literatices... letras para nada, talvez para tudo... imagens de nada, que podem ser de tudo... matutações... penseros... rabiscações... daquilo que vejo... ou não... porque tomo assento neste tempo quando a humanidade produz vertiginosamente letras, símbolos e imagens, em busca de sentidos, quaisquer que sejam... ou não...
quarta-feira, 25 de junho de 2014
segunda-feira, 16 de junho de 2014
Finda a tarde na capital federal
Comecinho da noite. Temperatura caindo, umidade do ar baixa:
indícios do inverno chegando ao Planalto Central. Sigo, a pé, até a comercial.
Na esquina do primeiro bloco comercial (sim, a capital federal tem esquinas!),
encomendo uns pasteis feitos com farinha integral, assados, com dois tipos de recheio: berinjela e frango. Enquanto são preparados, sigo até o
mercado na esquina oposta, da comercial em frente. O movimento é intenso: carros, gentes que voltam para casa findo o expediente, outros que seguem para suas
escolas em turnos noturnos, também os que seguem para a academia fazer
atividade física, ou ao estúdio de pilates. Uns vão à padaria, outros levam
os cães a caminhar. Nos cafés e bares, muitos jogam conversa fiada no fim da
tarde, hora da alegria, a happy hour. Ao final da rua, além do balão, a pequena igreja está
enfeitada com bandeirolas, e as luzes anunciam a missa em curso. Semáforo fechado
para o fluxo de automóveis, são muitos os pedestres que vão e vêm. Quem foi que
disse que aqui pedestres não têm vez? Sigo caminhando, sentindo uma íntima
felicidade. Não me canso de reverenciar o conceito de unidade de vizinhança concebido por Lúcio Costa para o Plano
Piloto. Sinto-me acolhida nesse desenho urbano. No mercado, pais de família,
donas de casa, adolescentes fazem suas compras, enquanto alguns cães aguardam à
porta e crianças brincam no pequeno largo, à frente. Portando duas sacolas com frutas frescas, retorno até o
café, onde me aguardam os pastéis. Decido tomar um suco verde saboroso, antes
de terminar o percurso de volta para casa. Encontro, sobre a mesa, um folheto
onde estão anunciadas aulas de tai chi chuan gratuitas, três vezes por semana,
no gramado à frente, entre o bloco e a comercial. A dona do café explica que o professor de tai chi trabalha com ela como garçom, já fez muitos cursos, e está muito entusiasmado com o início do projeto. Esta cidade tem dessas coisas, impagáveis... Vou caminhando de volta, e fico olhando
o gramado, entre árvores, imaginando as pessoas fazendo tai chi. Os jardins já
ganham um aspecto ainda mais acolhedor. Nas proximidades do meu bloco, as folhas
úmidas das plantas recém regadas exalam um aroma delicioso que se espalha na atmosfera. O calor dos pastéis assados desperta meu apetite. Assim, estará
completo o sabor desta noite que se inicia.
Sinfonia inacabável...
Eu querida entender um pouco mais disso que eu penso ser uma
espécie de síndrome coletiva... Há anos, não temos tido pausas entre uma
reforma e outra em apartamentos de nossos vizinhos... Parece até movimento
coreográfico: um vai terminando, outro vai começando. Quando não há apartamentos
em reforma, a reforma é em áreas comuns do prédio, ou no prédio vizinho.
A indústria e o mercado de construção avançam a passos
largos... E nós, seguimos para onde, mesmo? Oi? Quase não ouço você!
PÁ PUM, PÁ PUM, PÁ PUM, RRRRRRRRRRR, RRRRRRRRRRR, PÁ PUM, PÁ
PUM, RRRRRRRRRRR, RRRRRRRRRRR, PÁ PÁ PÁ PÁ PÁ...
domingo, 15 de junho de 2014
Deixem as ostras em paz!
Dando seguimento às reflexões sobre as relações entre
humanos e outros animais, e ao meu pouco conforto com o que chamei de estilo cut
cut que prevalece como tendência nessas relações, trago à pauta o processo de atribuição de um sentido humano ao comportamento animal. O que quero trazer aqui, é uma situação em que um aspecto da vida animal é tomado como argumento para conselhos
de autoajuda, em livro de autoajuda, altamente lucrativo. (Os direitos dos
animais? Do que você está falando, mesmo? Ah, sim, esse é já outro assunto...)
Há algum tempo, chegou-me às mãos um livro, cujo título me
deixou inquieta. Trata-se de uma coletânea de pequenos ensaios na forma de aconselhamentos, dos quais um empresta seu título ao livro como
um todo. O título pode ser considerado forte, produzindo resultado para chamar convocar potenciais leitores à leitura. É sucesso de vendas. Anuncia, na capa, que ostra feliz não faz pérolas. Ao lê-lo, observei, ali, alguns elementos que
me soavam mal. Mas eu não consegui identificá-los prontamente. Pareceu-me,
de saída, uma apologia à infelicidade. Algo como: para fazer alguma coisa
interessante, não seja feliz, melhor, impinja-se dor, seja infeliz! Mas também me assaltava outra questão: a pérola é
interessante para quem? Para o joalheiro? Para a dondoca que usa joias com
pérolas? E para a ostra, o que lhe parece?
Vamos por partes. Primeiramente, iniciemos por uma breve recordação de nossas aulas de biologia básica,
para repetir um tema que é domínio de todos: a ostra tem um corpo mole, frágil,
e vive dentro da concha, fechada, dura, cálcio puro, que a protege. Quando algum corpo
estranho invade esse espaço interno, causando lesão ao corpo da ostra, ela produz nácar
para envolver e neutralizar esse estranho. O nácar envolvendo a causa da lesão dá forma
à pérola.
O problema é que, ao conseguir resolver o problema que ameaça
sua integridade física, a ostra gera outro problema, que provoca a sua própria
e definitiva morte, bem como a morte de muitas outras ostras que não tiveram
que produzir o nácar para dirimir a ação de qualquer invasor. Explicando melhor,
na caça às pérolas, muitos pescadores recolhem ostras, indiferenciadamente, e
as matam, abrindo a concha, para só então saber se são portadoras de pérolas ou
não... No caso de criadouros de ostras para a produção de pérolas, elas não são
mortas: são abertas para a retirada da pérola e a inserção de outro invasor,
para que a ostra, sobrevivente, produza mais pérolas para alimentar o mercado
de joias... Ou seja... para bom
entendedor, pingo é letra...
Ainda sobre a função das pérolas para a saúde das ostras, é
inevitável pensar no funcionamento do nosso próprio corpo. Por exemplo, entre
os inúmeros casos de câncer, que se multiplicam no cenário contemporâneo, há alguns
tipos de tumores que são encapsulados pelo tecido conjuntivo. Assim, esses tumores (estranhamente chamados de benignos...) não
invadem os tecidos próximos. Eles ficam ali, latentes, aprisionados. Enquistados,
podem até se expandir e exercer pressão à sua volta, mas não conseguem se disseminar pelo corpo. O tratamento
é quase sempre melhor sucedido em relação aos outros tipos de tumores não encapsulados, pois os procedimentos cirúrgicos conseguem
retirá-los em sua totalidade. Poderíamos pensar
em pérolas humanas? A que designer interessaria produzir joias com elas?
Finalmente, trazendo a questão à dimensão específica do
comportamento humano, por que haveríamos de fazer a apologia da dor, em favor
da produção de pérolas, numa metáfora tosca que coloca as pérolas no lugar de
tudo quanto seria nobre e elevado: gestos de superação, poesia, arte, beleza? Havemos
de aprender a lidar com nossas dores, sim. E com nossas frustrações e
impotências. Mas também com nossas alegrias, nosso prazer, nossa satisfação,
nossa saúde! E, de tudo isso, viver poesia, do modo como tenhamos condições,
com a matéria de que dispusermos. Com uma pitada de loucura pois, como muito
bem nos advertiu o poeta de muitos eus, Fernando Pessoa, "sem a loucura,
que é o homem mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?"
Não vou citar o autor do tal livro, especificamente, pois a expressão
“ostra feliz não faz pérolas” é recorrente entre as pessoas, e integra o
repertório daqueles que se disponham a consolar gentes entristecidas por alguma
dor intensa de que sejam acometidas. Pessoalmente, prefiro a outra pérola (com o perdão do trocadilho): "calma, não há bem que sempre dure, nem há mal que nunca acabe..."
Não deixando de ter em consideração (a mais alta delas) a boa
intenção de gestos solidários signatários de tais sentenças, ainda e assim, não posso me negar ao convite (não menos solidário): vamos lá, minha gente, deixem as ostras em
paz!
quinta-feira, 12 de junho de 2014
Animais humanos...
Quando olho um gato, ou uma coruja, e eles me olham, nosso
assunto se estabelece de bicho para bicho: o bicho que eu sou e o bicho que
eles são. Acho que isso tem me deixado meio inquieta com essa onda na linha cut cut com os animaizinhos. Quaisquer animaizinhos. É quase uma histeria coletiva,
que resulta de uma ilusão de defesa dos direitos dos animais. Contudo, tanto a
defesa desses direitos quanto o comportamento cut cut com os animais deixam de levar em consideração duas coisas
fundamentais: gatos, cachorros, pássaros, patos, cobras, elefantes, minhocas
não são humanos! São gatos, cachorros, pássaros, patos, cobras, elefantes,
minhocas... têm lá suas próprias formas de se instalar e interpretar o mundo. Aliás,
formas inacessíveis para nós, e nem por isso menos complexas, menos válidas, ou menos efetivas. Nós, da espécie humana, somos tão animais quanto qualquer um deles. Por
isso mesmo não somos melhores que nenhum leão, ou bactéria. Eles não são dignos de
respeito por cultivarem alguma moral humana, ou capacidade de afeto que se
aproxime da humana. Ao contrário: sua força está em sua dimensão animal não-humana!
Por isso mesmo, não deveríamos, em nome de nos colocarmos de igual para igual,
trazê-los para o nosso habitat e
impingir-lhes o nosso modo de vida. Aliás, havemos de lembrar, também, que os
discursos recorrentes em defesa dos seus direitos fundam-se em argumentos
humanos, e não caninos, felinos, paquidérmicos... Do mesmo modo, o modo cut cut de cuidar dos animaizinhos
também os força a sair de suas próprias dinâmicas, para se submeterem ao modus vivendi cut cut dos humanos. Eles, por sua
vez, adaptam-se, para sobreviver. Submetem-se às roupas humanas, os seus
banhos, os shampoos, os odores, os alimentos, as esquizofrenias, à desrazão
humana, para assegurarem-se vivos.
Sabe-se lá como!
quarta-feira, 11 de junho de 2014
terça-feira, 10 de junho de 2014
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