A casa de minha avó materna ficava no mesmo quintal da casa de um dos filhos. Assim, ele podia ter-lhe atenção no que fosse preciso, ao mesmo tempo em que ela tinha seu espaço preservado, para conduzir as coisas ao jeito dela.
Ela sempre recebia mais visitas do que o filho. Na sala, netos, filhos, sobrinhos, afilhados, vizinhos entretiam-se em animadas conversas. Uns iam a cavalo, outros de bicicleta, bem poucos de carro. Havia os que passavam só para pedir a benção, outros iam para fazer um serviço, ou pedir alguma coisa, levar recado, trazer notícias. Alguns ficavam um pouco mais, tomavam chimarrão, esticavam a prosa até a hora do almoço.
Miúda, ligeira, os cabelos grisalhos presos numa trança eram enovelados num coque fixado por um grampo na parte alta da cabeça. Na cozinha, picava um punhadinho de charque, lavava um punhadinho de arroz, pegava uns pedaços de carne de porco guardados numa vasilha com banha, descascava uma raiz de mandioca pequena que logo lavava na bacia, deixando esbranquiçada a água. O punhado de arroz, refogado com o charque, era preparado numa panelinha de ferro, a mandioca ferventada noutra, o feijão já estava cozido desde cedo. A carne de porco era refogada numa frigideira. Só para esquentar, pois já era guardada pronta, imersa na banha.
Eu recontava, na sala, o número de pessoas que iriam ficar para o almoço. Olhava as panelas e tinha certeza de que a comida seria pouca.
Fia, me ajuda a pôr a mesa? Enquanto isso, ia até a horta, pegava um pezinho de alface, separava as folhas, e ia lavando, enquanto conversava com as mulheres que a acompanhavam.
Eu estendia a toalha sobre a mesa, dispunha os pratos brancos esmaltados, um a um, com os respectivos talheres. Na hora do almoço, ela punha o feijão numa travessa também esmaltada (algumas tinham uma estampa discreta com flor já meio desbotada), o arroz com charque na outra, as mandiocas macias numa terceira, e num prato redondo vinham as folhas de alface. A carne de porco era acomodada numa tigela de vidro de cor fumê. Às vezes, preparava uma limonada fresca, feita com limão caipira, bem vermelho, colhido na hora.
Todos se sentavam. Sem interromper a conversa, iam se servindo. Gente que trabalha no campo capricha na hora de fazer seu prato. Eu observava, enquanto a comida se multiplicava, como num milagre, ali, diante dos meus olhos. Todos ficavam saciados, nunca faltava. Também, nunca sobrava. Numa dessas vezes, minha mãe, às escondidas, acrescentou um punhado de arroz ao que ela já havia separado para ser preparado. Foi exatamente a quantia que sobrou, ao final do almoço. Para espanto da minha avó. Por que será que eu errei a quantia hoje?
Na sobremesa, todos tomavam leite no prato fundo. Leite cru, com espuma, acompanhado por banana picada em rodelas, ou por pedaços da mandioca cozida. À vezes, tinha angu de milho, docinho, para mistura. Ao gosto de cada um.
Depois cada qual seguia, cuidar da vida. Sua benção, Dinha Véia! Até mais ver, D. Ernestina! Deus te abençoe! Um abraço prá comadre! Lembrança pros demais! Casa vazia, louça lavada, apagado o tição no fogão a lenha, cozinha varrida, minha avó ia sestear no quarto ventilado, cheio de janelas abertas na parede de madeira. As panelinhas de ferro também repousavam na prateleira, bem areadas, brilhando tanto que pareciam fazer inveja ao alumínio. Ficavam ali, à espera da próxima sessão de milagres.
senti o gosto do angu na travessa esmaltada pintada com flores desbotadas da avó...
ResponderExcluirBem lembrado, Glads! O angu era delicioso! Com leite, então... Já até acrescentei no texto.
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