quinta-feira, 18 de julho de 2013

Memória de uma situação adversa: para lembrar que não estamos sós…


Um casal de professores que trabalhava com psicopedagogia, e tinha uma clínica de acompanhamento de alunos com dificuldade de aprendizagem, se entusiasmou com minhas ideias. Ambos decidiram me indicar para um evento programado para Uberlândia, cuja temática era alguma coisa como ludopedagogia, ou ludoterapia. Tomavam como referência o trabalho que eu desenvolvera em contexto hospitalar, envolvendo ensino de arte.

Indicação feita e aprovada, entrei em contato com a equipe responsável pela organização, que passou a me dar as diretrizes. Pediram-me que eu planejasse uma oficina para acontecer em 4 encontros, e uma fala. Seguindo as orientações, preparei todo o material, e segui viagem.

Instalada no hotel, descobri que se tratava de um evento realizado por um grupo de pessoas mais ou menos estável, que viajava de cidade em cidade, pela América do Sul, liderados por um professor argentino, que assumia o papel de uma espécie de guru. Esqueci seu nome, e agradeço à minha memória pela providência de apagamento dessa informação...

Dividi o apartamento onde fiquei hospedada com outras três moças, duas das quais argentinas, e outra brasileira, todas companheiras de muitos eventos. Todos eram remunerados, e o guru não exercia outra atividade além daquela: pregando lições sobre ludoterapia, ludopedagogia, ludotecas, etc, vendendo seus livros, e emitindo pareceres – mesmo quando não eram solicitados, ou requeridos.

O guru não gostou de mim. Essa foi uma das situações que eu experimentei de rejeição, reprovação, discriminação. Nada que eu fizesse o satisfaria. Acusou-me de fazer atividades estereotipadas. Desqualificou minha oficina. Desautorizou minha fala aos professores. Desqualificou-me como profissional.

O que me parecia mais estranho era a relação quase religiosa das pessoas, em sua maioria mulheres, em torno dele, sustentando uma atividade que pretendia fornecer formação a professoras do ensino fundamental. Aquela sujeição pareceu-me algo lastimável. Os quatro dias pareceram não ter fim, duraram uma eternidade. Tantos anos depois, ainda me pergunto por que eu não deixei tudo para trás, voltando para casa antes de finda a atividade? Por que insisti, ficando até o último dia? Talvez pelo vínculo estabelecido com o grupo de professores que escolheram fazer a oficina... Eu não queria deixa-los a meio caminho, frustrados com a interrupção da atividade. Ou eu teria teimado em cumprir um compromisso, porque assumido, mesmo quando o suposto líder do evento-movimento desqualificava minha atuação?

Voltei para casa sentindo um alívio, e tentando entender o que acontecera.

Duas décadas depois, constato que o assunto já não é domínio de uma só pessoa, ou de poucas pessoas, ou grupos: diluiu-se em grupos de estudo, pesquisadores, com ideias diversas, assentadas em diferentes países. Que bom!

Lembro esse fato pensando em outros grupos que, ainda hoje, resistem ao contato comigo, aos trânsitos de minhas idéias, tão indisciplinadas, tão predispostas a redes, tramas, nós... tão curiosas, tão auto-inquiridoras... Integrar algumas comunidades supõe, em tese, o compartilhamento de convicções, bandeiras, palavras de ordem. Linhas devidamente enoveladas, organizadas para não fazer emaranhados. No entanto, é cada vez mais improvável que eu escolha bandeiras e palavras de ordem a guiarem meus passos, em relações de fidelidade, em votos de defesa territorial inconteste. A dúvida me habita e me move.

Se a lembrança do episódio envolvendo o guru argentino me faz pensar sobre grupos e suas crenças, é a música de um uruguaio que me alenta, mostrando-me que não estou só nesse sentimento:

Yo soy um moro judio
Que vive con los cristianos
No sé que dios es el mio
Ni quales son mis Hermanos...

(Milonga del moro judio. Jorge Drexler)


Um comentário:

  1. Belo texto-experiência!... Diversidade,ó que expressão complicada de ser entendida e bem praticada,repartida,compartida,replicada no seu melhor... Em maioria,quer-se,mesmo,é a melhor fatia do bôlo,e a mais cheia de 'glacê'...Ainda bem que existem os 'moros judíos...' para fazer valer as diferenças e a saúde da boa experimentação. Em se tratando de Educação,isso,indispensável. Em Arte,sem isso,impensável. Na Cultura da Brincadeira,haver isso,imperdoável... Viva os 'moro judíos' da Vida!... Parabéns!...

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