Parte I
Recebi uma mensagem pelo
correio eletrônico. Ela iniciava afirmando: “Ontem foi rejeitado projeto de
lei...”, e convocava todos da lista a tomarem uma posição a respeito, dada a
importância do assunto. O texto era indignado, e pretendia a solidariedade dos
destinatários.
Eu me perguntei: ontem de qual
dia? Verifiquei na postagem, e só encontrei a data do envio da mensagem. Copiei
o título e joguei num site de busca, para verificar se havia alguma repercussão
a respeito. Encontrei chamadas iguais à da mensagem datadas de 2010, 2011,
2012, e algumas de 2013. Estas últimas veiculadas há coisa de um mês.
Esse não foi um evento
isolado: todos os dias, leio notas, chamadas, cochichos nas redes sociais e
outros ambientes, que fazem referências a temporalidades não identificadas, evidenciando
uma transformação, em curso, nas percepções das as relações entre
presente-passado-futuro:
Agora
é fato! A partir de amanhã serão feitas cobranças... por isso você deve tomar a
seguinte providência: ...
Hoje
aconteceu uma tragédia, que não pode passar em branco. É preciso que nos
manifestemos em favor...
Ontem
esta pessoa desapareceu! Precisamos ajudar a família urgentemente! Amanhã isso
poderá ter acontecido a alguém da nossa própria família...
Tempo e espaço reduzem-se ao
aqui-agora, apagando projeções e reconstituições, bem como referências de
localização. Aqui, agora, numa noção ubíqua de tempo-espaço que vai diluindo,
em sequência, as percepções. Ontem é ontem de todos os hojes, que antecedem
todos os amanhãs, sempre agora, aqui. Nada além, antes ou depois.
Talvez por isso mesmo viajar tenha se tornado um imperativo do nosso tempo... "Para onde você vai viajar nestas férias?"... "Não poderei participar, pois estarei viajando"... "Mal desfiz as malas, para refazê-las"... "Ainda não viajou?!"... "Acabei de chegar de viagem, trouxe um presentinho para você"...
Alimentaríamos assim a ilusão de
libertação desse aprisionamento... Talvez seja difícil, mesmo, perceber, ou
admitir que viajamos, e viajamos tanto, sempre aqui, sempre agora... Não
importa para onde partamos, ou de onde cheguemos... Como pássaros aprisionados em grandes jaulas, a voar exaustivamente para acreditar na liberdade...
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