Entrei em contato com os computadores pequenos em 1993,
quando trabalhei numa instituição hospitalar. Aquela talvez tenha sido a estrutura
institucional de natureza civil mais autoritária de que eu tenho lembrança. Ao mesmo
tempo, sua administração esmerava-se por adotar equipamentos com tecnologia de
ponta. Por isso, dispôs computadores em todas as enfermarias, e outros setores
de atendimento ao público.
Até então, eu produzira meus textos manuscritos ou em
máquinas de escrever. Por muito tempo, trabalhara numa máquina portátil,
mecânica, com estojo de cor laranja, e cujos tipos eram estilo letra cursiva,
em itálico. Um charme. Mais tarde, adquiri outra máquina, também portátil, mas
elétrica.
Mas quando cheguei àquele hospital, logo me deparei com
textos produzidos por funcionários cuja edição era de alta qualidade. Por
vezes, os textos tinham erros grosseiros no domínio da língua portuguesa, mas
visualmente eram irretocáveis. Foi assim que cheguei ao editor Word. Outro
programa disponível nos computadores era o Paint Brush, que começou a ser usado
por nós em processos de reabilitação de pacientes com perda de movimento de
braços e mãos.
Eu ia aprendendo, aos poucos, a operar os novos
equipamentos. Curiosa, mas meio medrosa, avançava aos poucos, sem me arriscar
demais. Havia, contudo, outra professora que demonstrava com mais domínio da
situação. De qualquer situação. Eu a observava, admirada. As pessoas que se
mostram seguras, que têm certezas, sempre me impressionam. Eu acredito nelas. E
como sempre tenho pouca certeza em meus procedimentos, minhas escolhas e
tomadas de posição, estou sempre disposta a questioná-los. Por isso mesmo, me
confesso impressionada com quem tenha certezas. Era o caso dela. Parecia sempre
muito segura, com alguma observação crítica a fazer.
Um dia, eu prestava atenção aos seus movimentos, enquanto
ela trabalhava com o editor de textos no computador. Agilmente, digitava as
palavras e as frases. Quando precisava rever alguma letra já redigida, apenas
deslocava o cursor até o ponto desejado, e ali fazia a correção necessária, conduzindo
o cursor de volta ao ponto de retomada do texto. Pensei que eu,
ineficientemente, muitas vezes, quando identificava algum erro numa palavra
anterior, em vez de apenas deslocar o cursor, eu acabava apagando o texto até o
ponto do erro, e redigia tudo novamente a partir dali. Ela me pareceu tão mais
inteligente e capaz do que eu...
Algum tempo depois, eu me demiti da instituição. Não sei
por quanto tempo ela ainda ficou ali, nem se sua saída tenha se dado por
decisão dela, ou de suas chefias. Não tive mais notícias dela. Até
recentemente, quando soube que estava fazendo mestrado. Mais que isso: era seu
desejo que eu tomasse parte de sua banca de qualificação e defesa. Fiquei muito
impressionada – novamente.
Desde aquela época, fiz mestrado, doutorado, estágio
pós-doutoral, passei a integrar um programa de pós-graduação e, atualmente,
tenho orientandos de graduação, mestrado, doutorado, e supervisiono
pós-doutorado. Ufa! Já escrevi livros, artigos, capítulos, tantos! Mesmo assim,
continuo apagando palavras em lugar de apenas deslocar o cursor até o ponto a ser
corrigido dos textos que produzo. E muitas vezes, ao fazê-lo, lembro-me dela.
Agora, a reencontro, num momento importante de sua formação, no ritual de
passagem do curso de mestrado – a qualificação, podendo contribuir com seu
processo. Sinto-me feliz por isso.
Parece que pode haver algum sentido nas voltas que o
mundo dá...
Talvez possa reformular a frase (sem apagar o já
escrito): Parece que cabe a nós mesmos inventar sentidos para as voltas que o
mundo dá... o mundo, e seus cursores...
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