Quando a Revolução Industrial transformou os modos de
produção de bens necessários à vida, e o capitalismo gerou os mecanismos por
meio dos quais as indústrias passaram a produzir não apenas os bens necessários
à vida, mas itens além das necessidades, provocando sempre uma ampliação do
desejo em direção de novos itens a serem produzidos, nessa circunstância foi
necessário articular estratégias de formação de mão de obra produtora. Assim,
constituíram-se, entre outras instituições, as escolas no formato como conhecemos, organizadas dentro da
lógica fabril, capaz de ensinar não apenas os conteúdos escolares, mas o modo
de operar em sociedade.
O pensamento geral, nessa etapa, foi o de que seria
necessário buscar alguma forma de inserção no mercado, definindo um lugar na
complexa malha de produção. Você faz o que? O que você pretende fazer? Essa, a
senha para um ingresso ajustado nas redes da sociedade.
Com o passar do tempo, ampliaram-se, em progressão geométrica, os
itens produzidos, à disposição, para serem consumidos. Então, mais que produtores,
passou a ser necessário assegurar a formação de consumidores vorazes. Havendo produtores
o bastante, é preciso que haja, sempre, consumidores que devorem suas
produções. O ingresso nos circuitos de produção ficou cada vez mais concorrido.
A palavra de ordem é consumir (lembrando o oráculo do filme THX-1138, de George
Lucas). Assim, cada vez mais precocemente, as crianças são convocadas a terem
discernimento sobre que produtos preferem comprar, nos mercados, e a repetir
rituais com roupas, jogos, maquiagens, músicas, e outros itens. Os circuitos de
entretenimento também se voltam para a formação eficiente desses consumidores.
É nesses termos (e não em outros) que a instituição escolar
formal encontra-se defasada. Sua estrutura mantém a noção da formação de
produtores, sem ter sucumbido (ao menos não plenamente) às demandas da formação
de consumidores. Os discursos de educadores que se pretendem progressistas,
transformadores, reivindicam a implosão das estruturas da velha escola, em
favor de sua flexibilização de acordo com a cultura contemporânea. De fato, as
práticas da velha escola geram tensões, na medida em que formam produtores (com
baixa capacidade competitiva) para uma sociedade de consumidores. Mas é
preciso, também, que coloquemos em questão se queremos, mesmo, escolas a
serviço da formação de consumidores.
Essas questões ganham novas ênfases, sobretudo, na atual
etapa das relações impostas pelo capital, quando o consumo mais agressivo e lucrativo não
é mais de produtos, mas dos próprios consumidores. É nesta etapa que entram os
reality shows, as plataformas de relacionamento social nas redes de computadores,
os aparatos tecnológicos oferecendo inclusão a todos, a preços módicos.
Já não importa o que você vai fazer, que produtor você será, ou o que você vai
consumir, mas de que redes você toma parte, com quantos pontos de contato para
assegurar a difusão de suas ideias (quaisquer que sejam, formuladas em breves
frases, ou imagens, que se espalham com a mesma velocidade com que são esquecidas...). As ideias portadoras de valor são aquelas capazes de disseminar desejos de inclusão nas relações de consumo... Importa, acima de tudo, saber se você detém o aparato mais recente, que lhe
permite acesso a esta e àquela redes de relacionamento e informação, onde possa consumir, mas também disponibilizar-se ao consumo.
Outras instituições sociais, que não as escolas, tomam para si o papel de
formação desses consumidores. Por exemplo, a maior parte dos trabalhos
artísticos localizados no âmbito da chamada arte e tecnologia cumprem o papel
de demonstrar usos de novos aparatos tecnológicos, despertando o desejo de
novos e potenciais consumidores, mais do que propiciar experiências estéticas
de diversas naturezas. Outro exemplo está na multiplicação dos discursos
inclusivos de toda espécie, cuja potência está muito mais na possibilidade de
multiplicação de consumidores do que propriamente na inclusão benfazeja dos historicamente
discriminados. Definitivamente, não se tratam de discursos beneficentes, tampouco de filantropia...
Todos esses discursos sugerem o sujeito como protagonista dos
processos em curso, projetam sua imagem, colocam-no nas prateleiras mais
visíveis, afetam seu desejo e vaidade. Ele passa a oferecer sua própria
existência, à disposição do mercado, como moeda de troca para consumir outras
existências igualmente à disposição.
É exatamente nesse cenário que entram os reality shows:
escolas eficientemente afinadas com as demandas da sociedade contemporânea e
sua lógica de consumo. Portanto, não basta reclamar dessas programações nas redes sociais (o que é, de fato, um contra-senso), ou desqualificar
os participantes, sem compreender que eles são a imagem condensada, caricaturizada
por vezes, daquilo que efetivamente somos, ou de que tomamos parte (para o bem, e para o mal). É preciso, sim, ter
coragem de olhar para esse espelho, e perguntar onde cada um de nós está, que
papel cumprimos nesse espetáculo?
Afinal, não é verdade que estamos sempre disponíveis, conectados, antenados, prontos a assimilar a última novidade, com medo de perder nosso lugar nos fluxos incessantes de tudo quanto se refira à atualidade? E prontos para emitir alguma opinião, mesmo que queixosa, sugerindo alguma nostalgia de um suposto tempo quando parece que tudo tinha mais qualidade, como se fosse possível reivindicarmos isenção, ou inocência no tocante ao cenário contemporâneo...
Afinal, não é verdade que estamos sempre disponíveis, conectados, antenados, prontos a assimilar a última novidade, com medo de perder nosso lugar nos fluxos incessantes de tudo quanto se refira à atualidade? E prontos para emitir alguma opinião, mesmo que queixosa, sugerindo alguma nostalgia de um suposto tempo quando parece que tudo tinha mais qualidade, como se fosse possível reivindicarmos isenção, ou inocência no tocante ao cenário contemporâneo...
Uma coisa é certa: gostemos ou não disso, concordemos ou não com sua configuração, não estamos fora dele!
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