Na sociedade brasileira, marcadamente machista, a cada 12
segundos uma mulher é vítima de violência! Para piorar o quadro, os dados estatísticos vão sendo
naturalizados, perdendo gradativamente a capacidade de chocar ou causar indignação.
O machismo, que abriga dados tão impressionantes,
consolida-se desde a socialização primária, propiciada às crianças, no ambiente
doméstico. No seio da família, meninas e meninos recebem diferentes
atribuições, tipos de cobranças, punições, desenvolvendo-se em função de
diferentes expectativas.
Isto pode ser traduzido em termos corriqueiros, em aspectos
simples do quotidiano. Quantas traquinagens dos meninos são relevadas, enquanto
não se admitem as mesmas traquinagens quando levadas a cabo pelas meninas?
Advertências e punições para traquinagens de mesma natureza variam de acordo
com seus autores, sejam meninas ou meninos. E isto pode ser constatado mesmo
entre famílias consideradas esclarecidas, com boa formação cultural e altos
níveis de escolarização. Nestes casos, essas diferenças passam a ser dissimuladas em justificativas
mais sofisticadas, apoiadas em discursos pseudointelectualizados e politizados.
Aquilo que pode ser observado como traço marcante nos ambientes
familiares pode também ser projetado, preservadas as relações de proporcionalidade e
complexidade, aos contextos institucionais, do mercado de trabalho, e das
instalações políticas.
Por esta via, chego ao episódio ocorrido no dia 8 de março
de 2015, em relação à vaia-panelaço em resposta ao pronunciamento, em rede
nacional, da presidente brasileira. Não
parece termos saído, ainda, do seio familiar, onde meninos são autorizados a
cometer traquinagens (até espera-se deles que as cometam), enquanto meninas são
tratadas com mais rigor quando o façam.
Não consigo observar os discursos inflamados, os dedos em
riste acusatórios, a fogueira já pronta para ser acesa, endereçada à presidente
brasileira (escolho adotar a escrita presidente), sem constatar o alto teor
machista, até misógino, que os contextualiza. O mesmo cenário, liderado por um
homem, teria tratamento diferenciado, sem dúvidas.
Faço a ressalva: estas considerações não têm a intenção de
minimizar responsabilidades, de desviar o foco do quadro grave de corrupção que
afeta todos os recantos da estrutura política brasileira, nos âmbitos
legislativo, executivo e judiciário, à esquerda, à direita e no cento. Alio-me
à população preocupada com os desdobramentos deste momento, apreensiva quanto
às nuvens escuras que se assomam em torno. Contudo, não posso deixar de ter em
conta que, em meio a este temporal, as mãos de ferro recaem com peso extra sobre a
liderança que responde pelo poder executivo, sobretudo, pelo fato de ser uma
mulher.
Essa mulher não poderia ser perdoada, mesmo em relação aos pecados que porventura não tenha cometido, pelo mero fato de ser mulher, atrevida a meter-se em assuntos e traquinagens permitidas apenas a homens. No dia internacional da mulher (a letra minúscula é intencional), castigo inclemente a ela! A ela serão, reiteradamente, endereçadas formas diversas de violência, somando-se a todas as demais que compõem as estatísticas vigentes, terríveis, amedrontadoras, endereçadas às demais mulheres brasileiras. Até que os homens da família/pátria (que não é mátria, e eu queria que fosse frátria...) sintam-se vingados, e retomem o lugar seu de direito. Com a chancela masculina, e também de todas as mulheres que os pariram, os criaram e os educaram para subjugá-las...
Y así pasan los dias...
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