A professora de Valença comentou seu encantamento com a palavra ‘nortear’, usada na língua portuguesa. No espanhol valenciano, não há. Fala-se ‘orientar’, palavra que se refere ao Oriente, à rota da seda, observou ela, para assentar o sentido de direção, direção correta. Ou seja, orientar-se, em última instância, é uma disposição para não perder a direção correta para um mercado de exploração, a seda, produzida no Oriente, durante os processos de colonização. Por isso, para a professora, a palavra ‘nortear’ parecia ter uma conotação mais interessante, por referir-se de modo mais explícito a um dos pontos cardeais, o Norte, que, nas bússolas, é o norte magnético, quando se deseja identificar posições e rotas. Para a professora, europeia, com raízes no Hemisfério Norte, essa referência ao ponto cardeal pareceu inocente.
A etimologia da palavra ‘orientar’ evoca a direção onde nasce o sol. Ou seja, refere-se ao ponto cardeal leste, indicando o caminho a seguir, em direção ao sol nascente. Mas a professora está correta no tocante ao fato de que foi atrelado a esse sentido o de cunho comercial e exploratório, da rota da seda chinesa.
No entanto, tampouco a referência ao norte pode ser considerada inocente. Enquanto a ouvia, pensei na frase do artista uruguaio Joaquín Torres-García, Nosso Norte é o Sul, em relação à sua obra América Invertida, de 1943. Nas discussões de que tenho tomado parte, mais recentemente, com ênfase nos processos de colonização, um marco é muito importante: os colonizadores atuam desde o Hemisfério Norte. As guerras mais devastadoras estão no Hemisfério Norte ou são financiadas por países e povos ali situados. Os impérios econômicos estão construídos no Hemisfério Norte embora exerçam influência em todos os continentes. Resulta que ‘nortear’ é uma palavra tão comprometida quanto ‘orientar’: contemporaneamente, ambas transitam por processos de dominação, colonização, exploração.
Numa referência a Torres-Garcia, proponho o verbo ‘sulear’. Situada desde o Sul, posso me deslocar em todas as direções, para, ao final, sempre voltar para casa, entre afetos e alegrias, com algumas preocupações, mas com a força necessária para saber que o norte não é a única referência, tampouco o oriente ou o ocidente.
Um amigo querido, que vive na Patagônia chilena, relata que ali, a expressão "está de norte", ou "está norteando" refere-se a dias quando há temporal, tormenta de chuva e vento. Por outro lado, quando "está de sul" há bom clima, sol, ainda que venha o frio polar da Antártica.
Pois que possamos sulear nossos passos por caminhos que nos levem a searas profícuas. E que o clima seja bom.
Planalto Central do Brasil, ao Sul do Equador
Nenhum comentário:
Postar um comentário