quarta-feira, 24 de abril de 2013

Meu professor de violão ficou cego e hemiplégico


Hoje ouvi, no rádio do carro, a música Jogos proibidos, ao violão. Fui acompanhando, com a voz, cada nota. A linha melódica reverberou em mim, com estranha familiaridade, embora já nem me lembre quanto tempo fazia que não tinha a oportunidade de ouvi-la. Sequer tenho essa composição gravada em meus equipamentos, ou nalguma outra mídia. 


Essa audição me projetou para o início de 1977, Brasília sendo inaugurada a cada dia por seus habitantes vindos de todas as partes. Quando cheguei ali, minha irmã tratou de me matricular num atelier para fazer aulas de desenho e pintura, e também acertou aulas com um professor de violão. Assim, uma vez por semana, eu seguia até uma sobreloja, onde passava a tarde entre cavaletes, carvões, tintas a óleo, terebentina. Uma vez por semana, também, eu empunhava meu violão Di Giorgio, e seguia, a pé, até o apartamento onde meu professor ministrava aulas particulares de violão. Era uma caminhada de cerca de meia hora. Tocava a campainha. Quase sempre era a esposa dele quem vinha atender. Ele me esperava numa saleta onde havia livros, uma estante para partituras, um velho sofá, uma cadeira, outros objetos e móveis envelhecidos, meio escuros - pelo menos é assim que comparecem à minha memória, hoje. O ambiente era pouco iluminado. A cada aula, ele me entregava umas folhas impressas, com esquemas de braços de violão, onde eu, orientada por ele, marcava os acordes. Nas costas das folhas, escrevia as letras das músicas, com os acordes, e a indicação do ritmo. Ia, assim, montando uma pastinha com um repertório musical. A maior parte das composições, até ali, eram desconhecidas para mim. Foi assim que aprendi a tocar Jogos proibidos, ou Romance de amor, sem nunca tê-la ouvido antes. E aprendi a cantar Dindi, sem ter ouvido outra pessoa cantar - só muito mais tarde, e não sem estranhamento. Foi assim também com Gente humilde, entre outros títulos de que não me recordo agora.


Fiz aulas com ele durante cerca de um ano. Aprendi a tocar muitas músicas, muitos acordes. Aprendi a gostar do violão, mesmo sabendo que não fosse seguir a música como escolha de expressão ou profissional. Com ele, aprendi músicas que não conhecia, que nunca ouvira antes. Meu professor fora concertista de violão, com um extenso repertório na bagagem, e uma longa história de viagens, audiências, apresentações. Mas isso tudo ficara para trás: depois de um acidente vascular cerebral, ficou cego e hemiplégico. Passou, então, a dar aulas, instalado em casa. Ele, instalado no velho sofá, eu sentada à sua frente. Ele ouvia a afinação da corda estendida, a batida dos dedos, indicava o desenho dos acordes, sem titubear: coloque o dedo indicador na terceira corda da primeira casa, e assim por diante. Com a mão direita, fazia a demonstração da batida nas cordas, indicando a dinâmica do ritmo. A mão esquerda era quase um peso morto ao lado do corpo. Meio corpo como peso morto: o lado esquerdo ficara todo comprometido. A boca entortada quase não fechava, e a fala não era possível sem esforço. Mas era sempre bem humorado. As contingências não perturbavam sua relação com a música, tampouco as circunstâncias impediam nosso encantamento com as possibilidades sonoras que iam sendo construídas.


Devo confessar que não via nele as limitações, embora fossem contundentes. Ele sabia, e me ensinava, apesar delas. Tinha histórias para contar. Vivera coisas que me instigavam a imaginação. Tenho certeza de que sua maior lição não foram os acordes de violão anotados em páginas que encheram uma pasta, mas a disponibilidade que passei a dedicar nas relações com as mais diferentes condições vividas pelas pessoas. Talvez tenha demorado a me dar conta da natureza tão especial desse encontro primeiro. Mesmo quando, anos mais tarde, trabalhando num hospital, passei a defender a bandeira segundo a qual não importa o que as pessoas não conseguem fazer, mas o que elas sabem, e podem, e querem!


Obrigada, Mestre Raul.



Sobre a incrível história do violonista Raul Santiago 

Para ouvir Jogos proibidos, ou Romance de amor, executado pelo próprio Raul Santiago.


sábado, 20 de abril de 2013

As corujas, símbolo de sabedoria, e a universidade



Eu tinha cinco anos, quando recebi a primeira correspondência: um postal enviado pelo Padre Wenceslau, que rezou a missa de meu batismo. Por isso eu o chamava de padrinho, e ele me chamava de afilhada. Algum tempo antes, minha mãe postara para ele uma carta que eu escrevera, não sem a preciosa ajuda dela. O postal vinha em resposta. Notícias longínquas, de algum lugar cujas feições eu não podia imaginar, para onde ele se transferira, após ter sido pároco em nossa pequena cidade durante muito tempo.

No postal ele falava de sua surpresa ao receber minha carta, e de sua alegria ao ler as palavras escritas pela minha própria mão. Na estampa, uma coruja usando o capelo, aquele chapéu usado em formaturas. A figura da corujinha era realizada com um efeito especial que dava a impressão de profundidade e movimento: duas imagens sobrepostas em filetes muito delgados, a enganar os olhos do observador. Quase um holograma. O postal, de alguma forma, foi meu primeiro diploma. E cunhou, também, embora não de modo fatalista, nem dramático, um caminho a seguir: o da formação e atuação acadêmica.

Enveredei pelas paisagens da educação, da arte, da pesquisa, da docência, dos livros, das fotografias, do cinema... Professora universitária, o campus onde atuo é habitado por uma comunidade famosa, comentada além de suas fronteiras: os macacos-prego que vivem na pequena reserva florestal, fragmento da mata atlântica a resistir bravamente ante o avanço da cidade. Os macacos invadem a vida acadêmica de estudantes, professores e quantos por ali se aventurarem. Roubam lanches e almoços, mexem nos papeis à procura de guloseimas, dependuram-se nas janelas durante conferências importantes, irreverentes que são.

Mas fui seduzida mesmo por outra comunidade, mais silenciosa, profundamente observadora, e capaz de ver aquilo que não somos capazes, sobretudo porque preparadas para ver na ausência da luz: as corujas-buraqueiras.

Tenho acompanhado algumas famílias, observando os filhotes com penugem ainda muito clara, arredios, prontos a deslizar para dentro da toca a qualquer movimento minimamente ameaçador. E os adultos, sempre por perto, observando-me a observar, emitindo alguma rezinga por vezes, quando sentem seus territórios invadidos além das fronteiras mínimas de segurança.

Na verdade, as corujas, bem como os macacos, os quero-queros, as curicacas, e outros representantes da flora e da fauna do cerrado já estavam lá quando a universidade chegou, e depois a cidade cresceu em torno, com seus restaurantes, as lojas, os alojamentos de estudantes, os bares, o movimento de carros, ônibus, os grandes eventos, os grandes estacionamentos... Por outro lado, encanto-me registrando o encontro metafórico daquela que é o símbolo da sabedoria, a coruja, com a casa destinada à formação para o conhecimento, qual seja a universidade: esta última, construída nos mesmos terrenos desde há quanto tempo habitados pela primeira! (é claro: um encontro descrito desde o ponto de vista estritamente antropocêntrico. Qual seria, então, a descrição feita pela coruja?)

Não estou certa de que a comunidade universitária esteja muito atenta a isso. Ao contrário: com frequência suas construções têm ameaçado ninhos e ninhadas, feito desmoronar tocas, produzido barulho em excesso a ponto de estressar as comunidades. Mas elas resistem, adaptam-se rapidamente, e a população se amplia. Enfrentam as máquinas, não temem os animais da espécie humana, convivem com os quero-queros, caçam insetos e animais de pequeno porte.

Integram a vida universitária, ao seu modo. Ao seu modo, testemunham a paisagem se transformar à sua volta, sem perder um detalhe, sem se perder nela. Talvez por serem sábias, por verem mais e além, por perceberem o mundo quando ainda prevalecem as sombras.




Onde estão os 800 candidatos aos cursos de licenciatura, pela UFG?

Aos professores de artes visuais
 que se formaram no dia 18 de abril de 2013,
 cuja turma se chama Profª Alice Fátima Martins.

No último dia 18, colaram grau novos 20 professores de artes visuais, pela Faculdade de Artes Visuais da UFG. Meus queridos andarilhos, que compartilham comigo, mais que as utopias, o nome: deram-me a honra de tomar emprestado meu nome para a turma.

O percurso até o ritual de celebração da formatura foi cheio de descobertas, inquietações, sustos, aflições, encantamentos. Pensar a atuação profissional, descobrir-se educador, ou constatar que essa não é a sua praia fizeram parte da caminhada. Evoco a imagem de um dos filmes que vimos, em nossas aulas de estágio, O quadro negro, da cineastra iraniana Samira Makhmalbaf. Nele, um grupo de professores, levando quadros de giz às costas, segue por caminhos tortuosos, áridos, em busca de quem queira aprender. Suas jornadas são difíceis, e nem sempre conseguem realizar seus sonhos. Caminhamos até o momento da formatura, que é marco de um início de nova caminhada: cada um seguirá, por caminhos, vários, em busca de realizar seus projetos. O que nos espera? Desafios, por certo!

Em seu discurso, o Magnífico Reitor, Prof. Edward Madureira Brasil, observou que, no último vestibular da UFG, ficaram ociosas cerca de 800 vagas de todos os cursos de licenciatura oferecidos. Essa informação me fala muitas coisas, principalmente desperta perguntas, muitas, e inquietações.

Com as iniciativas de abertura da universidade pública para segmentos mais pobres da sociedade, a tendência (que já começa a ser observada como fato) é de que a elite migre para outras instituições, com vistas à formação de seus filhos. Particularmente no tocante aos cursos mais competitivos, que formam os núcleos duros do giro da economia: engenharias, medicina, etc. O que já se pode observar, é o fortalecimento desses cursos em algumas instituições da iniciativa privada, com a presença reforçada da classe média alta ali. Para as universidades públicas, fica a missão de formação nos campos profissionais menos qualificados na estrutura hierárquica política e econômica. Dentre esses, a educação. Aos pobres cabe a preparação para que eduquem os pobres. De maneira sempre precária. No máximo, são estimulados (instados?) a superar as carências buscando ser criativos... Mais que lamentável, é uma situação perversa. 

Nessas bases, a carreira para o professor universitário começa, já, a ser desqualificada. Basta notar as diferenças abissais entre os planos de carreira para professores que ingressaram há 10 anos nas instituições federais de ensino superior, e os que passarão a ingressar a partir de agora. Há uma profunda cisão entre esses dois quadros. Cisão que, muito provavelmente, terá profundas repercussões na qualidade do ensino a ser promovido ali.

Por outro lado, nas instituições públicas de educação básica, as carreiras de professor vêm sendo depauperadas há bem mais tempo. Há muitas décadas as elites migraram das escolas públicas, levando consigo as garantias de ensino de qualidade. Deixaram, para os pobres, promessas de universalização, sem esperanças de qualidade efetiva. Os estudantes das escolas públicas têm a certeza de serem aprovados. Aprender? Bom, isso já é outra história... na maior parte dos casos, não aprenderão o necessário para competir de igual para igual, no mercado profissional e acadêmico. Os professores não têm muitas razões para se entusiasmar com seus desafios: escolas sem estrutura e sem segurança, integridade física em risco, salários aviltantes, políticas públicas marcadas pela hipocrisia. 

Não é por acaso, Prof. Edward, que cerca de 800 vagas para cursos de licenciatura permaneceram ociosas na nossa universidade...








segunda-feira, 15 de abril de 2013

Um sonho sonhado por outro, que me instiga a pensar...


Para Alzira, que me emprestou seu sonho.

Minha amiga querida me contou. A imagem em mim provocada por seu relato ficou colada em meus pensamentos. Vívida, é como se eu mesma a tivesse sonhado...

No sonho, ela fora submetida a um transplante de cabeça. Transplante total, radical: num pacote único, herdara de outra pessoa crânio, cérebro, face, pescoço. E então ela constatou que a identidade das pessoas não está na cabeça, pois ela continuou se reconhecendo como a mesma pessoa, sem confundir memórias e percepções. Continuava a mesma de antes do ato cirúrgico. Ora: a resposta sobre quem somos não se resume à cabeça, mas estende-se pelo corpo vivido como um todo, indo até mesmo além dele, às relações que estabelecemos com o meio.

No entanto, sentiu desconforto quando se viu o espelho. Decididamente, ela não gostou do sorriso transplantado para seu rosto. Aquele sorriso não a satisfazia... Fazer o que? Aprenderia a conviver com ele... e com a coceira no pescoço, decorrente do processo de cicatrização.



domingo, 14 de abril de 2013

Sobre o desfazimento de um sonho: acabou-se o Mini cine Tupi


Tristeza

Desde meados do ano passado, tenho tentado falar com Seu Zagati, ao telefone, sem sucesso. A chamada para o número por meio do qual eu, usualmente, conversava com ele, não completava.

O que teria acontecido? Cheguei a imaginar que, ante as dificuldades financeiras, ele não tivesse pago a conta, e a linha fora cortada.

Passou o Natal, o Ano Novo, sem contato com nosso querido amigo.

Hoje lembrei-me de buscar pela jornalista Cristina Aguilera, em Taboão da Serra, pessoa a quem ele sempre se referia com carinho e respeito, e cujo telefone ele me informara em nossos primeiros contatos.

Ela contou-me, então, com a voz embargada, a notícia do desfazimento do sonho. A esperança no projeto humano acaba de diminuir um pouco mais.

Seu José Zagati, que ganhou visibilidade até na mídia internacional, e o título de cidadão taboaense, não contava com apoio local nenhum para seu projeto. A dificuldade era tamanha, que chegou às raias de passar fome. Perdeu, também, o apoio da família. Dona Magdalena, a esposa, que já não gostava muito da história do cineminha, acirrou o confronto com o projeto de sonho do marido. Desgostoso, Seu José Zagati separou-se dela, vendeu a casa, onde ficava a sede do cinema, a preço de banana, deu-lhe a metade para que ela pudesse retornar para o Nordeste, e sumiu, deixando o sonho para trás.

Parece que seguiu para Santos. Talvez esteja vivendo de vender sabe-se lá o que na praia.

Cristina Aguilera conta que sequer dela ele se despediu. Talvez na certeza de que ela tentaria demovê-lo da ideia de ir-se embora.

Quem pode me ajudar a reencontrar o Sr. José Zagati?




sexta-feira, 12 de abril de 2013

quem ri o tempo todo é hiena


Há algum tempo, uma psicanalista me perguntou se eu ria o tempo todo, acreditando que, vivendo em boa companhia, eu teria motivos para tanto. Olhei para ela, sorri amarelo, e preferi silenciar, em meio ao burburinho do evento onde aconteceu tal interpelação. Mas pensei quem ri o tempo todo é hiena, e não é de alegria! Passei, também, a duvidar da sua formação psicanalítica.

Desde então, vez por outra, a sua pergunta ressoa em minha memória, e eu respondo, com veemência, não, eu não rio o tempo todo!

Aliás, eu quase sinto mais dor que alegria, mais angústia que deleite. 

Talvez a psicanalista em questão acredite que o palhaço não despregue da pele sua personagem, sem entender que a máscara risã esconde profunda tristeza - e essa afirmação chega já até a ser um clichê.

Não, eu não rio todo o tempo. E choro mais vezes do que possa deixar transparecer.

A propósito:

...


Máscaras. 
Tenho uma coleção de máscaras. 
Para cada ocasião, um papel,
a cada papel, uma composição especial. 

Nem sempre convincente na interpretação das personagens,
a atuação impressiona principalmente pela qualidade das máscaras. 

Durante anos, as tenho confeccionado, 
nas noites vazias, 
no vácuo dos dias sem sentido. 

Feitas com minha pele e meu sangue,
expressam meu medo e minha impotência, 
que transfiguro em gestos de gentileza,
suposta cordialidade. 

Minhas máscaras a rebordar meu rosto, 
a recompor minha forma, 
a repintar minh'alma.
Eu mesma.





pausa (2)







quarta-feira, 10 de abril de 2013

flor do quebra-pedra





O Phyllanthus niruri, pertencente à família Phyllanthaceae, é conhecido popularmente como quebra-pedra, erva-pombinha, quebra-pedra verdadeiro, quebra-pedra-roxo. Suas folhas são usadas como diuréticas, em afecções do fígado, icterícia, cólicas renais, moléstias da bexiga, retenção urinária e como auxiliar na eliminação de ácido úrico. As raízes são também utilizadas em afecções hepáticas com icterícia e os frutos, as sementes e as folhas em diabetes, para dor nos rins, bexiga, dificuldades em urinar, pedra nos rins e como diurético.




terça-feira, 9 de abril de 2013

Formatura da Turma Profª Alice Fátima Martins de Licenciatura em Artes Visuais - FAVUFG




No dia 18 de abril próximo, às 20h, no Centro de Eventos da UFG, acontecerá a colação de grau da turma de Licenciatura em Artes Visuais - FAV/UFG que me deu a honra e o presente de tomar meu nome como referência.

Assim, além de meu nome, também minha alegria e meu afeto os acompanharão pelas suas veredas profissionais, e as demais que a vida vai tecendo para que possamos trilhar. Do mesmo modo, ficará comigo a saudade de cada rosto, cada sorriso, cada inquietação partilhada em aula, durante quanto tempo!

Que vocês sejam felizes, e, sobretudo, nunca percam de vista que as venturas de ensinar e aprender são a melhor parte de tudo, principalmente quando compartilhadas.

Contem sempre comigo!



sábado, 6 de abril de 2013

Desenho

                    Cecília Meireles                 




Traça a reta e a curva,
a quebrada e a sinuosa
Tudo é preciso.
De tudo viverás.

Cuida com exatidão da perpendicular
e das paralelas perfeitas.
Com apurado rigor.
Sem esquadro, sem nível, sem fio de prumo,
traçarás perspectivas, projetarás estruturas.
Número, ritmo, distância, dimensão.
Tens os teus olhos, o teu pulso, a tua memória.

Construirás os labirintos impermanentes
que sucessivamente habitarás.

Todos os dias estarás refazendo o teu desenho.
Não te fatigues logo. Tens trabalho para toda a vida.
E nem para o teu sepulcro terás a medida certa.

Somos sempre um pouco menos do que pensávamos.
Raramente, um pouco mais.







sexta-feira, 5 de abril de 2013

beijo na boca


Aninha era toda sensual. Andava para lá e para cá, provocando olhares. Namorava, desavergonhadamente. 

Eu já não sabia se eu queria ser como Aninha, ou se eu queria ter Aninha. 

Num desses jogos adolescentes, resultou que eu fui premiada com um beijo na sua boca. Mataria, afinal, a minha sede. 

Mas a carne dos lábios de Aninha pareceu-me dura, a língua áspera, sem umidade... O beijo terminou entre risos.

Aninha era uma amiga querida...

(neste texto, presto uma homenagem
 à nossa maravilhosa diva, Fernanda Montenegro.
Abaixo, segue a citação de um trecho
 do texto assinado por Cidinha da Silva)



A heteronormatividade pira!
Por Cidinha da Silva
O beijo de Fernanda Montenegro na atriz Camila Amado detonou uma avalanche de coisas boas. A octogenária e a colega de quase 80 anos de vida e coragem instaram o destemor adormecido em muita gente da classe artística brasileira.




pausa




Chove. Na Pousada das Araras, 2013.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Catadores de Sucata da Indústria Cultural

Lançamento do livro Catadores de Sucata da Indústria Cultural, Coleção FUNAPE/UFG
Dia 11 de abril, 5a feira, às 19h
Espaço Multiuso da Biblioteca do Campus I, Setor Universitário, Goiânia/GO





segunda-feira, 1 de abril de 2013

dia da mentira


Passei o dia matutando. Brinquei com várias pessoas com quem convivo quotidianamente. Mas o dia não estaria ganho se não conseguisse dribá-la. Ela, a minha mestra primeira, quem me ensinou que não se pode deixar este dia passar em branco. No entanto eu tinha um dilema pela frente: precisava encontrar uma forma de brincar, com cuidado, pois, nos seus 85 anos, poderia ficar ansiosa além da margem de segurança à sua saúde. 

À noite, quando cheguei em casa, encontrei a solução. Liguei para ela. Conversamos sobre amenidades. Como foi o dia, se dormiu bem à noite, estava calor, choveu, etc. No meio da conversa, introduzi a informação a senhora não sabe o que aconteceu: perdi todos os pasteizinhos... Coloquei um tom de queixa na minha fala. Ela perguntou como, minha filha? Expliquei cheguei ontem e esqueci fora da geladeira; a noite e o dia foram quentes; quando cheguei agora, estavam azedos... 

No domingo, ela investira a manhã inteira na função de fazer os tais pasteizinhos assados. Quando saí para casa, me entregou uma embalagem com quase todos eles. Agora eu lhe dizia que os perdera.

Ela estranhou um pouco que coisa, aqui em casa os que sobraram também ficaram fora da geladeira, e não estragaram. Aí é mais fresco que aqui, expliquei. E acrescentei não comi nenhum, pois deixei para comer hoje, quando chegasse do trabalho. Senti que ela ficou inconformada. E então ela me perguntou o que você vai comer, minha filha? Eu ri e respondi pastel, minha mãe. Você comprou outros pastéis? Ri de novo, não, bunitinha, os seus, porque o problema deles era primeiro de abril. Ela ficou brava, falou alguns desaforos para mim, e rimos, muito. Você me pegou!

Essa é, sempre, a melhor parte da história. Não importa o grau de complexidade da mentira. Importa que você crie um enredo qualquer, e consiga envolver a outra pessoa no enredo. Envolver alguém numa mentira, no primeiro de abril, é quase uma declaração de afeto. Porque supõe risos, alegria, jogo, prazer. Ela me ensinou a aproveitar essa data para brincar. Ensinou, também, que é preciso ter cuidado com quem se brinca, e que o prazer deve ser mútuo, caso contrário, não vale a pena.

Que sejam muitos, e divertidos, os dias da mentira!