segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Casos de amor, sobressaltos, e outras revelações...

ou 
Pequeno conto no qual a personagem principal não comparece à cena...

No início dos anos 80, nossas vidas andavam em ebulição. Meu Amigo (que aqui chamarei apenas assim: Meu Amigo, para preservar-lhe a identidade) chegara do exterior, onde, longe das garras repressoras da ditadura militar, vivera as mais diferentes experiências, em intensidade e multiplicidade. De volta, dedicava-se ao trabalho com muito envolvimento. Ali, conheceu nossa Amiga Arte-Educadora (que também será assim referida neste texto), com quem estabeleceu vínculos fraternos afetuosos.

Chegou um tempo quando Meu Amigo começou a mostrar-se ansioso, tenso, angustiado. Num final de tarde tomou-se de coragem e falou-me do seu medo: andava observando o aparecimento, em seu corpo, de alguns sintomas desconfortáveis, que poderiam ser indicadores de AIDS. A síndrome pairava sobre as cabeças como possibilidade de degredo. No entanto o dado a angustiá-lo de modo mais pungente ainda estava por me ser contado. Logo de seu retorno ao Brasil, conhecera um médico, professor universitário, com quem se envolveu, mantendo uma relação afetivo-íntima durante mais de ano. Mais recentemente, descobrira que o médico era casado com a nossa Amiga Arte-Educadora.

Com tantas novidades, ele andava com os nervos à flor da pele. A razão lhe apontava a primeira providência a ser tomada, para só então tomar decisões, verificar encaminhamentos, etc. Não foi sem pânico que fez o exame, e foi entre comemorações que viu o resultado negativo. Pronto, refeitas as forças, tocou a vida. Já não precisava mais fazer grandes revelações, expor-se, tornar-se vulnerável. Cuidaria de se preservar, e cultivar seus afetos.

A vida é assim: quantas pessoas queridas, com quem convivemos durante períodos importantes, acabam encaminhando-se por veredas diferentes das nossas, e as vemos cada vez menos. Eu me mudei, transferi meu trabalho para outra região, envolvi-me com outros projetos. Eles também. Não encontrei mais Meu Amigo. Muitos anos depois, ao acaso, reencontrei nossa Amiga Arte-Educadora. Estava bem. Contou-me que os filhos estavam crescidos, cheios de novidades a cada dia. E, mostrando-se forte, arrematou com a nova: separara-se do marido. - "Você não pode imaginar o que eu descobri!" Levei um quase susto. Aguardei pelo desfecho da narração iniciada: - "A gente vive tanto tempo com uma pessoa, e não conhece nada dela! Aquele safado! Você acredita que ele tinha outra família? Mulher, filhos da idade dos meus, e tudo o mais!"



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