No ano passado, ao acaso, descobri um casal de
quero-queros chocando uma ninhada. Quando me refiro ao casal chocando, é porque
eles se revezam no cuidado da ninhada. E como não apresentam diferença
biotípica entre o macho e a fêmea, considera-se o casal na atividade de cuidar
dos ovos. Ressalte-se, um casal monogâmico na maior parte das situações, na
espécie.
Alguns dias depois, deparei-me com a ave adulta atenta
aos quatro filhotes recém libertados dos ovos. Quatro pintinhos, ligeiros,
animados, correndo entre a grama, e prontos a se esconder ao menor sinal
emitido pelos adultos, avisando sobre os perigos que rondavam a família.
Mais alguns dias, e a família apresentava baixas:
rapidamente encontrei apenas dois filhotes, depois um, e finalmente lá estava o
casal, sem crias, caminhando pelo gramado. Comecei a me perguntar se teriam
sido as corujas buraqueiras as predadoras dos pintinhos de quero-quero. Depois
descartei a ideia, pois a vizinhança ali é antiga: as aves dividem o território
de modo mais ou menos tranquilo. Corujas e quero-quero denunciam, mutuamente,
invasões indesejadas. Parece haver acordos razoáveis entre ambos.
Não se demorou muito para eu encontrá-los instalados em
novo ninho, com três ovos. Dessa ninhada, finalmente, um filhote sobreviveu, e
eu acabei acompanhando seu crescimento, até tornar-se adulto, e desgarrar-se da
casa paterna.
Mais recentemente, testemunhei o casal abandonar um ninho
com um ovo, e depois atravessar o período mais duro da seca e do calor chocando
dois ovos em outro ninho. Cheguei a deixar uma vasilha com água para eles, que brigavam com
minha presença, mas em seguida aceitavam a oferta, e iam matar a sede. No
início de outubro nasceram os pintinhos, que atravessaram bravamente as três
primeiras semanas. Quando eu cheguei a pensar que resistiriam, reencontrei o
casal, mais uma vez, solitário.
Decidi buscar mais informações sobre essa espécie de
aves. E descobri que a taxa de natalidade, entre os quero-queros, é de 70%. Mas,
dos nascidos apenas 20% chegam à vida adulta. Descobri, também, que embora sejam
aves muito comuns, são também muito pouco estudadas.
Afinal, quem se importa com os quero-queros?
Aves sem graça, que não pousam em árvores, e não realizam
longos voos nas alturas dos céus. Ao contrário, têm estreita relação com a
terra, e demarcam de modo muito claro territorialidades. Aves monogâmicas,
irritadiças, encrenqueiras... A descrição de sua plumagem como "preta e
branca" denuncia, por parte de seus descritores, a incapacidade para
perceber as nuanças coloridas, os tons de terra, e os olhos vermelhos, além do
tom arroxeado dos esporões em suas asas.
Parece, mesmo, que as corujas, pelo seu simbolismo, que
pode ser interpretado tanto como sabedoria quanto como azar, pela expressão
intensa do olhar, embora também sejam bem irritadiças, acabam atraindo mais a
tenção do que os quero-queros, esguios, fugidios, pouco afeitos a amizades com
qualquer um...
Para quem, contrariando expectativas, se interesse por essas aves, encontrei um artigo sobre seu comportamento de ataque e defesa.
Segue o link:
"O comportamento interespecífico de defesa do quero-quero"
Leny Cristina Milléo Costa
Maravilha!...Parabéns!...E,claro,vida longa aos belíssimos e aguerridos 'quero-quero'!... Que mais pessoas se interessem pela sua indispensável importancia para o equilíbrio natural,sim. Gratíssimo,também, pela excelente advertência! Que os ornitólogos-do-lugar atentem para esse interessantíssimo assunto vivo e em exercício de resistência heróica dos seus territórios,em sua singela beleza,ainda tão desprezada,infelizmente... A Naturêza agradece.
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