domingo, 17 de junho de 2012

Algumas memórias (nem um pouco glamurosas) da ECO 92




Eu trabalhava na antiga Fundação Educacional do Distrito Federal. Nós professores estávamos em greve, num embate muito difícil com o governo distrital. E a situação da equipe por mim integrada era particularmente delicada, pois participávamos de um projeto que atendia meninos e meninas em situação de risco, em funcionamento num circo no centro da cidade. Dele tomavam parte várias Secretarias: de Saúde, do Serviço Social, de Segurança, de Cultura, além da área de Educação. Mas entendíamos que nossa posição política também era referência de formação para os nossos estudantes, e por isso decidimos lidar com as tensões que a situação nos colocava.

Ao mesmo tempo, o país se mobilizava para participar, no Rio de Janeiro, da ECO 92. E a direção do projeto decidiu que um grupo dos nossos estudantes não ficaria de fora do acontecimento. Dois professores de teatro prepararam uma apresentação cênica que tratava da condição dos meninos, de animais ameaçados de extinção, de meio ambiente. Foram providenciadas algumas participações do grupo em programações paralelas ao evento oficial. Eu fui chamada a acompanhar o grupo, considerando que era coordenadora pedagógica do setor de escolarização, e tinha ascensão sobre os meninos. Dada a excepcionalidade da situação, acolhi a missão.

Fui informada que teria hospedagem no Rio de Janeiro, e contaria com o suporte dos professores responsáveis pela formação do grupo e produção da apresentação. Éramos duas professoras, três professores, e doze alunos, todos rapazinhos.

Quando chegamos, de ônibus, ao Rio de Janeiro, soubemos que ficaríamos hospedados na antiga FEBEM, em Quintino Bocaiúva, todos num único alojamento coletivo, dormindo em beliches, sem acesso a telefone e outros modos de comunicação. Dias muito difíceis se desenrolariam, então. A cidade encontrava-se numa espécie de convulsão: gentes de todas as partes não queriam perder o melhor lugar na arquibancada para assistir alguma coisa que ninguém, de fato, sabia ao certo o que seria, mas que acreditavam ter uma importância história e uma potência transformadora – de que mesmo? Os meninos foram contaminados pela febre coletiva, e nós, que os acompanhávamos, éramos responsáveis por sua segurança, em uma situação de muita vulnerabilidade, sem dispor de muitos recursos para lidar com aquela situação.

Desde esse lugar periférico, marginal, internados numa instituição voltada para menores infratores, a ECO 92 nos parecia uma farsa de mau gosto, capaz tão somente de provocar desconforto, além do espetáculo midiático que atendia a projetos outros, de natureza política e econômica, dos quais não tínhamos qualquer participação. As apresentações do grupo de teatro aconteceram de modo precário, para públicos distraídos.

Ao final de alguns dias, retornamos para o Distrito Federal. Os meninos vinham radiantes, depois de terem conhecido o mar, a Lapa, o Pão de Açúcar, Copacabana... Eu retornei ao movimento grevista, que durou mais algum tempo. Sua conclusão também resultou em frustração: voltamos ao trabalho, às rotinas de reposição de aulas, sem quaisquer dos ganhos reivindicados. Durante a última assembleia, sentindo o peso da frustração, decidi que não sucumbiria a lamentações, que não gastaria minhas energias com queixumes: trabalharia duro para sair daquela situação, buscando condições mais dignas para atuar.

Seria coincidência (penso que não) o que acontece exatos vinte anos depois? Hoje, junho de 2012, a Rio+20 capitula frustrando expectativas de militantes, sonhadores, gente que alimentava algum entusiasmo com o evento. Hoje, também, nós professores das universidades federais estamos em greve, juntamente com os funcionários da área técnico-administrativa, e os estudantes, para explicitar a necessidade de se rever as condições salariais, de trabalho, os projetos do ensino superior, público e de qualidade.

A FEBEM, em Quintino Bocaiúva, no Rio de Janeiro, agora se chama Fundação Centro Brasileiro Infância e Adolescência Quintino Bocaiúva. Se mudaram os nomes, a situação dos menores em situação de risco no país não conheceu melhora desde então. Tampouco a dos professores...



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