A horda...
Na superfície das grandes obras e vias, a elite instala-se
com seus palacetes, e partilha banquetes entre os convivas. No primeiro nível
dos subterrâneos estão os complexos de máquinas que fabricam as riquezas,
funcionando 24h por dia. Executam os procedimentos que mantêm as máquinas em
funcionamento um exército de operários que habitam o segundo nível dos
subterrâneos. Nos poucos momentos que têm distantes das máquinas, os operários
reúnem-se em labirintos ainda mais profundos dos subterrâneos, onde conspiram,
liderados por Maria (esse nome é portador de uma tradição judaico-cristã
importante). Ela defende a necessidade de uma revolução pacífica (isso nos
lembra alguma coisa?), mediada pelo amor. Os operários não se pronunciam: ouvem
Maria, ouvem as máquinas, ouvem... ouvem...
Na superfície, a elite também conspira, visando assegurar
a manutenção de seu status quo. Há delatores entre os operários (sempre há...). Um dos quais,
um operário muito grande, com rosto sem expressão, entrega o mapa do lugar onde
se reúnem. Não pronuncia palavra. Não tem nome. Retorna aos subterrâneos, de
onde não pode sair sem autorização.
Maria é sequestrada. O cientista do império cria um robô à sua
imagem e semelhança, para ser colocado em seu lugar. O que há de mais avançado
na ciência e na tecnologia está a serviço da elite, de sua permanência nos estratos
mais altos das estruturas hierárquicas de poder político e econômico. Não, a ciência não é neutra.
Maria-robô
segue para os subterrâneos e, cumprindo o papel para o qual foi programada
por seus criadores, incita os operários à violência: tanto tempo
esperando por vias pacíficas, sem qualquer resultado, agora é a vez de uma ação
mais contundente. Liderados pelo robô, sem percebê-lo impostor (incapazes de interpretação crítica de seu contexto, afinal...), os operários avançam sobre as
máquinas, em direção à superfície. Em meio caminho, descobrem a identidade
usurpada. A fúria vigente não se modifica. A horda segue, em massa, incapaz de dar-se
conta das manipulações e riscos reais em jogo.
Na superfície, a horda queima o robô em fogueira aberta (a
inquisição das massas é implacável...), e persegue o cientista até a morte. Só
os dois são castigados, sem direito a defesa: a ciência, e sua criação. Quem os financia, aqueles a quem prestam serviço, esses permanecem impunes ante a horda...
Na sequência final, elite e operariado fazem as pazes. O empresário
aperta a mão daquele que representa o operariado. É o mesmo delator que entregou o
mapa dos subterrâneos onde reuniam-se para conspirar. Continua sem nome, sem pronunciar palavra. Seu rosto ainda não tem expressão. O acordo é selado,
em nome da paz. O filho do operário é o mediador. Desde o início da história, o herdeiro do império conduz todas as ações, e representa o coração a ligar a mente que
pensa (o empresário) e as mãos que trabalham (os operários): assim anuncia
Maria, a heroína liberta das garras do cientista nefasto.
Esse é um resumo breve do clássico Metropolis, dirigido por Fritz
Lang, no final dos anos 20 do século XX. Um filme contraditório, realizado em contexto conturbado. Influenciado por ideias marxistas, pela Revolução Russa, pelos conturbados movimentos do nazismo ascendente,
incorpora as tensões e os paradoxos correntes de seu tempo.
Não consigo deixar de pensar nele, por estes dias...
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