Quando acende a luz vermelha do semáforo, o fluxo de automóveis em direção ao por do sol é interrompido. Então ela vem caminhando, desde um ponto próximo ao cruzamento, entre as duas fileiras de carros, trazendo duas garrafas de água numa mão, e uma garrafa na outra. Numa bolsinha a tira-colo, guarda os dinheiros. Vai passando, oferecendo aos motoristas e passageiros. Uma e outra vez se detém, para atender um freguês com sede, disposto a lhe comprar uma garrafa.
A certa altura, interrompe o percurso, dirigindo-se de volta ao ponto de partida. Atravessa o passeio central da avenida, e vai caminhando pela rua. Busca a sombra das poucas árvores, para se abrigar do sol escaldante do início da tarde. O tempo que leva para chegar ao cruzamento é o mesmo que o semáforo demora para fazer nova interrupção do fluxo. Então ela recomeça a oferecer as garrafinhas de água aos passageiros e motoristas dos carros que esperam pela luz verde do semáforo. Até certa altura, quando, mais uma vez, se detém, dirigindo-se de volta ao ponto de partida... e segue caminhando pelo meio da rua, do outro lado, onde ainda há sombras ralas das poucas árvores...
O calor já se terá arrefecido quando ela embarcará, com o marido, num ônibus, de volta para casa. A filha de pouco mais de ano a espera, sob a guarda da avó.
Seu rosto tem as marcas duras da exposição contínua ao sol. O cabelo, basto, está sempre preso num coque mal arranjado. O corpo esguio pede descanso. A beleza bruta se oculta na aridez do asfalto, do semáforo, do nervosismo dos carros...
...Belíssimo!...BRAVO!!!...Vale o '...a cidade é mudérna... Dizia o cego a seu filho,que era mudo e era surdo,mas,que falava e ouvia...'da crônica-música do Milton...
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