quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Modas, mercados e cabelos despudorados



à minha avó Antônia, que não conheci,
 de quem herdei a precocidade dos cabelos grisalhos.


Por que o mercado não lança, como moda, comportamentos que independam da compra de produtos?

Meus cabelos vêm se colocando grisalhos aos poucos, há tempos. Duas mexas aninharam-se à frente, e brincam com as ondas e os cachos, para um lado e para o outro. Dali, estendem outros fios brancos que se misturam aos pretos, estes ainda em maioria. Meu corpo transforma-se. Eu sou meu corpo. A imagem refletida no espelho diz de mim.

Noutro dia, notei a presença de uma faixa de novos fios pretos entre os brancos. Estariam, meus cabelos, escurecendo em consequência das mudanças na alimentação que venho providenciando nos últimos tempos?

Essa constatação provocou-me uma pergunta aparentemente tola, mas que deflagrou outras reflexões mas amplas: como as mulheres que pintam seus cabelos dão-se conta de pequenas e significativas mudanças em seu organismo, a exemplo dessa que notei em mim? Seria mesmo importante percebê-las? Penso que sim. Isso faz parte dos processos que nos levam a estar mais próximos daquilo que somos, e a ter mais autonomia nas nossas relações conosco e com o mundo onde estamos inseridos. Mas como perceber tais mudanças, se os cabelos estão entintados, se os pelos foram arrancados com cera, se as unhas estão cobertas por esmalte, se a gordura foi retirada em sessões de lipoaspiração?

Concomitantemente, vi uma reportagem que tratava dos produtos usados para colorir os cabelos, e dos danos à saúde tanto do cabelo em si, quanto do organismo dos usuários como um todo. Num evento com público predominantemente feminino, fiquei observando as cabeças das senhoras com seus 50, 60 anos, formando uma espécie de paleta diversificada das cores de tinturas disponíveis no mercado: vários tons de dourado, vermelhos, castanhos, louros, etc. O branco de seus cabelos devidamente ocultos, mascarados, dissimulados. Já nem supõem como sejam. Penso que talvez elas até acreditem, ao menos na maior parte do tempo, que seus cabelos tenham de fato aquelas cores, compradas de acordo com a oferta dos fabricantes.

Lembrando a reportagem, ocorreu-me que as agências, às quais cabe o papel de promover e ditar os comportamentos da moda, jamais haverão de sugerir a suas seguidoras algo como “agora, você está livre para assumir o que você é, de fato: não precisa mais viver correndo para comprar este ou aquele produto”, ou “para estar antenada com o que há de mais novo e chique, redescubra os seus próprios traços, as suas próprias feições, livres de quaisquer produtos à venda nas lojas do ramo!”. Seria uma estratégia suicida para o mercado, que precisa dos consumidores reféns de suas artimanhas, e crentes que, para “serem eles mesmos”, dependem de comprar os últimos itens lançados.

Em outras palavras: a moda, qualquer uma que seja, não visa o bem estar de seus usuários, de seus consumidores, mas o lucro assegurado aos vários segmentos do mercado envolvidos em cada novo comportamento instaurado: os fabricantes dos produtos, aqueles que os colocam em circulação, os que fazem sua propaganda convencendo os consumidores de que são essenciais, os que fabricam e vendem outros produtos relacionados, os especialistas que ensinam como usar “com estilo” pessoal e singular...

No entanto, quando eu, usuária, incorporo este ou aquele comportamento, não atendo, de fato, às minhas próprias necessidades, ou os meus desejos, mas às pressões das dinâmicas do mercado que me modificam ao sabor de sua fome insaciável de lucros. Nessa lista, estão todos os itens relacionados ao mundo dos cosméticos, das vestimentas, da alimentação, das academias para atividades físicas, das cirurgias estéticas, das publicações periódicas, novas e revolucionárias tecnologias, entre quantas e inumeráveis outros itens – à mostra, na vitrine, prontos para serem colocados no carrinho de compras.

Não são poucas as mulheres a me pressionar para pintar os cabelos. Acham que sou nova ainda para andar por aí, desavergonhadamente, expondo fios nus que embranquecem aos poucos. Minha atitude ganha ares de atentado ao pudor. Parece desafiá-las. Talvez as ofenda, ou cause desconforto. Tanta insistência durante tanto tempo, cheguei a considerar a possibilidade de fazê-lo. Pensei em pintar uma ou duas mexas em azul, ou vermelho. Fui ter com um cabeleireiro para saber sua opinião. Ele se recusou a executar o meu projeto, e demoveu-me, em definitivo, da ideia – que já não era portadora de muita convicção. Disse-me que os fios eram saudáveis, e seria muita a agressão necessária para pintá-los.

Por isso, ando ainda por aí, cada vez mais despudorada, com meus cabelos nus, rindo-se dos que têm medo da passagem das horas. A propósito, meu aparelho de telefone celular comprado em 2004, com tecnologia CDMA, ainda está em pleno funcionamento, apesar das ameaças da operadora de interromper os serviços em setembro último.

E assim prossigo brincando de executar pequenas estratégias de resistência nos jogos do mercado...





2 comentários:

  1. Outro dia me peguei olhando pra minha caixinha de maquiagem. Ali estavam, por baixo, mais ou menos 2.000 dilminhas. Sim, apenas em batons, sombras e outras coisinhas de pintar o rosto. Minhas unhas estão sempre coloridas. Meus cabelos nem sempre bem tingidos. E, lendo você agora refleti e digo com certeza: essa é a verdadeira eu. Com plástica nos dentes e barriguinha de cesariana (por enquanto). Que gasta absurdo com sapatos, roupas e maquiagem. Que tinge o cabelo. Que é gorda mas curte um decote.
    Mas durante muito tempo não fui assim.Por um medo idiota de ser confundida com uma burrinha qualquer que perde tempo se maquiando e pensando no look do dia.
    Liguei o botãozinho para o que os outros pensam (sabe aquele?). E me fiz feliz. Feliz por conseguir manter inteligência em um leiaute meio fútil. Feliz por ser eu mesma, assim como você. É bom, né?
    No fim, o que importa mesmo é carregarmos nossa casca e nosso miolo sem medo vida afora. Se assim acontece fica bonito, fica agradável, e, por que não dizer, segue-se a moda. Afinal, tem algo mais in que se assumir hoje em dia? Pois bem, isso tudo pra dizer que conheço seus cabelos brancos, seu amor pelo folk, suas saiotas fofas e seu olhar de menina. E é linda assim.
    Beijoca grande da Rafa.
    Saudades.
    ;)

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    1. Que máximo, Rafa! É claro que todos temos nossas estratégias para tratar da nossa casca, essa que mostramos aos outros, e preservar o miolo. Importa que cultivemos alguma autonomia nessa construção, e que não façamos escolhas por imposições externas, acreditando que são nossas escolhas. Depois, não ia ter a menor graça se todo mundo, agora, por moda, deixasse de pintar os cabelos. Talvez eu até começasse a pintá-los... kkkkk
      Também acho linda "a sua verdadeira eu". Lembro das primeiras vezes que a vi, altiva, gata, olhos grandes (aliás, tudo grande!). Nossa, que mulherão, pensei. Continuo achando a mesma coisa.
      Um beijo em seu coração.

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