sábado, 22 de junho de 2013

A horda...

A horda...

Na superfície das grandes obras e vias, a elite instala-se com seus palacetes, e partilha banquetes entre os convivas. No primeiro nível dos subterrâneos estão os complexos de máquinas que fabricam as riquezas, funcionando 24h por dia. Executam os procedimentos que mantêm as máquinas em funcionamento um exército de operários que habitam o segundo nível dos subterrâneos. Nos poucos momentos que têm distantes das máquinas, os operários reúnem-se em labirintos ainda mais profundos dos subterrâneos, onde conspiram, liderados por Maria (esse nome é portador de uma tradição judaico-cristã importante). Ela defende a necessidade de uma revolução pacífica (isso nos lembra alguma coisa?), mediada pelo amor. Os operários não se pronunciam: ouvem Maria, ouvem as máquinas, ouvem... ouvem...

Na superfície, a elite também conspira, visando assegurar a manutenção de seu status quo. Há delatores entre os operários (sempre há...). Um dos quais, um operário muito grande, com rosto sem expressão, entrega o mapa do lugar onde se reúnem. Não pronuncia palavra. Não tem nome. Retorna aos subterrâneos, de onde não pode sair sem autorização.

Maria é sequestrada. O cientista do império cria um robô à sua imagem e semelhança, para ser colocado em seu lugar. O que há de mais avançado na ciência e na tecnologia está a serviço da elite, de sua permanência nos estratos mais altos das estruturas hierárquicas de poder político e econômico. Não, a ciência não é neutra.

Maria-robô segue para os subterrâneos e, cumprindo o papel para o qual foi programada por seus criadores, incita os operários à violência: tanto tempo esperando por vias pacíficas, sem qualquer resultado, agora é a vez de uma ação mais contundente. Liderados pelo robô, sem percebê-lo impostor (incapazes de interpretação crítica de seu contexto, afinal...), os operários avançam sobre as máquinas, em direção à superfície. Em meio caminho, descobrem a identidade usurpada. A fúria vigente não se modifica. A horda segue, em massa, incapaz de dar-se conta das manipulações e riscos reais em jogo.

Na superfície, a horda queima o robô em fogueira aberta (a inquisição das massas é implacável...), e persegue o cientista até a morte. Só os dois são castigados, sem direito a defesa: a ciência, e sua criação. Quem os financia, aqueles a quem prestam serviço, esses permanecem impunes ante a horda...

Na sequência final, elite e operariado fazem as pazes. O empresário aperta a mão daquele que representa o operariado. É o mesmo delator que entregou o mapa dos subterrâneos onde reuniam-se para conspirar. Continua sem nome, sem pronunciar palavra. Seu rosto ainda não tem expressão. O acordo é selado, em nome da paz. O filho do operário é o mediador. Desde o início da história, o herdeiro do império conduz todas as ações, e representa o coração a ligar a mente que pensa (o empresário) e as mãos que trabalham (os operários): assim anuncia Maria, a heroína liberta das garras do cientista nefasto.

Esse é um resumo breve do clássico Metropolis, dirigido por Fritz Lang, no final dos anos 20 do século XX. Um filme contraditório, realizado em contexto conturbado. Influenciado por ideias marxistas, pela Revolução Russa, pelos conturbados movimentos do nazismo ascendente, incorpora as tensões e os paradoxos correntes de seu tempo.

Não consigo deixar de pensar nele, por estes dias...





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