segunda-feira, 4 de julho de 2011

Máscaras e serpentes num canteiro de obras





Eu estava distraída. Essas coisas sempre acontecem quando estamos distraídos. Fotografava algumas coisas. Ouvi a voz grave me perguntar: “O que a senhora vai fazer com essas fotos?” Era um jovem, operário de uma das obras em curso nas proximidades. Aproximou-se: “Vai colocar na internet?” Enquanto eu pensava nalguma resposta plausível, ele explicou-me: “É que nessas obras que estão fazendo estão desperdiçando muita madeira. Eu não me conformo. A senhora sabe, eles vendem toda essa madeira para ser queimada em caldeiras de hotel e de motel, em forno de padaria... Então, no meu horário de almoço, eu aproveito, pego essas madeiras que vão ser descartadas, e faço umas esculturas. Aí eu queria ver, quem queria comprar, eu queria mostrar meu trabalho...” A essas alturas, eu queria saber mais sobre quem fosse aquela pessoa que me abordava daquela forma, que tipo de trabalho ele fazia. “Eu fiz, agora, uma máscara, parece uma carranca, mas não é: é uma máscara. Eu misturo a madeira com metal, eu junto parafusos, ruelas, coisas de cobre, e incrusto na madeira esculpida. Fiz uma serpente, também, é um formato de cajado, que é uma serpente. Estão lá, no canteiro de obras. Mas eu queria, mesmo, era fazer um totem para colocar aqui na universidade. A senhora sabe com quem eu tinha que falar para pedir permissão?” Segui, com ele, fomos conversando, até o canteiro de obras. Fotografei as duas peças que estavam lá, dependuradas na parede do refeitório dos trabalhadores. Ele segurou a serpente, e posou para a fotografia. Os colegas chamam-no Caubói. No outro dia, retornei. Já tinha vendido as peças. Cobrou, pelas duas, R$ 50,00: “A senhora acha muito?” E já estava fazendo um cochinho para colocar plantas de jardim. Pedi-lhe que reservasse para mim. No dia marcado, ele me levou para ver as madeiras abandonadas no campus, cujo destino provavelmente seja o fogo: troncos de ipê, angico, jatobá (Isso me fez lembrar quando meu tio foi multado pelo IBAMA por ter queimado o lixo doméstico no quintal de sua casa, na fazenda... e essa é apenas uma das tantas arbitrariedades que têm sido cometidas em nome do meio ambiente... já ali... mas essa é uma outra história). Sugeri-lhe iniciar o totem, enquanto eu me informo sobre a autorização e o melhor lugar para instalá-lo. Também já reuniu material suficiente para fazer uma nova série de máscaras. Ele realiza seu trabalho porque precisa dar forma viva às madeiras que vê, abandonadas. Ele olha para as peças, e vislumbra formas nelas. Então atende ao impulso de esculpir-lhes as formas, para que os demais também possam ver...



Aproveitei para perguntar o que seria o prédio de cuja construção ele estava tomando parte. Não sabe. Nesse canteiro, como na maioria dos casos, os operários montam, com cuidado, tijolo sobre tijolo, o concreto, moldam os degraus de todas as escadarias, abrem janelas, portas, instalam as fiações, sem ter a menor ideia da destinação que terá o fruto do seu trabalho...


Assim é.


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