quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Árvore



Foto: Renato Cirino, 2018


Árvore
Manoel de Barros

Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus
seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul
E descobriu que uma casa vazia de cigarra esquecida
no tronco das árvores só serve pra poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,
envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros
e tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com muitas borboletas.












terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Chama a polícia! Ou chama o caminhão da coleta de material reciclável!


Era cedo ainda. Ouvi várias pancadas contra alguma superfície densa de metal, acompanhadas de vozes masculinas exaltadas. Havia uma briga em curso. Uma das vozes ganhou mais volume que a outra, gritando Polícia, polícia, polícia! A discussão teve prosseguimento, e algumas vezes a polícia era evocada, em vão. A briga foi perdendo volume, até que a rua retomou relativa calma.

Algum tempo depois, repetiram-se as pancadas. Vozes exaltadas voltaram a reverberar entre os edifícios. Dessa vez, uma voz masculina e outra feminina. A mulher não chamou a polícia, mas exaltou-se muito, aos gritos, com xingamentos de toda ordem.

Algumas pessoas aglomeraram-se à beira de uma calçada, para ver o que se passava, fora do campo de visão desde o vão entre os prédios.

Ao longe, a música ligeira do caminhão de lixo reciclável sinalizava sua passagem. O som aproximou-se e foi se distanciando, rapidamente.

Não demorou para que mais uma vez se ouvissem pancadas, e uma terceira voz, também feminina, bradasse em confronto com a mesma voz masculina.

Ao longe, o som do caminhão que coleta lixo reciclável continuava seu caminho, acompanhado da música inconfundível.

Cerca de duas horas depois, o som da sirene da viatura policial ocupou todo o espaço entre os edifícios, e em torno, e além. Já não havia pancadas, nem gritos...

Em que dias passa o caminhão de coleta para a reciclagem da sociedade?