Eu trabalhava na antiga Fundação Educacional do Distrito
Federal. Nós professores estávamos em greve, num embate muito difícil com o
governo distrital. E a situação da equipe por mim integrada era particularmente
delicada, pois participávamos de um projeto que atendia meninos e meninas em situação
de risco, em funcionamento num circo no centro da cidade. Dele tomavam parte
várias Secretarias: de Saúde, do Serviço Social, de Segurança, de Cultura, além
da área de Educação. Mas entendíamos que nossa posição política também era
referência de formação para os nossos estudantes, e por isso decidimos lidar
com as tensões que a situação nos colocava.
Ao mesmo tempo, o país se mobilizava para participar, no
Rio de Janeiro, da ECO 92. E a direção do projeto decidiu que um grupo dos
nossos estudantes não ficaria de fora do acontecimento. Dois professores de
teatro prepararam uma apresentação cênica que tratava da condição dos meninos,
de animais ameaçados de extinção, de meio ambiente. Foram providenciadas
algumas participações do grupo em programações paralelas ao evento oficial. Eu fui
chamada a acompanhar o grupo, considerando que era coordenadora pedagógica do
setor de escolarização, e tinha ascensão sobre os meninos. Dada a
excepcionalidade da situação, acolhi a missão.
Fui informada que teria hospedagem no Rio de Janeiro, e
contaria com o suporte dos professores responsáveis pela formação do grupo e produção
da apresentação. Éramos duas professoras, três professores, e doze alunos,
todos rapazinhos.
Quando chegamos, de ônibus, ao Rio de Janeiro, soubemos
que ficaríamos hospedados na antiga FEBEM, em Quintino Bocaiúva, todos num
único alojamento coletivo, dormindo em beliches, sem acesso a telefone e outros
modos de comunicação. Dias muito difíceis se desenrolariam, então. A cidade
encontrava-se numa espécie de convulsão: gentes de todas as partes não queriam
perder o melhor lugar na arquibancada para assistir alguma coisa que ninguém,
de fato, sabia ao certo o que seria, mas que acreditavam ter uma importância
história e uma potência transformadora – de que mesmo? Os meninos foram
contaminados pela febre coletiva, e nós, que os acompanhávamos, éramos
responsáveis por sua segurança, em uma situação de muita vulnerabilidade, sem
dispor de muitos recursos para lidar com aquela situação.
Desde esse lugar periférico, marginal, internados numa instituição
voltada para menores infratores, a ECO 92 nos parecia uma farsa de mau gosto,
capaz tão somente de provocar desconforto, além do espetáculo midiático que
atendia a projetos outros, de natureza política e econômica, dos quais não tínhamos
qualquer participação. As apresentações do grupo de teatro aconteceram de modo
precário, para públicos distraídos.
Ao final de alguns dias, retornamos para o Distrito
Federal. Os meninos vinham radiantes, depois de terem conhecido o mar, a Lapa,
o Pão de Açúcar, Copacabana... Eu retornei ao movimento grevista, que durou
mais algum tempo. Sua conclusão também resultou em frustração: voltamos ao
trabalho, às rotinas de reposição de aulas, sem quaisquer dos ganhos
reivindicados. Durante a última assembleia, sentindo o peso da frustração, decidi
que não sucumbiria a lamentações, que não gastaria minhas energias com
queixumes: trabalharia duro para sair daquela situação, buscando condições mais
dignas para atuar.
Seria coincidência (penso que não) o que acontece exatos
vinte anos depois? Hoje, junho de 2012, a Rio+20 capitula frustrando expectativas de militantes,
sonhadores, gente que alimentava algum entusiasmo com o evento. Hoje, também,
nós professores das universidades federais estamos em greve, juntamente com os
funcionários da área técnico-administrativa, e os estudantes, para explicitar a
necessidade de se rever as condições salariais, de trabalho, os projetos do
ensino superior, público e de qualidade.
A FEBEM, em Quintino Bocaiúva, no Rio de Janeiro, agora se chama Fundação
Centro Brasileiro Infância e Adolescência Quintino Bocaiúva. Se mudaram os
nomes, a situação dos menores em situação de risco no país não conheceu melhora
desde então. Tampouco a dos professores...
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