sábado, 11 de fevereiro de 2012

A propósito do texto "diário íntimo" (http://historiasdesagradaveis.blogspot.com/2012/02/diario-intimo.html?spref=fb)



para meu amigo, sempre querido, Gladstone.

Eu era membro do júri de um festival de cinema. Convidada para a sessão de abertura, errei o horário, e cheguei uma hora antes ao teatro. Os funcionários estavam, ainda, montando o cenário do evento. Sentei-me na pequena praça à frente, bem no centro da cidade, e fiquei observando o movimento do fim do dia. Trabalhadores cansados retornavam para casa depois da jornada. Uma balconista sentou-se no mesmo banco que eu, tirou as sandálias altas, colocou uma rasteirinha, esticou as pernas. Falou das dores que sentia, da trabalheira que era atender o gosto das clientes, e do quanto gostava do burburinho das lojas e das ruas. Ficou ali, esperando pelo namorado. Viu a movimentação no teatro, e perguntou do que se tratava. Expliquei. Animou-se quando viu um jornalista chegar com a equipe para apresentar matéria ao vivo para o telejornal local. Esse eu até levava prá minha casa, falou, entre risos desabridos que reverberaram entre as luzes da rua sendo acesas, uma a uma. Acompanhou à distância o rapaz decidir o enquadramento, ajustar as luzes, testar a voz, verificar se ficou bem no vídeo, etc. E eu acompanhei suas reações, divertindo-me. Aos poucos, o público do festival começou a chegar: artistas, críticos de arte, cineastas, críticos de cinema, intelectuais, produtores, atores, atrizes, fotógrafos com suas câmeras ostensivas, autoridades... Ali, sentada no banco da praça, fui me sentindo cada vez mais próxima da balconista, de seu anonimato, de suas pernas cansadas, de seu riso desabrido, do ônibus lotado que ela enfrentaria com o namorado, da rua fumacenta perdendo-se na noite... e cada vez mais distante do espetáculo que eu, oculta numa zona de sombra, assistia ser montado, ali, a poucos metros do banco da praça. Fui ficando inquieta. Por que chegara tão cedo? Se tivesse chegado atrasada, teria caído no meio do evento, sem tempo para pensar, sem tempo para reagir. Talvez até ficasse quieta a um canto, quase anônima, mas teria enfrentado a arena. Mas ali, acomodada no banco da praça há tanto tempo, vendo tudo ser montado, não encontrava vontade nem argumento forte o suficiente para adentrar o cenário.

Nos outros dias, seria muito mais fácil: em meio ao público geral, sentada a uma poltrona qualquer, assistiria cada filme com fome de histórias e atenção de caçador. Mergulharia nas narrativas de cada um deles, me lambuzaria com suas luzes e sons. Eu desejava que esse momento chegasse, sem tem que passar pela sessão solene de abertura...

Quando o namorado chegou, a balconista despediu-se de mim, e sumiram-se, os dois, entre as gentes, pelas calçadas da cidade. Eu chamei o taxista que me deixara ali cerca de uma hora e meia antes. Voltei para casa.



Um comentário:

  1. Querida Alice, lindo texto... obrigado! Passado o pânico inicial de multidão e o esforço de parecer um ser social, curti o evento e consegui reconhecer a trabalheira do pessoal do Museu para produzir uma grande exposição. Beijos

    ResponderExcluir