terça-feira, 28 de junho de 2011

Corujinha com frio



No friozinho da tarde, nada melhor do que um pouquinho de sol para aquecer as penas,
 tão bom, que os olhinhos quase se fecham, deixando só uma frestinha...
 mas não se enganem: os sentidos estão atentos a tudo quanto se passe em torno!


segunda-feira, 27 de junho de 2011

Nunca fui muito afeita às paixões avassaladoras



Nunca fui muito afeita às paixões avassaladoras. Desconfio dos amores que tomam de assalto. Posso até ceder a eles, mas, para isso, precisam permanecer no tempo, serem portadores de alguma persistência. E os fios vão se enlaçando devagar, quase sem se perceber. Os fios são sempre delicados, delgados, frágeis. Na repetição ganham consistência, se fortalecem. Prefiro o morno aconchego dos fins de tarde entre murmúrios, aos gritos explosivos da embriaguez desmedida.

Talvez por isso eu esteja, no mais das vezes, mais só do que pareça. Talvez por isso meus amores tenham os ares de vida toda. E tenham sido tão poucos. Talvez por isso, naquela noite eu estivesse distraída, divertindo-me em observar os movimentos e as manifestações intensas de afeto e paixão. Afinal, um sarau de poesia no porão de um espaço chamado Cozinha das Almas não poderia ser ameno, em tons pastéis. No palco, revezavam-se poetas vindos dos quatro cantos do país, recitando suas produções. Música, dança e outros números desfilavam sob a luz avermelhada do ambiente.


Uma moça de pele clara e cabelos negros notou-me. Poetiza, movida a encantamentos, cercou-me de gestos afetuosos, versos, e risos rasgados. Deixou-se enlevar pelas falas do meu companheiro, e reuniu-se a nós, determinada a tornar-se amiga e confidente de infância. Eu ria. Seu arroubo me empurrava à posição defensiva. Determinada a ouvir, perceber, mais do que ganhar a linha de frente de qualquer colóquio, eu a acompanhei no seu percurso, atenta aos seus movimentos, o timbre de sua voz, o olhar. Ao transbordamento de suas emoções.

No dia seguinte, nos procurou, e reafirmou seu encantamento por mim. No ano seguinte, retornou, mais apaixonada ainda por seu amado, e também por mim. Entre um evento e outro, havíamos nos falado ao telefone. Ensaiávamos alguma aproximação, na qual ela tinha mais pressa que eu. No segundo sarau de que participei, brinquei mais, cheguei a cantar. E ela declamou um poema de improviso para mim, que, sem registro escrito, perdeu-se na vibração de todas as outras falas misturadas no grande salão.

Antes de partirem, estiveram conosco ela e seu amado, em nossa casa: o passo definitivo para os acolhermos em nossa privacidade. Passamos a nos falar com alguma regularidade. Naquele ano ela retornou uma ou duas vezes, e esteve conosco por longas horas de entusiasmo. Compartilhando memórias, utopias, sonhos. Tudo parecia muito pouco para o tamanho de sua fome e sua urgência. Ela precisava sempre de maior intensidade. Eu a acompanhava com vagar, e a acolhia em sua inquietação.

Até que intimidades começaram a se derramar: segredos, medos, angústias, sustos, silêncios inconfessos pulularam entre as expressões de alegria e afeto. E foram acolhidos com o mesmo cuidado e vagar. O desnudamento parece tê-la assustado mais que a mim. Não sei ao certo. O fato é que se espantou, partiu sem retornar, nem dar notícias. O vento intenso de sua passagem ainda movia algumas galhagens em mim, mas ela já não estava, não estaria, não voltaria a estar.

Não mais tive notícias suas. Seu amor intenso esvaiu-se. Perdeu-se. E ela de mim.

Nunca fui mesmo muito afeita a paixões avassaladoras.



sexta-feira, 24 de junho de 2011

Instauração do olhar



A pequena, com quatro meses de vida, tentava se acomodar no colo da mãe, entre bordados, tecidos, gentes que não lhe eram familiares, e a temperatura pouco confortável da sala de aula. Estava inquieta, insatisfeita. Resmungava. Eu, que fotografava os objetos, as pessoas e seus movimentos, encontrei, na lente da câmera, seu rostinho contrariado. No mesmo instante ela também localizou a lente, e sorriu-lhe. Sustentou o olhar. Fiz o registro. Na sequência, dissimulei fotografar outras coisas, saí de seu campo de visão, retornando alguns minutos depois. Novamente, quando percebeu a lente apontada para ela, empinou-se no colo da mãe, olhou diretamente para a câmera, e sorriu. Fez pose para a foto. Mais que isso, estendeu o braço frágil, apontando os dedinhos em sua direção.

Alguém, muito pertinentemente, observou, entre risos: "Hoje em dia, quando uma criança nasce, antes mesmo de ter o cordão umbilical cortado, já é fotografada!"

De fato. Não faz muito, a fala constituia uma das primeiras instituições sociais a abrigar quem acaba de nascer, deflagrando o processo de instauração do sujeito sociocultural em formação. Século XXI adentro, as imagens ocupam esse lugar, registrando, traduzindo cada instante de seus quotidianos, conformando suas subjetividades. No ato de chegada ao mundo social, o contato com as imagens antecede o abrigo do colo materno, a voz que inaugura o nome, o leite do seio que acolhe e alimenta.




O encantador de macacos





sexta-feira, 17 de junho de 2011

Frio nos pés


... depois de uma breve pausa, ela contou que durante muitos anos desejou, em segredo, se separar do marido. Mas temia o que pudesse acontecer depois. Pensava, principalmente, que à noite, quando se deitava, sentia muito frio nos pés, e sempre ficava esperando por ele para vir aquecê-los. Como faria, sem ele? Ao fim, separou-se, e nunca mais sentiu frio nos pés, uma noite sequer.



quinta-feira, 16 de junho de 2011

Lola



Lola, minha vizinha galhofeira,
 que torna mais colorida a sonoridade das manhãs e dos fins de tarde.
 Looooolaaaa! Dá o pé, Lola? 



quarta-feira, 15 de junho de 2011

Último dia da intervenção artística Tramas à beira dos caminhos - 15 de junho de 2011



Trouxemos nossos fios, retalhos, cores, imagens, pausas...   À beira dos caminhos, encontramos parceiros, compartilhamos histórias, tecemos afetos, deixamos marcas. Quem passa pelos caminhos, pode vê-las.  De alguma forma, elas também seguem conosco:
memórias que tomam parte daquilo que somos, ou pensamos ser.



sábado, 11 de junho de 2011

Ipês em flor


                                            Foto: Ruth dos Santos Martins


Em frente à janela da sala, os ipês multiplicam cachos de flores em delicadas pétalas cor rosa. Breve é o período da floração. Mais breve ainda se torna, quando as pequenas maritacas descobrem as árvores floridas, e vão, aos bandos, em busca do néctar que podem saborear, tirado da base do cálice de cada flor.

Todos os anos, nessa época, minha mãe se desdobra entre o encantamento com as flores, e as tentativas, sempre frustradas, de afastar as maritacas, que são muitas, e rapidamente desfazem muitos cachos.

Joana observa tudo, e explica: “... você precisa ver, as bichinha, de ponta cabeça, desce pelo galhinho, e entra no meio da tochinha de flor, e debulha elas tudinha! Nem conversam! Trabalham caladinhas, sem fazer barulho, sabidas que são! O chão chega fica forradinho de flor...

                                                                 Foto: Ruth dos Santos Martins




libertas que sera tamen



Quando era moça, tinha o pai, autoritário, a quem devia obediência, à revelia de seus desejos e inquietações. Sonhava, então, com o príncipe encantado que viria libertá-la do jugo paterno. Ele veio. Quando se casou, descobriu-se numa condição pior: além de dever obediência ao marido, igualmente autoritário, "tinha que dormir com ele"... Depois vieram os filhos, que lhe absorveram a atenção, o zelo, e a vida. Sua libertação, afinal, só veio muito mais tarde, quando ficou viúva, e os filhos já criados seguiram seus caminhos, foram tratar de suas vidas. O viço da juventude sequer lhe fez falta, movida pela alegria de aprender e viver tudo quanto lhe fora interditado até então, com a urgência de quem não tem mais a vida toda pela frente, e o espanto da criança diante de cujos olhos se descortina o mundo!





quinta-feira, 9 de junho de 2011

Tramas à beira dos caminhos - 2º dia de intervenção


Estendeu-se a área de intervenção... mais pessoas aderiram ao trabalho... múltiplas texturas, cores, formas, experimentações...



Alguns ajudantes voluntários...



... e outros observadores discretos...





segunda-feira, 6 de junho de 2011

Noturno



Na madrugada, os gritos pedindo socorro ecoaram pela rua, entraram pelas casas, e atravessaram os sonos. A moça corria de uma calçada à outra. Parecia alucinada. Apelava por ajuda, queria testemunhas contra a ação da polícia, alegava nunca ter roubado, nem matado, nem feito qualquer coisa errada. Várias janelas abriram-se na vizinhança, algumas luzes se acenderam. Do vão, entre os prédios, eu podia avistá-la, um pedaço do seu carro parado no meio da rua, e os reflexos das luzes vermelhos de prováveis carros da polícia, estes já fora do meu campo de visão. Ouvi uma senhora telefonando para a emergência, e outra pessoa advertindo-a quanto ao fato de que já haveria três viaturas no local.

Na madrugada, a moça correu rua afora, pensei que fosse evadir-se do local. Voltou, em seguida, aos prantos. “Vocês vão levar meu carro?” Pegou a bolsa, no banco de trás. Avistei, então, um policial, em atitude paciente, gesto cuidadoso, que lhe pedia as chaves do veículo. Ela se encaminhou para trás de um dos edifícios. Não mais ouvi sua voz. Não voltei a vê-la. Pouco tempo depois, uma das viaturas seguiu, e um caminhão de guincho encostou. Não demorou, e o carro era levado dali, empoleirado na carroceria do caminhão.

Na madrugada, o silêncio retomou seu passeio pelas ruas. As luzes, nas residências, apagaram-se, umas após as outras. Passado o sobressalto, cada um tentou retomar o caminho do sono, e dos sonhos. Uns demoraram-se um pouco mais, outros um pouco menos.


Na manhã, a luz do sol, o vôo dos pássaros, o movimento e os barulhos da cidade tomaram o espaço, a rua, e as calçadas. Indiferentes aos possíveis ecos, que ainda pudessem reverberar, dos pedidos de socorro, ou dos sobressaltos.






mariposa





sábado, 4 de junho de 2011

sombrinha amarela



... porque, às vezes, faz frio, e estou só, e falta um pouco de sol para me aquecer...


Eduardo Galeano

Bruno, e uma experiência inaugural com o sentimento de perda



Já se passaram muitos anos. O zelador do edifício onde eu morava tinha um casal de filhos. A menina, mais velha, já era nascida quando a família se instalou ali. O menino nasceu depois, na residência pequenina, de poucos e apertados aposentos, a eles destinada. Eu mesma providenciei a muda de roseira branca para plantar na cova em que a mãe recém parida entrerrou seu cordão umbilical. A roseira não demorou a brotar folhas novas, e dar flores. Vicejou com ele. Logo pude ouvir seus gritinhos vibrantes, e testemunhar seus primeiros passos. Começamos, então, a brincar. Eu e meu amigo Bruno, correndo entre os pilotis do prédio.


O menino tinha quatro anos quando eu me mudei dali. Iniciada a movimentação com caixas, móveis, malas, sacolas, tantas tranqueiras que acumulamos no decurso do tempo, Bruno ficou agressivo. Gritava comigo, jogava-se no chão, chorava, esperneava. Nos dias subsequentes à mudança, retornei várias vezes, e fui ter com eles. Bruno mostrava-se mau-humorado, arredio, sem disposição para interagir comigo. Com o passar dos dias, aos poucos, retomou algumas conversas engraçadas, e até ensaiou umas risadas. Mas nunca mais voltamos a brincar como crianças entre os pilotis. Um pequeno vazio instalara-se, indelével, em seu coraçãozinho. No meu, também.





Das (des)humanas crueldades


Nos jardins do prédio onde mora minha mãe, apareceu um gambazinho. Pouco menor que um gato, como o bichinho chegou até ali, ninguém sabe. Espírito aventureiro, andarilho urbano. Desafortunadamente, deparou-se com os funcionários do edifício, que resolveram divertir-se a persegui-lo. Quatro homens e uma mulher cercavam o pequeno animal, que corria desnorteado. Batiam nele. Deixavam-no escapulir, para alcançá-lo novamente. Por vezes, ele conseguia chegar até uma árvore próxima. Subia um pouco, para ser puxado de volta pelo rabo. E já estava ele, novamente, na arena dos horrores. Exausto, o gambazinho arrastava-se entre os risos de seus algozes.

Agoniada com o que viu, em vão, minha mãe pediu várias vezes que o deixassem em paz. Após algum tempo, parece terem se entediado da brincadeira. Resolveram, então, atender aos seus pedidos. Mais tarde, ela o avistou, que dormia, frágil, entre as folhas de uma palmeira próxima... Temeu por ele... temeu por todos os pequenos, os fracos, vulneráveis à sanha cruel das covardias e desfaçatezas humanas... 



quinta-feira, 2 de junho de 2011

Tramas à beira dos caminhos: primeiro dia de ação


Campus II da UFG, dia primeiro de junho de 2011, à tarde
Grupo Teia, Instituto Kaapikongo, estudantes da Oficina dos Fios, artistas, professores, curiosos, macaquinhos... Coordenação: Alice Fátima Martins



Porque é preciso encontrar as pessoas, caminhar juntos, e deixar marcas pelos caminhos...