quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

arroz com feijão


"Há poesia na flor, na dor, no beija-flor, no elevador"
Oswald de Andrade


Com o tempo, aprendi que bons cozinheiros não são só aqueles que dominam a manipulação de receitas extraordinárias, com ingredientes pouco comuns, produzindo sabores capazes de surpreender o percurso regular dos dias. Bons cozinheiros também são aqueles que desenvolvem o poder alquímico de transformar o banal, o trivial, em experiências especiais, ainda que quotidianas.

A expressão "arroz com feijão" foi incorporada aos falares populares, referindo-se a procedimentos comuns, simples, básicos. É preciso dominar o "arroz com feijão" de certa atividade para iniciar-se no campo profissional a ela relacionada. É coisa de iniciante.

A bem da verdade, a questão não está no conteúdo do arroz e feijão, mas nos procedimentos para o seu preparo: é possível fazer a velha dupla da culinária popular brasileira sem maiores delicadezas, de modo a não surpreender o paladar. No entanto, também é possível transformar seu preparo num exercício de experimentações para o paladar. O que não significa, contudo, cair na tentação de acrescentar-lhes ingredientes outros, a roubar-lhes a cena, empurrando-os à condição de base, ou fundo.

Parece-me, portanto, que o segredo esteja em preparar um e outro, variando a escala dos sabores, dos tempos, das texturas, dos odores, sem camuflar-lhes a identidade.

O segredo está, assim, em descobrir caminhos para transformar o quotidiano em escalas ricas e saborosas de experiências. O extraordinário, o exótico, quando compareçam, agregam valor, somam possibilidades ao que já é portador de qualidades diferenciadas.

Que o arroz com feijão seja o simples, sim, lembrando que no simples é que encontramos o complexo, o denso, a síntese. Que o quotidiano seja tecido por experiências singulares entrelaçadas. Que no simples também esteja o sabor a dar o tom dos dias.


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