De tempos em tempos me lembro de um diálogo antológico, de Cyrano de Bergerac, no romance intitulado Histoire
comique des états et empires de la Lune, escrito em 1656, publicado no
Brasil com o título Viagem aos impérios do Sol e da Lua. Ali, a
personagem principal é prisioneira entre habitantes da Lua. Um dos companheiros
de cela acusa a espécie humana de ser a mais soberba dentre as espécies
animais, e defende a ideia de que todos os serem vivos sentem e pensam, até
mesmo um pé de couve, ainda que não disponham dos mesmos recursos humanos para
se expressar e defender seus pontos de vista.
Cyrano de Bergerac é, ele
próprio, uma personagem extraordinária, trazida ao conhecimento do grande público no texto de teatro
escrito por Rostand há pouco mais de um século. Essa história foi, posteriormente, adaptada para o cinema em algumas versões bem populares.
Em seus escritos, Bergerac faz
um esforço bem interessante de deslocamento de pontos de vista: tenta imaginar
sociedades fora do ambiente terrestre, e evocar reflexões como essa, que
envolve o pé de couve. Não consegue, contudo, muito sucesso no projeto de
escapar às malhas da velha visão de mundo européia, e suas instituições
seculares, que pretende criticar.
Ah, o velho Savinien
de Cyrano de Bergerac...
Enquanto penso nesse lunático (no melhor dos
sentidos!), ali, do lado de fora da janela, num galho da árvore, um passarinho bem
pequenino canta e saltita... É um cambacica. A minha máquina fotográfica tem
dificuldade para ajustar o foco automático, tão pequeno o espaço que ele ocupa
no escaneamento da objetiva, com distância focal ajustada em 200mm. O trinado
da avezinha enche a manhã. Pelo menos a minha manhã, que se inunda de som, sol
e movimento.
E, por um instante, o mistério se realiza. Durante uma fração de
segundo, eu consigo perceber uma fração de sentido para a vida, e experimento
uma breve lufada de felicidade.
Em seguida, a pequena ave voa, levando consigo
o sentido, qualquer um que fosse...
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