quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Sobre saber usar o cursor do editor de textos e as voltas que o mundo dá...



Entrei em contato com os computadores pequenos em 1993, quando trabalhei numa instituição hospitalar. Aquela talvez tenha sido a estrutura institucional de natureza civil mais autoritária de que eu tenho lembrança. Ao mesmo tempo, sua administração esmerava-se por adotar equipamentos com tecnologia de ponta. Por isso, dispôs computadores em todas as enfermarias, e outros setores de atendimento ao público.

Até então, eu produzira meus textos manuscritos ou em máquinas de escrever. Por muito tempo, trabalhara numa máquina portátil, mecânica, com estojo de cor laranja, e cujos tipos eram estilo letra cursiva, em itálico. Um charme. Mais tarde, adquiri outra máquina, também portátil, mas elétrica.

Mas quando cheguei àquele hospital, logo me deparei com textos produzidos por funcionários cuja edição era de alta qualidade. Por vezes, os textos tinham erros grosseiros no domínio da língua portuguesa, mas visualmente eram irretocáveis. Foi assim que cheguei ao editor Word. Outro programa disponível nos computadores era o Paint Brush, que começou a ser usado por nós em processos de reabilitação de pacientes com perda de movimento de braços e mãos.

Eu ia aprendendo, aos poucos, a operar os novos equipamentos. Curiosa, mas meio medrosa, avançava aos poucos, sem me arriscar demais. Havia, contudo, outra professora que demonstrava com mais domínio da situação. De qualquer situação. Eu a observava, admirada. As pessoas que se mostram seguras, que têm certezas, sempre me impressionam. Eu acredito nelas. E como sempre tenho pouca certeza em meus procedimentos, minhas escolhas e tomadas de posição, estou sempre disposta a questioná-los. Por isso mesmo, me confesso impressionada com quem tenha certezas. Era o caso dela. Parecia sempre muito segura, com alguma observação crítica a fazer.

Um dia, eu prestava atenção aos seus movimentos, enquanto ela trabalhava com o editor de textos no computador. Agilmente, digitava as palavras e as frases. Quando precisava rever alguma letra já redigida, apenas deslocava o cursor até o ponto desejado, e ali fazia a correção necessária, conduzindo o cursor de volta ao ponto de retomada do texto. Pensei que eu, ineficientemente, muitas vezes, quando identificava algum erro numa palavra anterior, em vez de apenas deslocar o cursor, eu acabava apagando o texto até o ponto do erro, e redigia tudo novamente a partir dali. Ela me pareceu tão mais inteligente e capaz do que eu...

Algum tempo depois, eu me demiti da instituição. Não sei por quanto tempo ela ainda ficou ali, nem se sua saída tenha se dado por decisão dela, ou de suas chefias. Não tive mais notícias dela. Até recentemente, quando soube que estava fazendo mestrado. Mais que isso: era seu desejo que eu tomasse parte de sua banca de qualificação e defesa. Fiquei muito impressionada – novamente.

Desde aquela época, fiz mestrado, doutorado, estágio pós-doutoral, passei a integrar um programa de pós-graduação e, atualmente, tenho orientandos de graduação, mestrado, doutorado, e supervisiono pós-doutorado. Ufa! Já escrevi livros, artigos, capítulos, tantos! Mesmo assim, continuo apagando palavras em lugar de apenas deslocar o cursor até o ponto a ser corrigido dos textos que produzo. E muitas vezes, ao fazê-lo, lembro-me dela. Agora, a reencontro, num momento importante de sua formação, no ritual de passagem do curso de mestrado – a qualificação, podendo contribuir com seu processo. Sinto-me feliz por isso.

Parece que pode haver algum sentido nas voltas que o mundo dá...

Talvez possa reformular a frase (sem apagar o já escrito): Parece que cabe a nós mesmos inventar sentidos para as voltas que o mundo dá... o mundo, e seus cursores...



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