sábado, 7 de janeiro de 2012

O novo cardiologista da minha mãe



Com frequência, quando fica absorta nalgum afazer, escrevendo ou costurando, por exemplo, a certa altura é tomada por intenso mal estar: as batidas cardíacas se alteram, sente tontura, se banha de suor, uma angústia no peito. Então se dá conta de que há algum tempo parou de respirar. A apneia em estado desperto associada à arritmia cardíaca e um desequilíbrio na pressão arterial acabaram levando-a a vários cardiologistas que se tornaram grandes amigos seus. E as consultas ganharam feições de visitas afetuosas. O cardiologista mais antigo tem várias coisas em comum com ela: também escreve, e enfrenta quadro semelhante de apneia e arritmia cardíaca. Então os dois divertem-se trocando livros e elogios, e conversando sobre suas idiossincrasias. O segundo cardiologista tem com ela uma ligação filial, o que faz da consulta um encontro em que são tratados assuntos de família, quando se falam de filhos, educação, projetos pessoais. O terceiro cardiologista é seu vizinho, já leu todos os seus livros de poesias, e a conhece o bastante para saber que ela não tomará os remédios receitados, tampouco fará os exames solicitados. Talvez até os faça, mas entre muitos queixumes. Então conversam sobre o condomínio, suas plantas, projetos para novos livros. Ela argumenta em favor dos chás e suas propriedades medicinais superiores aos remédios em geral, no que ele acaba assentindo. Por isso minha irmã pensou que talvez fosse melhor buscar um cardiologista que não fizesse parte de suas relações de afeto, para estabelecer uma relação estritamente profissional. Assim fez. No dia marcado, ficou aguardando na antessala, enquanto ela entrou para a consulta. Poucos minutos transcorridos, e já ouviu suas risadas vindas de dentro do consultório. Os risos se estenderam, e outras senhorinhas que também aguardavam riram-se com ela. Findo o tempo da consulta, o médico a trouxe até à porta, para despedir-se, tranquilizar minha irmã, e chamar a próxima cliente. Os dois estavam alegres. Tinham trocado receitas de pão, falado sobre poesia, conversado sobre a vida no campo. Mais tarde, minha irmã lhe perguntou sobre a opinião do médico a respeito da apneia e da arritmia cardíaca. Ela respondeu que não tinha dado tempo de conversar sobre isso...


3 comentários:

  1. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, terriveis....
    Coisa de mãe...
    a minha é assim...
    2012 é ano que frequentarei médicos e enfermeiras sozinha...
    Ainda acredito que o profissionalismo é o melhor...
    mas...
    É bom neh quando o médico conhece bem a gente... ^^
    Impasses...

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  2. Risos.
    Eu acho que a sua mãe é uma das nossas, Alice!
    Já adoro ela!

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  3. Júlia, acho que meu pai sabia o que estava fazendo quando decidiu me dar o nome dela... PriPri, o profissionalismo não exclui a possibilidade de estabelecimento de vínculos, ao contrário. No caso dela, não há de fato muito a fazer: com 85 anos, senhora de uma disposição para a vida que muitos jovens não têm, precisa ser acompanhada, mas pode fazer isso de modo leve e engraçado. Por que em 2012 você frequentará médicos e enfermeiras sozinha?

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