O Capitão Pedro era o líder do grupo mamaindê, no posto
indígena que levava seu nome: PI Capitão Pedro. Homem de meia idade, estava
sempre atento às notícias de fora, sem perder os pés firmes em seu chão. Foi
assim que, um dia, me perguntou como funcionava esse negócio do botijão de gás.
Sentados, conversando na cozinha do posto indígena, eu expliquei que, quando o
gás daquele botijão acabasse, ele seria levado para a cidade, para ser trocado
por outro, cheio, nas lojas especializadas. Ele insistiu: eles vão encher esse
de novo? Expliquei que provavelmente eles encheriam esse, sim, mas que eu não
traria esse em específico: eu traria outro que já estivesse cheio; depois,
outra pessoa levaria esse, já cheio. Ele pensou um pouco a respeito, e
sentenciou: então você é dona de um botijão, mas não desse; o que você compra é
o miolo dele...
Eu me encantava com sua capacidade de síntese, ao lado de sua
curiosidade a respeito das coisas de fora, desconhecidas para ele.
Numa tarde, ele me chamou. Disse que queria me mostrar uma
coisa. E me entregou uma bíblia resumida escrita em língua nhambikwara. Nos
anos 70, os vários grupos identificados pela FUNAI com o mesmo nome de
nhambikwara foram dados como extintos pelo Estado. O antropólogo
norte-americano Paul David Price dedicou-se a defender os sobreviventes,
reunir os grupos, fortalecê-los, e estabelecer as condições para a demarcação
da área.
Mas, antes dele, missionários de uma organização denominada Wycliffe Bible
Translators, ou Summer Institute of Linguistics (SIL), já tinham começado a atuar com os
grupos nhambikwara. Foi Peter Kingston que deu início aos estudos da língua
Mamaindê, entre os nhambikwara do norte. Aquele exemplar da bíblia resultara
desse trabalho.
Mal eu pensei em formular algum comentário em relação
àquele objeto em minhas mãos, ele se antecipou: Nesse livro, está escrita a
história que o seu povo conta sobre o mundo. Meu povo também tem uma
história sobre o mundo, que é diferente da sua. E eu vou contar para você.
Confesso que me restaram à lembrança apenas fragmentos da história
que ele contou. Naquele momento, a principal lição já tinha sido dada, e eu me
encontrava impactada por ela. Uma lição sobre alteridade, sobre como podemos
compreender os nossos lugares no mundo, sem perder de vista a pluralidade desse
mundo, e os lugares dos outros nele.
No centro de sua aldeia, Capitão Pedro era um cidadão cosmopolita.
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