sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Apontamentos sobre saudades


Este texto foi produzido em resposta à solicitação
 feita pelo meu querido amigo Elinaldo Meira,
 e refere-se à sua pesquisa de pós-doutorado no PACC/UFRJ.
 Está dedicado a ele, e à minha querida Heloísa Buarque de Hollanda,
 mentora primaz daquele Programa,
 e supervisora do projeto de pesquisa em pauta.
Saudades.

Buscando a etimologia da palavra saudade, encontramos indicações de sua raiz na palavra latina solitatem, é o que defende, entre outros estudiosos da língua portuguesa, Francisco da Silveira Bueno (1974). O verbete diz de um sentimento que mistura tristeza e esperança, ante a ausência de uma pessoa, de um país, de que se está distante, privado. Mas diz, também, da esperança de ainda revê-los. A palavra chega à sua forma contemporânea tendo tomado, no século XIII, as formas arcaicas soidade e soydade, no século XV, a forma soedade e, no século XVI, suydades.
No entanto, João Ribeiro (ALMEIDA, 1980) questiona a informação de que o termo soidade seja a raiz de saudade, e acena para a possibilidade de influência da língua árabe. Nela, se encontram as expressões saiad, saudá e suaidá, que, além de “lembrar” a palavra saudade, têm certo sentido de profunda tristeza, “do sangue pisado e preto dentro do coração” (p. 260).
Não importa se uma palavra de origem latina ou árabe, sentir saudades, no ambiente da língua portuguesa contemporânea (vale lembrar que o sentido de saudade tem representação em palavras em outras línguas, também, não só no português, como nós, seus falantes, desejaríamos que fosse. A exemplo das palavras citadas, no árabe), pressupõe um investimento afetivo voltado para eventos já vividos, ou pessoas conhecidas, objetos, enfim, que, anteriormente próximos de alguma forma, se tenham ausentado. Contudo, a ausência, a distância espacial ou temporal mais relevante não é a de dimensão objetivamente mensurável, mas subjetiva, relacionada com a intimidade do sujeito que sente solidão pela falta, cujo coração encontra-se tomado por dor e sangue pisado.
Mas Elinaldo propõe, em seu projeto de pesquisa, pensar em relações, dentre outras, entre noções de saudade e virtual. O que me pareceu instigante. Podemos começar a pensar sobre a questão, tomando a fala encontrada no poema dramático O Marinheiro (1980), de Fernando Pessoa, escrito em 1913, quando uma das personagens, a Segunda Veladora, declara que “só o mar das outras terras é que é belo. Aquele que nós vemos dá-nos sempre saudades daquele que não veremos nunca...” (p. 114).
Ora, o mar, aquele que não veremos nunca, é virtual: existe como potência a ser realizada. A saudade refere-se, assim, a um sentimento investido num evento virtual, ainda não atualizado. O atual, que se contrapõe ao virtual, está aqui, agora, viabilizado, com sua potência tornada concretude. Do atual, não sentimos saudade, pois não está ausente, não nos acena como possibilidade: é, aqui e agora. Não há sangue para ser repisado no fundo do coração...

ALMEIDA, R. C. de. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Brasília: Valci Editora LTDA, 1980.
BUENO, F. da S. Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa. São Paulo: Ed. Brasília LTDA, 1974.
PESSOA, F. O eu profundo e os outros eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.


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