta. Comprei meu camelo (em Brasília, bicicletas também podem ser chamadas de camelo), e nos finais de semana brincávamos, durante horas, no estacionamento da universidade, passando pelas várias etapas da aprendizagem. Inicialmente, eu pedalava, e ele seguia atrás de mim, segurando o banco da bicicleta. Até o momento em que ele me deixou seguir, sem que eu percebesse. Quando notei o desamparo, desequilibrei, mas não cheguei a cair. Fui ganhando confiança. A dificuldade maior estava no arranque. Depois de pegar alguma velocidade, por menor que fosse, tudo ficava mais fácil.

Foi então que descobri o segredo: a velocidade me ajudava no equilíbrio. Gostei da ideia. No estacionamento, havia uma ladeira não muito severa. Embiquei a bicicleta na descida, e pedalei. Ela ganhou velocidade, e senti a delícia do vento no rosto. Vibrei. A bicicleta ficou leve, equilibrada. O veículo dos meus sonhos. Mas não tive muito tempo para perceber que deveria fazer uma curva ao final, pois o estacionamento acabava. Acabou. A bicicleta bateu no meio fio, alçando-me para fora dela. Estabaquei-me no chão. Fiquei lá, estirada no gramado, entre rindo e queixando-me dos esfolados. Ao meu lado, também esfolada, arriada, a bicicleta, que a partir daquele dia passou a se chamar Cacilda.

Cacilda foi uma companheira e tanto em muitos passeios pela cidade. O tempo passou, o namorado passou, e, aos poucos, deixei de andar de bicicleta. Qualquer dia desses, vou verificar o que há de verdade na máxima que diz que se a gente aprende a andar de bicicleta, não esquece mais.


terça-feira, 4 de dezembro de 2012

para se reencontrar é preciso, antes, ter se perdido...



Há anos, na falta do que fazer, seguíamos para Goiânia, e brincávamos de nos perder em suas ruas. A parte mais divertida era observar as orientações sobre como chegar a algum lugar, quando saíamos perguntando sobre endereços e localizações às pessoas que encontrávamos em postos de gasolina, lojas, lanchonetes. Aventura radical, mesmo, era contratar algum moto táxi para nos guiar até os endereços pretendidos.

Hoje, precisei de orientação para chegar a uma escola. Sabia que estava muito perto dela, mas não conseguia encontrar. Numa padaria, pedi ajuda à funcionária. Antes que ela me respondesse, ocorreu-me à memória o gesto recorrente, familiar, de quem, generosamente, se dispunha a explicar, no tempo em que brincávamos do nos perder por estas paragens. Sorri com alegria, enquanto ela repetia o tal gesto: "você volta prá lá (prá lá é uma direção incerta sinalizada com um gesto mais amplo do que o necessário...), quando chegar na pista de mão dupla, vira prá esquerda" e apontava para a direita com a mão esquerda. A moça, ao lado, discordou dela: "nããão, quando ela chegar na pista de mão dupla, ela tem que virar para a direita!", e com a mão direita apontava para a esquerda. E completava a explicação: "Depois ela entra prá direita, e já dá na escola".

Senti saudades da época quando eu tinha tempo para me perder e me encontrar na cidade. Agradeci, sinceramente, as duas moças. Não exatamente pela explicação, mas por sua disposição para ajudar, e pela alegria que senti na (des)orientação por elas promovida. Principalmente, pelo seu modo de ser e estar no mundo. Despedi-me, agindo como se tivesse compreendido tudo. De fato, entendi que precisava voltar à pista de mão dupla. Dali seguiria meu instinto. Deu certo. Como sempre dera antes: em seguida, cheguei à escola.

A propósito, eu buscava pela Escola Estadual Jornalista Luiz Gonzaga Contart. A quem eu perguntasse, citando o nome completo da escola, respondia franzindo o rosto, e devolvendo a pergunta: "... que escola?" Quando eu repetia o nome, revelava-se o modo como os moradores identificavam o lugar procurado por mim: "Ah, a senhora tá procurando a escola do jornalista! ah, é ali adiante: passe, deixa eu ver, uma, duas, três, quatro ruas, entra à direita, depois à esquerda, aí passa, deixa eu ver, depois... " e eu já tinha me perdido. Foi assim que cheguei à padaria... Sim, para só depois encontrar a escola do jornalista.



domingo, 2 de dezembro de 2012

O Universo não é uma ideia minha



O Universo não é uma ideia minha.
A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha ideia de noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso

Fernando Pessoa