terça-feira, 27 de novembro de 2012

visitante noturna indesejada


Já ia adiantada a noite. Eu tinha espalhado documentos, textos, livros, no chão, tentando inventar alguma organização para eles, enquanto buscava uns trabalhos perdidos no caos. Estava cansada daquilo, com sono, pronta a abandonar a empreitada para descansar. Então avistei um inseto grande voando em torno da lâmpada. Pensei que fosse uma mariposa. Por um instante fiquei ali, olhando seu trajeto aéreo, fazendo um círculo. O que estaria fazendo ali, aquela mariposa, àquelas horas da noite?

As mariposa quando chega o frio
Fica dando vorta em vorta da lâmpida pra si isquentá
Elas roda, roda, roda e dispois se senta
Em cima do prato da lâmpida prá descansá.


As mariposa, de Adoniran Barbosa.

Lembrei da palestra do Gilberto Prado falando sobre o projeto de arte e tecnologia do seu grupo de pesquisa, intitulado Desluz, cujo aparato trabalha com ondas infravermelhas, invisíveis aos olhos humanos, mas perceptíveis, por exemplo, para as mariposas.

Foi então que saí do breve encantamento, e dei-me conta de que não se tratava de uma mariposa, mas de uma barata voadora enorme, que pousou, de leve, um pouco acima da estante de livros, bem agarrada à parede, perto do teto. Senti-me indignada com a invasão. Entrara pela janela aberta, trazida pela lufada da brisa no calor noturno. Fechei a porta que dava acesso à parte íntima da casa. Procurei algum veneno para insetos, mas não encontrei. Anotei na lista de compras para a próxima ida ao supermercado. Peguei uma vassoura, um pé de chinelo, e uma embalagem para esborrifar álcool com cânfora (caso ela se encantonasse, poderia irritá-la, para sair a alguma área mais aberta). E fiquei ali, olhando fixamente para ela. E ela para mim. (No dia seguinte, ouvi da Alzira: ainda bem que ela não tinha nenhum spray para espirrar em você...).

Ficamos ali, paradas, na espreita uma da outra. Eu sabia que, ao menor movimento meu, ela desapareceria entre as milhares de páginas e folhas de papel bem ao alcance de suas patas ágeis. Enquanto permanecia ali, imóvel, lembrei-me de um artigo que li há algum tempo, no qual pesquisadores referiam a natureza sociável das baratas. Elas não saberiam viver isoladas, afirmavam, além do que teriam um sentido familiar muito forte. Além de demonstrarem grande sensibilidade ao ambiente. Quase senti simpatia por ela. Pensei, também, que, na próxima hecatombe, quando vier a última explosão nuclear capaz de eliminar a vida humana da face do planeta, restarão as baratas: elas! Talvez por isso eu experimente tamanha irritação quando de suas visitas indesejadas. Sobretudo quando a visita acontece em meio à noite, hora de meu descanso.

Olhei o relógio na parede. Já beirava a uma hora da manhã. E eu ali, parada, olhando para a barata que me vigiava também. Até quando eu ficaria ali? Decidi partir para o ataque, certa de que fracassaria. Mas resolvi arriscar as migalhas de chances que tinha de acertar uma vassourada nela, acima das prateleiras, rente aos livros e papéis e porta-retratos e outras quinquilharias. Nem esbocei o golpe, e ela deslizou para trás de tudo aquilo. Esborrifei o álcool com cânfora. Ela saiu de trás, fazendo uma meia lua, e desapareceu mais adiante da prateleira.

Desisti. Vedei o vão inferior da porta. Recolhi-me ao quarto, com alguma esperança de que ela não adentrasse ali. Precisava dormir. Amanhã compro veneno, pensei. 


Um comentário:

  1. Quase teria mais um acerto de contas nas portas do paraíso. E poderia até encontrar a tal voadora por lá...

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