sábado, 2 de julho de 2011

“... e eu estou aqui, sozinho, sem saber o que fazer...”


Para Lô, in memorian

Já se passaram tantos anos... Ela viu meu currículo numa escola, interessou-se, ele entrou em contato comigo, nos reunimos na sua clínica de psicopedagogia, onde acompanhavam crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem. No fim das contas, não chegamos a trabalhar juntos por muito tempo, apenas em situações excepcionais: algumas palestras, alguns atendimentos na clínica, uma e outra consultoria. A principal sociedade que se estabeleceu entre nós foi a fraterna: tornamo-nos amigos, e conheci outras pessoas marcantes para mim a partir da presença deles em minha vida.

Mais tarde, mudei-me de cidade, e víamo-nos pouco. Mas o bastante para nos sabermos ligados, para alimentar os afetos. De vez em quando batiam saudades, e eu corria ao telefone, para nos falarmos um pouco. Brincávamos, atualizávamos as notícias. Até quando ele atendeu ao chamado no telefone celular, informando-me que haviam se mudado para Belém. Ela adoecera gravemente, e lá contavam com o suporte da família para o tratamento. Na última noite de Natal, conversamos sobre memórias, esperanças. Estavam no hospital, em mais uma das internações a que ela tinha que se submeter.

Hoje, no meio da tarde, ele me chamou ao telefone. Tive um sobressalto, e comecei a falar continuamente. De alguma forma, eu sabia o que ele tinha a me dizer, e tratava de ganhar alguns segundos, adiando esse momento. Mas ele começou dizendo que não queria chorar, embora soubesse que não conseguiria. Esperara para me ligar quando se sentisse mais forte, mas não sabe ainda quando se sentirá. Por isso resolveu falar comigo mesmo ainda tão frágil. Seu amor, sua parceira de quantas décadas, partiu. E agora ele está ali, sentindo-se só, sem saber o que fazer, por onde recomeçar a viver. Ele sabe que recomeçará. Mas, nele, quem sabe é a cabeça: seu coração ainda não consegue saber, parece que ainda não quer saber, me explica. Seu consolo é pensar que o sofrimento dela foi muito maior do que pode suportar uma pessoa adulta reduzida a trinta e poucos quilos. Pela dor dela, ele aplaca um pouco a própria dor.

Meu querido amigo. Minha querida amiga. Minha saudade... A dor... essa, o tempo acalma, é certo. Mas a dor também nos modifica fundamente. Que nos faça mais capazes de amar, mas, sobretudo, de compreender a dor daqueles que amamos. Inclusive quando partem.



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