sábado, 31 de agosto de 2013

Primavera 2013


O inverno já vai se pondo
Por detrás dos verdes montes
Dando vez à Primavera
Que já brilha no horizonte.

O clima começa mudar ...
A natureza...brotar e florescer...
Com a chegada da Primavera
Aumenta a alegria de viver.

Das quatro estações do ano
Eu, entre sonhos e planos,
Aguardo feliz a Primavera.
  Em criança ouvia falar:
  “A Primavera já vai chegar” ...
   Ansiosa eu queria saber quem era.

Com os anos se passando
E a minha idade aumentando
Alcancei a doce realidade.
Hoje admiro a Primavera,
Desejo a todos, deveras,
Que ela só traga felicidade.

Que a Primavera faça brotar,
Crescer e reflorescer, desabrochando
Em cada coração amigo a mais bela
Flor da amizade, da paz e muita alegria.

Feliz Primavera a todos.
Abraços carinhosos.


Alice Vieira Martins
Acadêmica da ALB/DF
        Brasília (DF), setembro de 2013.       








quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Quando a ordem é transgredir



Quando a ordem é transgredir, qualquer ato de transgressão não passa de obediência.

Não transgredir configura, então, ato de transgressão.

No entanto, a transgressão implicada na não-transgressão acaba, também, sendo uma forma de atender à palavra de ordem – que é transgredir.

Ou seja, o ato de obediência, traduzido nos atos de transgressão, submisso à ordem estabelecida, consiste no ato de transgressão possível. 

Ou não?





Defesa de dissertação: Juan Sebastian Ospina Álvarez

Dia 30 de agosto, às 17h, horário de Brasília, se realizará a banca de defesa da dissertação de Juan Sebastian Ospina Álvarez, na Universidad de Caldas, Colômbia.







terça-feira, 27 de agosto de 2013

Sobre os letreiros projetados no telão, ao final do filme


Mal as luzes foram apagadas e as imagens começaram a jorrar sobre o telão, imersa no escuro, deixei-me levar pelo ritmo, pela dança das personagens, pelas luzes, pelas falas, pela música, pela história do filme, durante os quase 120 minutos. Esqueci-me do lugar onde estava, abandonei os sentidos ao conforto da poltrona, e fui seguindo o caminho apontado pelo cineasta. Findo o tempo diegético, os créditos do filme ocuparam o lugar da projeção, enquanto uma música prolongava as últimas impressões da narrativa. Rapidamente o público levantou-se e começou a sair da sala, enquanto os créditos ainda eram projetados, e a música continuava plangendo acordes pela sala. Algumas luzes foram acesas, e a sala saiu das sombras, para um ambiente de meia luz.

Aos poucos, todos saíram, e eu fiquei só na sala, enquanto os créditos continuavam a ser projetados. Um grupo de mulheres começou a recolher copos e outros objetos deixados pelas pessoas, que haviam comido pipocas e tomado refrigerantes durante a projeção. A sala precisava ser limpa para a próxima sessão. Na tela, depois de serem informados os nomes dos diretores, roteiristas, produtores, assistentes de direção, elenco principal, figurantes, direção de arte, fotografia, e outros profissionais que formam o time mais importante na realização de um filme, foram informados os maquiadores, os maquinistas, os motoristas, técnicos em geral, locações...

Meu olho corria, notava um e outro nome. Pensei que o ritual do cinema cuida de registrar os créditos de todos os operários da indústria de contar histórias com imagens sonoras em movimento. Mas ao público não interessa saber as funções mais humildes, mas não menos importantes, dessa usina. Interessa-lhes saber o nome do filme, do diretor, dos atores protagonistas, na melhor das hipóteses...

Mas dei-me conta, também, de que, ao observar os letreiros correndo no telão, ao som das últimas melodias que compõem a trilha sonora, faço o movimento de volta do tempo diegético para o tempo do quotidiano. A porta de retorno. A pausa necessária para degustar as impressões deixadas pela narrativa, e me recolocar nos dias e nas veredas que percorro pela cidade, pela vida. Levando, comigo, os ecos daquela história. De todas as histórias: essas que vivi, essas que ouvi, todas elas, que fazem parte de mim...




domingo, 25 de agosto de 2013

Bom mesmo é ter amigos especiais para celebrar momentos especiais!



Obrigada a cada um dos amigos queridos que compareceram à posse da poetisa Alice Vieira Martins na ALB/DF, no dia 22 último. Obrigada aos que, mesmo não podendo ficar até o final (e portanto não estão nesta foto), estiveram lá, e estão nos nossos corações. E também aos que não puderam comparecer, mas vibraram conosco, por essa alegria. 
Nossos votos de muita poesia em nossos caminhos, sempre!





sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Noite de gala: a celebração da poesia

A escritora e poetisa Alice Vieira Martins toma posse na Academia de Letras do Brasil/DF


 


 











A sessão solene de posse dos novos membros da Academia de Letras do Brasil/DF foi no dia 22 de agosto de 2013, no auditório Tom Jobim do Parla Mundi, sob a regência da sua Presidente, a Drª Vânia Diniz, ao lado do Vice-Presidente, o Dr Antônio Paulo Filomeno, e demais membros da diretoria. O Coral Alegria encantou com suas vozes. Auditório lotado. 

Na ocasião, foram empossados quatro escritores: Basilina Pereira, Marco Antunes, Maria de Lourdes Fonseca, e Alice Vieira Martins. Além da posse, foram feitas homenagens, outorgados títulos e formalizados agradecimentos a membros cujo trabalho tem contribuído para a atuação da entidade.





domingo, 18 de agosto de 2013

Batalla de los Niños, ou Batalha de Acosta Ñu


Não havendo mais homens que pudessem lutar, crianças foram enviadas para a frente de batalha. No dia 16 de agosto de 1869, 4000 crianças enfrentaram e foram mortas por 20.000 soldados brasileiros, naquela que ficou conhecida como a Batalla de los Niños, ou Batalha de Acosta Ñu, nos estertores da Guerra da Tríplice Aliança.







quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Cyrano de Bergerac, o cambacica, e algum sentido para o mundo...


De tempos em tempos me lembro de um diálogo antológico, de Cyrano de Bergerac, no romance intitulado Histoire comique des états et empires de la Lune, escrito em 1656, publicado no Brasil com o título Viagem aos impérios do Sol e da Lua. Ali, a personagem principal é prisioneira entre habitantes da Lua. Um dos companheiros de cela acusa a espécie humana de ser a mais soberba dentre as espécies animais, e defende a ideia de que todos os serem vivos sentem e pensam, até mesmo um pé de couve, ainda que não disponham dos mesmos recursos humanos para se expressar e defender seus pontos de vista. 

Cyrano de Bergerac é, ele próprio, uma personagem extraordinária, trazida ao conhecimento do grande público no texto de teatro escrito por Rostand há pouco mais de um século. Essa história foi, posteriormente, adaptada para o cinema em algumas versões bem populares. 

Em seus escritos, Bergerac faz um esforço bem interessante de deslocamento de pontos de vista: tenta imaginar sociedades fora do ambiente terrestre, e evocar reflexões como essa, que envolve o pé de couve. Não consegue, contudo, muito sucesso no projeto de escapar às malhas da velha visão de mundo européia, e suas instituições seculares, que pretende criticar.

Ah, o velho Savinien de Cyrano de Bergerac... 

Enquanto penso nesse lunático (no melhor dos sentidos!), ali, do lado de fora da janela, num galho da árvore, um passarinho bem pequenino canta e saltita... É um cambacica. A minha máquina fotográfica tem dificuldade para ajustar o foco automático, tão pequeno o espaço que ele ocupa no escaneamento da objetiva, com distância focal ajustada em 200mm. O trinado da avezinha enche a manhã. Pelo menos a minha manhã, que se inunda de som, sol e movimento. 

E, por um instante, o mistério se realiza. Durante uma fração de segundo, eu consigo perceber uma fração de sentido para a vida, e experimento uma breve lufada de felicidade. 

Em seguida, a pequena ave voa, levando consigo o sentido, qualquer um que fosse...



terça-feira, 13 de agosto de 2013

a vida? é bonita, é bonita!


- E a vida, meu querido? Tirando o que não está bom, sobra alguma coisa?
- Sobra! Sobra memória, e trabalho! (sorri) Memória e trabalho é bom, não é?

Conversa dessas de alentar a alma, com meu amigo Chiquinho.



segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Cultura escada abaixo...


Desci pela longa escada, para ter acesso à Secretaria de Cultura, do GDF. Sempre gostei de descer ou subir aqueles degraus, ao longo do paredão inclinado, que parece dar sequência à parede norte da estrutura piramidal do Teatro Nacional. O percurso integra aqueles que parecem saídos de alguma história fantástica, de algum filme demodê. Por isso, cheguei na plataforma inferior com o espírito contagiado pela sensação de ventura, de alegria. 

À portaria, o guarda foi gentil, indicando o guichê onde eu deveria dar entrada à documentação. Subi os lances da escada. O guichê desejado não era o indicado, mas outro. Fiquei ali, esperando. Três funcionários conversavam, ao fundo da sala, um rapaz novinho lia um folheto de propaganda. Ficou ali, lendo, por algum tempo. Depois me olhou, levantou, meio sem vontade, e veio me atender. Expliquei o que precisava fazer, entreguei toda a documentação, que ele levou, devagar, para um dos funcionários ao fundo da sala. O mais velho olhou para mim, pegou os documentos, e seguiu para uma mesa. Conferiu as diversas folhas, preencheu o recibo, carimbou, assinou, protocolou. O rapaz me trouxe o pedacinho de papel. Perguntei-lhe como eu poderia acompanhar a solicitação, e se havia previsão para sair o resultado. Ele me disse que isso não era com eles, e que eu buscasse o atendimento do setor pleiteado para saber. E apontou a porta.

Dirigi-me ao local indicado, onde dois rapazes aguardavam, em frente a um guichê. Não avistei ninguém na sala. Fiquei por ali, esperando. Olhei expositores, livros, fotografias, folhetos diversos. Retornei. Perguntei se eles já tinham sido atendidos por alguém. Disseram que sim. Um tempo depois, um rapaz veio, de outra sala, informando que o processo deles já estava em curso. Em seguida, entrou na sala. Os rapazes saíram. Ninguém veio até o guichê. Um jovem saiu da sala, e eu lhe pedi a informação. Ele sorriu, respondendo que trabalhava ali só há três semanas, e por isso não sabia responder à minha questão. Já às beiras da irritação, pedi que ele, então, fizesse a consulta a quem soubesse responder. Ele determinou que eu aguardasse, quando ele voltasse o faria. E se retirou.

Então o funcionário que dera a informação para os dois rapazes apareceu, e eu lhe repeti a pergunta. Ele me disse que aquele assunto não era da competência de seu setor, que todas as informações estariam disponíveis pela internet, e que eu tratasse de buscar na rede de computadores o que eu queria saber.

Sentindo que eu precisava manter a cabeça fria, não reagi de acordo com a vontade que me tomava as células àquele momento. No entanto, também, não fiquei ali, ouvindo aquilo tudo até o final. Despedi-me abruptamente, e fui fazendo o caminho de volta. Saí pela portaria, onde grupos de funcionários conversavam animadamente no calor vespertino. Subi a longa escada do paredão lateral, afastando-me dali, degrau a degrau. O vento bateu refrescando o calor causado pela subida longa e o sol escaldante de três horas da tarde.

Segui ao encontro do meu amigo Chiquinho, o Chiquinho da Livraria do Chiquinho, na Universidade de Brasília. Em meio ao maravilhoso caos de suas instalações, conversamos sobre livros, pessoas, histórias de vida. Saí de sua pequena loja com o humor restaurado. Mas essa é uma outra história, que merece um texto exclusivo. 

Quanto à Secretaria de Cultura? Bom... enquanto estiver em mãos de funcionários que executam suas competências com desvontade... enquanto se confundir cultura com burocracias e processos administrativos... enquanto os gabinetes estiverem distantes de onde os fazeres e os saberes fermentam... enquanto tudo acontecer assim, continuaremos desconfortavelmente nos sentindo meio desamparados, meio violados, quase desesperançados pelas políticas públicas...


PS.: Em tempo, preciso fazer uma ressalva, para não ser injusta. No mesmo dia, pela manhã, procurei atendimento nas instalações do Na Hora. Todo o procedimento foi ágil, as pessoas foram gentis, as informações necessárias foram prestadas, e as relações não foram impessoais, ao contrário. Saí dali sentindo-me respeitada, contente. 




T-Bone, um caso de amor entre cortes de carne e palavra impressa


Seguindo pela W-3, na parada de ônibus se avista um armário com livros de literatura. Estão meio em desordem, o que é um indicador saudável de terem sido manipulados pelos passantes, no tempo entre a espera e a pressa para não perder a condução.

As pequenas bibliotecas distribuídas nas paradas de ônibus da Asa Norte fazem parte do projeto Biblioteca Popular, assinado por Luiz Amorim, à frente do Açougue T-Bone. Meu vizinho. 

Essa relação entre cortes de carne e palavra impressa é antiga, e vai muito além de folhas de jornal a embrulhar o pedaço de carte que será preparado para o almoço. 

No começo, Luiz Amorim organizou uma pequena biblioteca dentro do açougue, para seus clientes lerem livros enquanto eram atendidos. A agência sanitária criou caso. Houve negociações. Chegaram a termo: o açougue poderia manter a biblioteca observadas certas condições, para que livro e carne não se contaminassem mutuamente. 

O açougue ampliou a linha de ações: incluiu saraus, shows de música, ações com artistas plásticos da cidade, bienais de poesia... Uma vez por ano, o açougue traz uma estrela da música brasileira para fazer o espetáculo. Já vieram Alceu Valença, Ivan Lins, Milton Nascimento... Então se fecha a rua. As quadras em torno ficam ilhadas com um mar de gentes à volta: carro que está dentro não sai, carro que está fora, não entra. Mas alguma irritação ante o desconforto (afinal, nem todos os vizinhos querem tomar parte da festa, e estão no seu direito...) passa logo, e no dia seguinte a loja de carnes retoma suas dimensões e funções quase normais, oferecendo os melhores cortes aos seus fregueses quotidianos. Não fosse a prateleira cheia de livros à porta da entrada, convidando a uma boa leitura, o disfarce estaria completo...

Vida longa ao T-Bone e seu mentor! Vida longa ao prazer de ler! Que esse encontro saudável entre cortes de carne e palavra impressa alimente e instigue outros bons encontros abertos a exercícios de cidadania!






sábado, 10 de agosto de 2013

Minhas quatro amigas meninas

ou Um quarteto fantástico em minha vida

Para Aninha, Lílian e Christina,
 e para Julinha que hoje faz aniversário.


Sou privilegiada por ter quatro amigas que, nascidas em épocas e lugares distintos, são portadoras do mesmo brilho nos olhos, da mesma inquietude, de espíritos irmãos.

A mais menina delas é Aninha, com quatro anos. Mais menina? Pensando melhor, acho que não... na verdade, a referência à idade cronológica não terá serventia para este relato. Sobre Aninha, então, vale dizer que é magricela, tem os cabelos longos e cacheados, saltita e conversa o tempo todo. A mãe lhe pediu, numa ocasião, que ficasse sem falar um pouquinho, pois estava sentindo necessidade de silêncio. Aninha fez um esforço sincero e amoroso. Passados alguns instantes, abraçou a mãe e cochichou ao ouvido que não conseguia controlar a boca querendo falar o tempo todo...

Aninha reinventa tudo à sua volta. Se não tiver brinquedos, ela pode dançar, traçando desenhos imaginários no ar. Afinal, o mundo pode ser um brinquedo. O mundo-brinquedo-de-Aninha, aliás, o mais interessante!

Da última vez que a vi, ao despedir-se, falou-me que seu aniversário estava ainda longe, mas queria que eu prometesse ir à casa dela para comemorarmos. Senti-me abraçada por Aninha, minha amiguinha.

Julinha, minha segunda amiga querida das quatro que lembro neste texto, faz aniversário hoje. Como Aninha, tem cabelos longos e cacheados, e é tagarela e inquieta. Pensando bem, acho que também tem por volta de uns quatro anos, ao menos na energia, no brilho dos olhos, na vontade de desvendar o mundo. Essa a razão de andar por aí, empunhando uma câmera, a captar a humanidade das pessoas, os sentidos do viver. Mas é na capacidade de indignação que Julinha tem mais prática que Aninha. Os grandes olhos se enchem d’água, e a voz embargada reclama da insanidade do mundo, do desamor das pessoas, da falta de justiça. Na verdade, Aninha também sente desconfortos com isso tudo, mas não sabe ainda falar sobre o desconforto, e manifesta-se com resmungos incertos, que os adultos preferem qualificar como manhas de criança. Em Julinha, a intensidade da indignação é a mesma do seu amor e disposição para viver e transformar esse mundo. O mundo-brinquedo-de-Aninha é também o lugar de construção, de expressão, de experimentação sensível para Julinha.

Experimentação sensível, construção, estabelecimento de redes de relação: o mundo-brinquedo-de-Aninha quase chega a ser pequeno para Lilian, com seu espírito e seus olhos de quatro anos. Os cabelos..., bem, seus cabelos são longos, bastos e belos. Terão sido, algum dia, cacheados? Não importa. Lilian, minha querida amiga que integra o quarteto das meninas brinca consigo, com o Jotinha, seu cão golden retriever, e com o mundo, e estabelece relações numa teia que, ao mesmo tempo, inclui, se estende, se multiplica, replica... Com o entusiasmo partilhado de Aninha e Julinha, labirinticamente ela vai falando, contando, lembrando. A certa altura já nem sei quem sou, onde ela está, do que estamos falando! Mas sigo, junto, porque confio nela, como confio em Aninha e Julinha. Além do mais, é divertido, é sensível, é denso. E fala ao coração. Como a dança de Aninha, e as fotos-grupos-perguntas-capacidade-de-indignação de Julinha. 

Em meio a isso tudo, é com minha querida menina Christina que fecho este quarteto, compartilhando perguntas sobre o mundo, o mundo-brinquedo-de-Aninha (ou seria sobre os mundos?)... hummm... talvez sejam as representações possíveis sobre os mundos... quem sabe as perguntas devam ser sobre nossas projeções a reconfigurar o que supomos sejam os mundos articulados em representações a serem verificadas por perguntas como a que Aninha faz a todo instante: por que? Do mesmo modo que Aninha, Christina não consegue parar: as perguntas lhe brotam aos jorros, como a própria vida. Mas não se iludam: Christina pode, momentaneamente, abandonar as perguntas sem respostas, com uma cambalhota metafísica no pensamento, para cantar um refrão de rock, enquanto marca o ritmo com o corpo dançante, pronto a fazer desenhos imaginários no ar. 

Um dia nos encontraremos, as cinco, para brincar e tagarelar, assim, soltas, sem compromissos com a razão, com as normas da ABNT, ou com as regras da escola. Tenho a impressão de que podemos, sim, fazer do mundo (ao menos o nosso mundo) um lugar mais lindo de se viver.




sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A sucuri, sua presa e a sociedade do espetáculo


Entre a vegetação ressecada do cerrado, a sucuri deu um bote certeiro sobre a presa, envolveu-a com o corpo de mais de 2m de comprimento, e foi engolindo devagar. Depois ficou ali, estendida, preparando-se para o longo processo de digestão do alimento que a nutriria por um bom período. Parecia o desenho do Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry: mais fina nos extremos, e bem expandida no centro.

Azar da presa, sorte da sucuri. Nem tanto assim...

Alguns animais humanos cruzaram o caminho da cobra, enquanto ela, quase inerte, concentrava esforços e energia no desfazimento do corpo da presa em seu estômago. A primeira reação foi de susto e medo. A sucuri, também chamada de anaconda, habita o imaginário como um animal assustador. Já foram feitos filmes nos quais ela era a principal vilã: forte, inteligente e implacável, capaz de perseguir os invasores de sua floresta. Mas também foram picados pela curiosidade: de que natureza seria a vítima em seu ventre? Então ocorreu que talvez pudesse ser uma criança, ou um adolescente.

Essa pergunta forneceu o argumento necessário para que providenciassem o que queriam fazer de fato, desde o primeiro momento: determinados a matar a cobra, e lhe abrir o ventre, chamaram a polícia, para amparar, do ponto de vista legal, sua decisão. Afinal, havia a suspeita de que uma pessoa estivesse ali dentro!

Mas não era suficiente a presença da polícia: a equipe de um jornal televisivo também foi convocada. Os editores, farejando notícia que pudesse prender a atenção do público, deslocou uma unidade para o local, e passou a transmitir, ao vivo, cada passo da operação.

O locutor, do estúdio, começou a fazer uma enquete. Queria saber a opinião dos demais jornalistas, e também de ouvintes, sobre o que estaria na barriga da sucuri. E repetia a história várias vezes, anunciando a revelação do mistério no próximo bloco.

Para matar a cobra, quebraram-lhe a nuca. Mesmo sem esboçar maiores reações, sua estrutura corporal forte ofereceu resistência, e não foi sem dificuldade que ela foi desnucada. Então se prepararam para cortar o ventre. Mas as diversas ações foram devidamente dirigidas pelos repórteres. As opiniões divergiam: alguns achavam que a presa podia ser uma capivara, ou um veado. Mas podia ser uma criança, ou um adolescente.

A certo ponto do programa, não mais se falou na sucuri. Passou-se um bloco inteiro sem referência à cobra. Imaginei que, ante a possibilidade de haver uma pessoa no seu ventre, trataram de confirmar, primeiro, a natureza da vítima, para depois retornar o assunto ao ar.

Efetivamente, na última parte do programa, voltaram com toda a carga ao assunto, com as imagens já editadas. No entanto, a cena era conduzida como se ao vivo fosse.

Minha mãe permaneceu, todo o tempo, aguardando pela informação. Aos poucos, foi se irritando com a demora. Mas não se afastou, pois a curiosidade impunha-se à impaciência. Enquanto isso, o locutor anunciava a elevação dos índices de audiência, e voltava à história da sucuri morta com sua presa no ventre.

Encerrando o programa, finalmente a sequência em que a barriga foi aberta, com a imagem borrada, apareceu, finalmente, a capivara morta. Seguiram-se os créditos do telejornal.

A capivara, morta, não foi salva. A sucuri foi morta para nada. Os protagonistas da ação apenas ganharam alguns minutos de fama num telejornal de abrangência local. A emissora de televisão foi a única que lucrou, com o acréscimo de vários pontos na audiência.

Essa, a sociedade do espetáculo.




quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Sobre ubiquidades espaço-temporais, e o imperativo de viajar… parte I

Parte I


Recebi uma mensagem pelo correio eletrônico. Ela iniciava afirmando: “Ontem foi rejeitado projeto de lei...”, e convocava todos da lista a tomarem uma posição a respeito, dada a importância do assunto. O texto era indignado, e pretendia a solidariedade dos destinatários.

Eu me perguntei: ontem de qual dia? Verifiquei na postagem, e só encontrei a data do envio da mensagem. Copiei o título e joguei num site de busca, para verificar se havia alguma repercussão a respeito. Encontrei chamadas iguais à da mensagem datadas de 2010, 2011, 2012, e algumas de 2013. Estas últimas veiculadas há coisa de um mês.

Esse não foi um evento isolado: todos os dias, leio notas, chamadas, cochichos nas redes sociais e outros ambientes, que fazem referências a temporalidades não identificadas, evidenciando uma transformação, em curso, nas percepções das as relações entre presente-passado-futuro:

Agora é fato! A partir de amanhã serão feitas cobranças... por isso você deve tomar a seguinte providência: ...

Hoje aconteceu uma tragédia, que não pode passar em branco. É preciso que nos manifestemos em favor...

Ontem esta pessoa desapareceu! Precisamos ajudar a família urgentemente! Amanhã isso poderá ter acontecido a alguém da nossa própria família...

Tempo e espaço reduzem-se ao aqui-agora, apagando projeções e reconstituições, bem como referências de localização. Aqui, agora, numa noção ubíqua de tempo-espaço que vai diluindo, em sequência, as percepções. Ontem é ontem de todos os hojes, que antecedem todos os amanhãs, sempre agora, aqui. Nada além, antes ou depois.

Talvez por isso mesmo viajar tenha se tornado um imperativo do nosso tempo... "Para onde você vai viajar nestas férias?"... "Não poderei participar, pois estarei viajando"... "Mal desfiz as malas, para refazê-las"... "Ainda não viajou?!"... "Acabei de chegar de viagem, trouxe um presentinho para você"...

Alimentaríamos assim a ilusão de libertação desse aprisionamento... Talvez seja difícil, mesmo, perceber, ou admitir que viajamos, e viajamos tanto, sempre aqui, sempre agora... Não importa para onde partamos, ou de onde cheguemos... Como pássaros aprisionados em grandes jaulas, a voar exaustivamente para acreditar na liberdade...





terça-feira, 6 de agosto de 2013

imortal


Imortal é aquela pessoa cujo trabalho permanece no tempo, dialogando com os que estão por vir. 
Imortal é quem, vivendo aqui, agora, sonha com o devir.




A poetisa Alice Vieira Martins (85 anos) testa a escrita de uma caneta tinteiro.






sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Saudades do futuro: quase pronto!




Tendo cumprido um demorado processo de produção, quase nem acredito: já estamos nas etapas finais que antecedem sua publicação!
 Daqui uns dias, sai do forno, quentinho!




quinta-feira, 1 de agosto de 2013

a vendedora de água


Quando acende a luz vermelha do semáforo, o fluxo de automóveis em direção ao por do sol é interrompido. Então ela vem caminhando, desde um ponto próximo ao cruzamento, entre as duas fileiras de carros, trazendo duas garrafas de água numa mão, e uma garrafa na outra. Numa bolsinha a tira-colo, guarda os dinheiros. Vai passando, oferecendo aos motoristas e passageiros. Uma e outra vez se detém, para atender um freguês com sede, disposto a lhe comprar uma garrafa. 

A certa altura, interrompe o percurso, dirigindo-se de volta ao ponto de partida. Atravessa o passeio central da avenida, e vai caminhando pela rua. Busca a sombra das poucas árvores, para se abrigar do sol escaldante do início da tarde. O tempo que leva para chegar ao cruzamento é o mesmo que o semáforo demora para fazer nova interrupção do fluxo. Então ela recomeça a oferecer as garrafinhas de água aos passageiros e motoristas dos carros que esperam pela luz verde do semáforo. Até certa altura, quando, mais uma vez, se detém, dirigindo-se de volta ao ponto de partida... e segue caminhando pelo meio da rua, do outro lado, onde ainda há sombras ralas das poucas árvores...

O calor já se terá arrefecido quando ela embarcará, com o marido, num ônibus, de volta para casa. A filha de pouco mais de ano a espera, sob a guarda da avó. 

Seu rosto tem as marcas duras da exposição contínua ao sol. O cabelo, basto, está sempre preso num coque mal arranjado. O corpo esguio pede descanso. A beleza bruta se oculta na aridez do asfalto, do semáforo, do nervosismo dos carros...