sábado, 21 de março de 2015

Paula e Bebeto




Paula e Bebeto (Milton Nascimento)

Vida vida que amor brincadeira, vera
Eles amaram de qualquer maneira, vera
Qualquer maneira de amor vale a pena
Qualquer maneira de amor vale amar

Pena que pena que coisa bonita, diga
Qual a palavra que nunca foi dita, diga
Qualquer maneira de amor vale aquela
Qualquer maneira de amor vale amar
Qualquer maneira de amor vale a pena
Qualquer maneira de amor valerá

Eles partiram por outros assuntos, muitos
Mas no meu canto estarão sempre juntos, muito
Qualquer maneira que eu cante esse canto
Qualquer maneira me vale cantar

Eles se amam de qualquer maneira, vera
Eles se amam é p'ra vida inteira, vera
Qualquer maneira de amor vale o canto
Qualquer maneira me vale cantar
Qualquer maneira de amor vale aquela
Qualquer maneira de amor valerá

Pena que pena que coisa bonita, diga
Qual a palavra que nunca foi dita, diga
Qualquer maneira de amor vale o canto
Qualquer maneira me vale cantar
Qualquer maneira de amor vale aquela

Qualquer maneira de amor valerá







quarta-feira, 11 de março de 2015

plataforma para saltar

Algumas coisas eu aprendi a fazer ou fiz pela primeira vez tardiamente. Por exemplo, comecei a andar de bicicleta aos 28 anos. Foi quando também levei o primeiro tombo. Afinal, só se aprendeu, de fato, a andar de bicicleta depois de se ter levado um tombo, daqueles "tipo completo". 

Hoje, depois dos 52 anos, pela primeira vez, pulei de uma plataforma dentro da piscina de saltos. 

Meus coleguinhas, todos com seus 11, 12 anos, estavam agitados com a possibilidade de saltar. Mais ponderada, comecei a fazer os 300m iniciais da aula, para aquecimento. Terminados, o professor chamou Vem saltar também! Eu não! foi o que respondi. Venha sim! Obedeci. Na verdade, obedeci porque estava mesmo querendo saltar, ainda que sentisse uma pontinha de receio. Subi à primeira plataforma, com modestos 2m de altura. Olhando lá de cima, parece mais alto. A água azul tremulando lá embaixo. Respirei fundo e avancei. O chão faltou sob os pés. Logo senti o impacto do corpo contra a água. Mergulhei. Depois de afundar, o corpo começou a subir. Perto da tona, soltei o ar. Logo estava com a cabeça fora da água. E o corpo em festa. Eu ria como criança. Saí do tanque, pronta para outro salto. Que alegria!

Depois do terceiro, pulo, voltei à piscina olímpica, completar os 800m metros de nado, que havia proposto como meta do dia. Ao final, as crianças estavam muito agitadas com a aventura. Alguns meninos tinham pulado da plataforma de 6m, outros alternaram entre 2m e 4m. Apenas a pequena Joly tinha ficado na plataforma de 2m, olhando a piscina, sem coragem de lançar-se. Ela chegava até a borda, com ímpetos de pular, olhava para baixo e recuava, tremendo de medo. Eu quero muito ir, mas tenho muito mais medo do que quero... Ao final, desceu da plataforma, ouvindo os relatos dos colegas que tinham se arriscado um pouco mais.

O professor ria das histórias. Depois confessou à Joly: Dá medo mesmo... eu mesmo não pulo: tenho medo de altura...

Da próxima vez, talvez eu pule da rampa de 4m.




segunda-feira, 9 de março de 2015

Alinhavos de pensamento sobre conjuntura política, dia internacional da mulher, e outras contingências...


Na sociedade brasileira, marcadamente machista, a cada 12 segundos uma mulher é vítima de violência! Para piorar o quadro, os dados estatísticos vão sendo naturalizados, perdendo gradativamente a capacidade de chocar ou causar indignação.

O machismo, que abriga dados tão impressionantes, consolida-se desde a socialização primária, propiciada às crianças, no ambiente doméstico. No seio da família, meninas e meninos recebem diferentes atribuições, tipos de cobranças, punições, desenvolvendo-se em função de diferentes expectativas.

Isto pode ser traduzido em termos corriqueiros, em aspectos simples do quotidiano. Quantas traquinagens dos meninos são relevadas, enquanto não se admitem as mesmas traquinagens quando levadas a cabo pelas meninas? Advertências e punições para traquinagens de mesma natureza variam de acordo com seus autores, sejam meninas ou meninos. E isto pode ser constatado mesmo entre famílias consideradas esclarecidas, com boa formação cultural e altos níveis de escolarização. Nestes casos, essas diferenças passam a ser dissimuladas em justificativas mais sofisticadas, apoiadas em discursos pseudointelectualizados e politizados.

Aquilo que pode ser observado como traço marcante nos ambientes familiares pode também ser projetado, preservadas as relações de proporcionalidade e complexidade, aos contextos institucionais, do mercado de trabalho, e das instalações políticas.

Por esta via, chego ao episódio ocorrido no dia 8 de março de 2015, em relação à vaia-panelaço em resposta ao pronunciamento, em rede nacional, da presidente brasileira.  Não parece termos saído, ainda, do seio familiar, onde meninos são autorizados a cometer traquinagens (até espera-se deles que as cometam), enquanto meninas são tratadas com mais rigor quando o façam.

Não consigo observar os discursos inflamados, os dedos em riste acusatórios, a fogueira já pronta para ser acesa, endereçada à presidente brasileira (escolho adotar a escrita presidente), sem constatar o alto teor machista, até misógino, que os contextualiza. O mesmo cenário, liderado por um homem, teria tratamento diferenciado, sem dúvidas.

Faço a ressalva: estas considerações não têm a intenção de minimizar responsabilidades, de desviar o foco do quadro grave de corrupção que afeta todos os recantos da estrutura política brasileira, nos âmbitos legislativo, executivo e judiciário, à esquerda, à direita e no cento. Alio-me à população preocupada com os desdobramentos deste momento, apreensiva quanto às nuvens escuras que se assomam em torno. Contudo, não posso deixar de ter em conta que, em meio a este temporal, as mãos de ferro recaem com peso extra sobre a liderança que responde pelo poder executivo, sobretudo, pelo fato de ser uma mulher.

Essa mulher não poderia ser perdoada, mesmo em relação aos pecados que porventura não tenha cometido, pelo mero fato de ser mulher, atrevida a meter-se em assuntos e traquinagens permitidas apenas a homens. No dia internacional da mulher (a letra minúscula é intencional), castigo inclemente a ela! A ela serão, reiteradamente, endereçadas formas diversas de violência, somando-se a todas as demais que compõem as estatísticas vigentes, terríveis, amedrontadoras, endereçadas às demais mulheres brasileiras. Até que os homens da família/pátria (que não é mátria, e eu queria que fosse frátria...) sintam-se vingados, e retomem o lugar seu de direito. Com a chancela masculina, e também de todas as mulheres que os pariram, os criaram e os educaram para subjugá-las...

Y así pasan los dias...






domingo, 8 de março de 2015

Províncias e provincianos


O Capitão Pedro era o líder do grupo mamaindê, no posto indígena que levava seu nome: PI Capitão Pedro. Homem de meia idade, estava sempre atento às notícias de fora, sem perder os pés firmes em seu chão. Foi assim que, um dia, me perguntou como funcionava esse negócio do botijão de gás. Sentados, conversando na cozinha do posto indígena, eu expliquei que, quando o gás daquele botijão acabasse, ele seria levado para a cidade, para ser trocado por outro, cheio, nas lojas especializadas. Ele insistiu: eles vão encher esse de novo? Expliquei que provavelmente eles encheriam esse, sim, mas que eu não traria esse em específico: eu traria outro que já estivesse cheio; depois, outra pessoa levaria esse, já cheio. Ele pensou um pouco a respeito, e sentenciou: então você é dona de um botijão, mas não desse; o que você compra é o miolo dele... 

Eu me encantava com sua capacidade de síntese, ao lado de sua curiosidade a respeito das coisas de fora, desconhecidas para ele.

Numa tarde, ele me chamou. Disse que queria me mostrar uma coisa. E me entregou uma bíblia resumida escrita em língua nhambikwara. Nos anos 70, os vários grupos identificados pela FUNAI com o mesmo nome de nhambikwara foram dados como extintos pelo Estado. O antropólogo norte-americano Paul David Price dedicou-se a defender os sobreviventes, reunir os grupos, fortalecê-los, e estabelecer as condições para a demarcação da área. 

Mas, antes dele, missionários de uma organização denominada Wycliffe Bible Translators, ou Summer Institute of Linguistics (SIL), já tinham começado a atuar com os grupos nhambikwara. Foi Peter Kingston que deu início aos estudos da língua Mamaindê, entre os nhambikwara do norte. Aquele exemplar da bíblia resultara desse trabalho. 

Mal eu pensei em formular algum comentário em relação àquele objeto em minhas mãos, ele se antecipou: Nesse livro, está escrita a história que o seu povo conta sobre o mundo. Meu povo também tem uma história sobre o mundo, que é diferente da sua. E eu vou contar para você.

Confesso que me restaram à lembrança apenas fragmentos da história que ele contou. Naquele momento, a principal lição já tinha sido dada, e eu me encontrava impactada por ela. Uma lição sobre alteridade, sobre como podemos compreender os nossos lugares no mundo, sem perder de vista a pluralidade desse mundo, e os lugares dos outros nele.

No centro de sua aldeia, Capitão Pedro era um cidadão cosmopolita.




domingo, 1 de março de 2015

Em tempos de zap zap


Dona Dirce trabalha como diarista, de segunda a sábado, em três residências no centro da cidade. Sai de casa, todos os dias, às 5h da manhã, rumo à parada de ônibus. Já no caminho, vai encontrando as amigas. Estrategicamente, mantêm-se em grupo, para evitar maiores riscos em função da violência urbana, principalmente nas periferias mais distantes.

Dona Dirce é alta, sorridente, gesto amplo, conta histórias, faz graças, conversa com todos. É dessas gentes que agregam as pessoas, estabelecendo vínculos de afeto. Para cada um, tem uma pergunta, dá uma notícia, faz um afago. No ônibus, do motorista ao passageiro sentado na última poltrona, conversa com todos. Assim, nem vê o tempo passar. 

Quase duas horas depois de ter saído de casa, ela desembarca nas cercanias de seu trabalho. No meio da tarde, segue de volta, reencontrando alguns companheiros da manhã, e revendo outros velhos conhecidos com quem só partilha a viagem de volta. Conversam sobre os afazeres do dia, e os planos para a vida. Divertem-se.

Sentada numa banqueta da cozinha, enquanto toma um gole de café, ela me conta que as coisas andam mudadas. “A mulherada, agora, só anda é com a cabeça baixa, esfregando aquele dedo no celular. É o tal do zap zap! Professora, é um silêncio que só, naquele ônibus! Ninguém conversa mais! De vez em quando, uma solta uma gaitada, rindo sozinha, que parece até louca. Eu só fico olhando, e achando graça. Eu, que nem tenho esse zap zap, né, professora?”

Ultimamente, quando consegue viajar sentada, Dona Dirce até tira uns cochilos ao longo do percurso. Coisa que ela nem pensava em fazer, antes do advento do zap zap...