sexta-feira, 1 de julho de 2011

Uma dívida e um tributo


Em várias postagens, neste blog, tenho feito referências à minha vizinha Lola, mostrando, inclusive, um retrato seu, em sua plena simpatia. Mas não tenho feito jus ao papel que ela cumpre no meu quotidiano, e ao modo como estabelecemos vínculos, eu e ela. Pretendo, hoje, sanar essa falta.

Há algum tempo, Lola sofreu um trauma: voejou em torno da casa de campo onde estava, num final de semana, e foi parar dentro da bocarra de um pit bull. Salva pelos moradores, tornou-se arisca, não negocia maiores aproximações ou intimidades com quem quer que seja. Belisca mãos que tentem tocá-la, se escapa para a parte superior da gaiola quando se sente ameaçada.

Mas conversa, canta, anima-se com o rádio ligado, com música ambiente, com o movimento das pessoas. E alegra os meus fins de tarde com sua sonoridade.

Num desses dias, brincando com ela, à distância, coloquei minhas mãos em concha, soprando entre os dedos polegares. O som que resulta lembra o assovio de alguma ave silvestre. É possível controlar a nota, produzindo uma vibração. Ao ouvir o som, ela arrepiou as penas, desceu rapidamente, se aproximou de mim, ficou atenta. Ficamos muito perto, uma da outra. Eu, emitindo aquelas notas para ela. Ela, ouvindo, as penas relaxadas, por vezes emitia algo parecido com “rrrrrrrrr”... Eu interrompia o som, e perguntava qualquer coisa para ela, ao que ela retrucava com pequenos ruídos, curtos, baixinhos. Como se cochichasse comigo. “É?”; "Hã?"; “Lola...”; “rrrrrrrrr...” Por algum tempo, mantivemos esse diálogo, envolto por um estranho encantamento, de que não me esqueci. Parece que ela também não...

Essas conversas têm se repetido com alguma regularidade, desde então.

Sua dona se impressiona. “Ela não deixa ninguém chegar tão perto!” E insiste que eu lhe dê a mão, para ela vir comigo. Mas a Lola não quer isso. Se eu estendo, mesmo que suavemente, a mão em sua direção, ela se afasta. Sem sustos, apenas indica o que não quer. Mas se eu volto a soprar as notas entre as mãos em concha, ela retorna. Fica ali, bem pertinho, ouvindo. Cochichando segredos para mim...


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