sábado, 10 de novembro de 2012

Uma das aventuras do Grupo de Teatro Ato Te Ato



Para meu querido Renato Cirino,
 que também tem história para contar,
e para todos quantos não tenham desistido de sonhar.

Em 1985, assumi o cargo de professor de artes numa escola da rede pública, na cidade satélite de Planaltina, distante um pouco mais que 50 km do Plano Piloto, no Distrito Federal. No início do ano seguinte, aluguei uma casa naquela cidade, e passei a morar na área mais antiga, onde ainda predominavam as construções de adobe. Preocupava-me em não me distanciar da efervescência do Plano Piloto, e impus-me a condição de jamais usar a distância como desculpa para não participar do quer que fosse: integrar elencos de espetáculo teatral, fazer aulas de dança, visitar exposições, acompanhar a programação nas salas de cinema.

No final de 1986, montei um grupo de teatro, o Ato Te Ato, formado por alunos do ensino médio. Era formado por cerca de 12 adolescentes, entre 14 e 17 anos. Muitas vezes, depois de dar aula o dia todo, no final da tarde me encontrava com o grupo para ensaiar, e depois seguia para o Plano Piloto para trabalhar com o grupo de teatro onde atuava como atriz, retornando a Planaltina já na madrugada, cochilando nos bancos dos ônibus urbanos, em viagens intermináveis.

Foi com esse grupo e num desses ônibus que sucedeu o episódio que relato aqui.

Em 1987, o Grupo de Teatro Ato Te Ato fez temporada num teatro no Plano Piloto, apresentando o espetáculo Estórias da Carochinha, com sucesso de público. O texto era debochado, bem ao espírito adolescente, desafiando personagens clássicas das histórias infantis, com referências políticas quase ingênuas, e críticas às relações de poder. Hoje, isso é muito comum. Mas nos anos 80, vivíamos ainda os estertores da ditadura militar, num cenário em ebulição. Naquele momento, nos valíamos das liberdades adolescentes para assinar as brincadeiras que, apesar de tudo, tiveram que ser submetidas à censura federal, com cortes no texto.

Depois da temporada oficial, fomos convidados a fazer uma apresentação na Sala Alberto Nepomuceno do Teatro Nacional, dentro da programação oficial pelo dia das crianças. Não tínhamos condução própria, de modo que os ônibus urbanos eram nosso transporte principal. Sempre dependíamos de carona para transportar a parte mais pesada do material de cena. Para aquela ocasião, acabamos tendo que levar só algumas peças indispensáveis no espetáculo, transportadas de ônibus: um dos meninos vestiu a grande chaleira, e saiu pelas ruas, divertindo-se com os passantes. Uma janela com flores foi levada por duas meninas, e os demais levávamos sacolas recheadas com figurinos e outros objetos menores.

Depois do espetáculo, com casa cheia, embarcamos novamente no ônibus, de volta para casa, cansados. A noite seguia, avançada. Acomodamo-nos no fundo do veículo, com chaleira, janela, flores, sacolas, e elenco de adolescentes ainda maquiados. Felizes, sacudindo sentados sobre o motor, comentávamos as cenas, os erros, as graças.

Subindo a serra, o velho ônibus, superlotado, quebrou, um pouco antes de Sobradinho. Tivemos que aguardar, na beira da estrada escura, pelo outro ônibus que nos viria resgatar. Preocupada, tentava manter os jovens atores e atrizes junto de mim. Muito tempo depois retomamos a viagem, mal acomodados no outro veículo. Não demorou, contudo, para que uma senhora desse o alarme: “Motorista, roubaram minha carteira!”. Instalou-se um falatório entre os passageiros, apinhados, agitados, cansados. Algum salafrário aproveitara-se da confusão para fazer o roubo. Ou então, ela própria teria perdido a carteira, entre descer e embarcar no ônibus, sem se dar conta. O fato é que se apresentava mais um atrapalho ao nosso maior desejo: chegar em casa! O motorista não se deu por rogado: “Ninguém desce, ninguém sobe neste ônibus! Vamos direto para a delegacia!”.

Passava já da uma hora da manhã, quando seguimos, a pé, da delegacia, o grupo de aventureiros do teatro, deixando cada qual em sua casa, até chegar, sozinha, à minha própria. O corpo, de tão cansado, não conseguia entregar-se ao sono. Alentei-me com a constatação de que chegava o final da semana, quando teria tempo para recuperar o fôlego, e quem sabe dispor-me a novos enredos de ação.

Alguém aí tem alguma história para contar também?



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