Para os estudantes que vão redescobrindo
o poder político de seu grito,
o poder político de seu grito,
de seu gesto, de sua determinação.
Ingressei na universidade no primeiro semestre de 1980.
Tinha ainda 17 anos, e logo me deparei com uma greve deflagrada pelos
estudantes. Os anos mais duros da ditadura militar começavam a perder força,
mas ainda não tínhamos o direito ao exercício democrático nas diversas
instituições. Mas no DCE, o direito à voz era assegurado, e as decisões eram
tomadas com base no voto. Mesmo sabendo que havia os dedo-duros infiltrados, que denunciavam militantes, ações programadas,
etc.
As primeiras lições de cidadania foram logo ganhando
lugar. O trem da História só passa uma vez, e é preciso assumirmos posição.
Àquele tempo, nosso antagonista tinha feições claras, vociferava
ameaças abertamente, e cumpria o prometido quase sempre. Nossas assembléias
mobilizavam milhares de estudantes, e não raro eram compartilhadas por
políticos de esquerda que nos apoiavam. Em volta, centenas de soldados com cães
nos vigiavam, prontos a atacarem, à menor alteração de humor, ao menor indício
de que já fosse a hora de dar um basta.
Durante os quatro anos do meu curso de graduação, atuei
num grupo de teatro estudantil, participei de um sem número de assembléias, e lancei-me
com força a toda a mobilização de coisa de duas ou três greves de estudantes. Nessas
greves, não contávamos com o apoio dos professores, que registravam nossas faltas nas aulas, e
ameaçavam nos reprovar, o que poderia redundar em jubilamento. As palavras de
ordem pediam contratação de professores, verbas para os cursos, e
democratização da instituição, entre outras coisas.
Muitos jovens saíram do movimento para assumir carreiras
políticas. Alguns ocupam, hoje, cargos executivos no governo federal. Seus discursos
mudaram um tanto. Suas práticas ainda mais. Nem tudo é linear, nem todas as
relações são claras. Eu não cometeria a ingenuidade de pensar que todos, àquela
época, fossem movidos pelo mesmo ideário que me movia, e que vinha marcado por
valores morais e éticos depurados. Muitos interesses nem sempre revelados estavam
em jogo. Mas havia uma força outra, do coletivo, que parecia prevalecer, uma
solidariedade que imprimia o tom das mobilizações acima de motivações outras,
possíveis, prováveis.
Concluído meu curso, afastei-me da vida acadêmica durante
uma década, atuando na educação básica. Ali também as greves ocupavam os
calendários letivos, em embates que, embora sofridos, potencializavam nossa
energia e vontade de lutar por uma sociedade mais democrática, justa, por um
projeto de educação de qualidade, por condições melhores para se ensinar e
aprender. Foram muitas as passeatas pelo centro da cidade, assembléias em
frente ao Congresso Nacional, no estacionamento do Estádio Mané Garrincha. Milhares
de professores levantavam a voz e o braço. Eu fazia parte daquilo, e isso me
dava força para prosseguir.
Em meados dos anos 90, voltei à universidade, para fazer
o curso de Mestrado. O reitor, nesse período, já era eleito pelo voto de
professores, estudantes e funcionários. A democracia chegara à instituição
universitária, afinal, como sonháramos há pouco mais de uma década. Contudo, surpreendi-me
com a informação de que o DCE se havia desarticulado. Pior: nas últimas
eleições, não havia candidaturas que representassem de fato o corpo discente, e
não houve votação mínima para legitimar qualquer resultado.
Tive a impressão de que, instaurado o processo de eleição
do reitor e diretores das unidades acadêmicas, os estudantes tinham perdido a
clareza sobre porque lutar, quando lutar, contra quem lutar. Eram os professores
que faziam greve, sob as críticas e os queixumes dos estudantes, preocupados,
estes, em obter logo seus diplomas e se verem livres do suplício de estudar.
Durante o curso de Mestrado, houve uma greve longa de
professores, e um deles fez greve de fome. Foi uma luta intensa. Temi por sua
integridade, em vários momentos. Esses professores, alguns deles, foram estudantes
universitários nos anos 60 e 70, e haviam trazido de lá a vontade de lutar. Os estudantes,
ingressados na universidade já democratizada, não viam razão para embates. E se
opunham à luta dos professores.
Desde então, percebo que se perdeu uma aprendizagem
necessária no decurso das duas últimas décadas: a de que o exercício de
cidadania deve tomar parte de nossas formações, em qualquer instância, a todo
momento. E que é preciso explicitarmos as posições que assumimos ante a
sociedade, compreendermos as responsabilidades que nos cabem atuando nos vários
segmentos das dinâmicas sociais. É preciso, sobretudo, percebermos que, muitas
vezes, a ansiedade pelo cumprimento de certas metas de curto prazo desqualifica
nossa inserção no percurso da história, desqualifica o projeto social de que
tomemos parte. Não podemos viver como meros consumidores que reclamam no balcão
de atendimento do supermercado para que alguém – quem será? – tome a
providência necessária – qual será?
Cabe a nós mesmos tomar as providências necessárias, e
aprender a negociar nas diversidades, compreender os diferentes pontos de
vista, sem delegar responsabilidades.
Hoje constato que os corpos estudantis se esqueceram de
sua força como categoria. Os estudantes perderam-se de seus projetos sociais
coletivos: urgenciam diplomas que assegurem seu ingresso no mercado, não
importa a que preço. É a sociedade de consumo dando o tom dos comportamentos.
Por isso, entre inquietações que me assaltam neste
momento, alegro-me em constatar o retorno de um viço capaz de mobilizar
estudantes, de levantar sua voz, de devolvê-los à cena, como protagonistas, e
não como meras vítimas de processos políticos outros que não lhe dizem
respeito.
Estudantes fazem greve, sim! Estudantes são a razão da
existência das instituições universitárias! Os estudantes devem discutir os
destinos dessas instituições, do mesmo modo como projetam seus próprios
destinos! Este é o momento de aprendermos a fazê-lo, este é o momento de
exercitarmos!
O trem da História só passa uma vez. Que ninguém perca a
viagem. E se perder, que não fique se lamentando, entre queixumes, na estação,
acusando outrem por ter sido deixado para trás.
Este é o tempo de Kayros, ele anuncia a urgência da ação, é o espaço temporal da claridade, do momento certo. Mas Kayros também declara:
ResponderExcluiro momento justo não se repete, não é possível recriar a oportunidade, e o momento oportuno é o agora. Textto lindo Alice, uauu !!
Aqui é o lugar, o momento é agora! Que a vida seja funda e fecunda! Obrigada por sua observação absolutamente pertinente sobre Kayros. <3
ResponderExcluir...Sou testemunha,co-partícipe ativa, dessa hora,aí descrita de modo magistral !... De fato, o pior é ver os desencontros entre as partes interessandas,no caso dos movimentos e suas representações,numa hora de quase apagamento do papel sindical,docente,funcional e geral, além das organizações estudantís... Percebo certa anomia,mais preocupada com o 'carreirismo' aí ,devidamente,apontado.Compromissos de participação no fazer-fazendo da História,na sua vida e na do seu Povo ?!...Quase nenhum. Só com o 'lattes'!... Pena... Aliás, parodiando a canção-de-protesto dos 60 : "...é um tempo de guerra...é um tempo sem sol...",pois que os holofotes e spots,tomaram o lugar da luz viva e solar,da participação comprometida,engajada, em benefício,apenas, do mercadão crudelento,mais afeito aos 'acordos' da politicalha que age sem haver quaisquer protestos ,organizados,politizados,conscientes,maiores... Lástima! PARABÉNS,pelo texto-protesto-provocação !... Sinceros cumprimentos.
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