quinta-feira, 1 de março de 2012

Sete mulheres extraordinárias: porque toda mulher deve ter, entre seus afetos, a sua casa das sete mulheres – fortalezas vivas a lhe alimentar o espírito



Aos formandos do curso de Licenciatura em Artes Visuais da FAV/UFG, turma de 2011, o meu afeto mais fundo.

Fui escolhida para ser paraninfa da turma de Licenciatura em Artes Visuais – FAV/UFG, que concluiu o curso em 2011, e cuja cerimônia de formatura aconteceu no dia 29 de fevereiro de 2012. O convite me fez pensar sobre o papel que cada um de nós cumpre na formação e no diálogo compartilhado com parceiros, companheiros, interlocutores em nossos caminhos de produzir, refletir, viver cultura. O que me levou a prestar uma homenagem a algumas mulheres muito especiais, que assumiram lugares muito marcantes pelos caminhos por onde passei, embora nem todas tenham ganhado notoriedade pública, ou visibilidade – o que não diminui, em nada, sua importância nos contextos em que atuam. Ter convivido com elas me faz, hoje, ter a certeza de que eu sou, sim, uma mulher privilegiada.


Teresinha Rosa Cruz

A primeira delas, eu tive o privilégio de reencontrar, em sua casa, há poucas semanas. É minha professora Terezinha Rosa Cruz. Fui sua aluna na disciplina Fundamentos da Arte na Educação, no segundo ano do meu curso de graduação. À época, ela deveria ser um pouco mais velha do que eu sou agora. Era uma mulher forte, de convicções. Eu era muito jovem, talvez um pouco imatura para compreender as dimensões do que ela propunha, mas inquieta o bastante para me deixar ser instigada por ela.

Mineira, com formação clássica em Belas Artes, e envolvimento fecundo com a Educação, conheceu Augusto Rodrigues, no Rio de Janeiro, e mais tarde tornou-se amiga de Darcy Ribeiro, com quem pôde debater questões relativas a projetos educacionais, cultura, arte, entre outros. Chegou à Universidade de Brasília quando o Instituto Central de Ciências, o Minhocão, ainda era um canteiro de obras sangrando terra vermelha. Ali, a Profª Terezinha esteve à frente de um projeto importantíssimo – e pouco lembrado – desenvolvido na Universidade de Brasília dos anos 60, que foi o CIEM – Centro Integrado de ensino Médio, iniciado em 1964, e fechado em 1971, com o acirramento da Ditadura Militar então vigente no país. Essa história foi relatada e discutida por ela no livro intitulado Uma experiência de educação interrompida, publicado pela Editora Plano/Df. No CIEM, as artes ocupavam lugar central na articulação das aprendizagens, e a provocação à criação e à autonomia de pensamento, em todos os campos do conhecimento, orientavam os planejamentos. Passaram por ali, como estudantes, figuras que ganharam destaque no cenário nacional, seja o político, cultural, desportivo ou científico.


 Lais Fontoura Aderne 

À frente do CIEM, a Profª Terezinha foi responsável pelo convite feito à também mineira Profª Lais Aderne para integrar sua equipe. Assim, entra em cena a segunda mulher à qual presto minha homenagem aqui.

No início dos anos 70, a Profª Laís criou a Feira do Troca, na cidade goiana de Olhos d’Água. Essa feira ganhou autonomia, e vem sendo realizada até hoje, cerca de quarenta anos depois, em duas edições anuais, tendo sido estendida para outros locais. E na segunda metade dos anos 80, ela realizou o 1º Festival Latino Americano de Arte e Cultura, o FLAAC, que trouxe para Brasília artistas e trupes de toda a América Latina, e mobilizou a cidade numa programação rica e múltipla. Dentre as atividades programadas, Lais liderou uma reunião de arte-educadores, que resultou na fundação da Federação de Arte Educadores do Brasil, a FAEB, da qual foi a primeira presidente.

Eu era professora da educação básica, na rede pública do Distrito Federal, e pude participar de modo intenso de todos os acontecimentos. Mas acho que eu não tinha noção das reais dimensões e da importância daquele evento. Acho mesmo que  poucos tínhamos. Posteriormente, foi realizada uma segunda edição, e em 2012 está sendo retomado o projeto e, finalmente, acontecerá a terceira edição do FLAAC, de cuja programação tenho a honra de integrar.

Quando faleceu, em 2007, estava profundamente envolvida com os projetos de Eco Museus, a partir do projeto do Eco Museu do Cerrado, e das várias frentes que abriu de ações comunitárias, envolvendo sustentabilidade, cultura, arte, educação. Uma perspectiva efetivamente holística de pensar formação, cultura, experiência estética, meio ambiente, comunidade. Seu trabalho está, ainda, por ser melhor divulgado, para ganho de educadores, artistas, arte-educadores, e projetos sociais.


Ana Mae Barbosa

No 1º FLAAC, participou da reunião em que se fundou a FAEB, a profª Ana Mae. À época, suas ideias no âmbito da arte-educação não só já tinham ganhado popularidade como vinham exercendo cada vez mais influência na formulação dos pensamentos sobre arte-educação no cenário brasileiro, estendendo-se ao internacional.

Formada em Direito, discípula de Paulo Freire, trabalhou na Escolinha de Arte de Recife. Carioca, criada no nordeste, radicada em São Paulo, com projeção internacional, a Profª Ana Mae encarna o espírito pós-moderno da identidade transcultural.


Defensora entusiasta, ainda hoje, da FAEB, a Profª Ana Mae – que também esteve, em 1965, na universidade de Brasília, quando participou da criação da Escolinha de Arte da UnB – conheceu a Profª Terezinha, foi amiga de Laís, e mais tarde tornou-se referencia para o ensino de arte em todo o país. Das mulheres que trago à pauta, por certo, é a que conquistou maior visibilidade, sendo conhecida de todos quantos transitem pelas searas da arte/educação, como ela tem preferido grafar.

Meus vínculos à Profª Ana são de natureza fraterna, em primeiro lugar, e de respeito pela envergadura do seu trabalho. Não fui sua aluna, nem orientanda, não desenvolvi qualquer projeto com ela. No entanto, não há quem exerça qualquer atuação relacionada com o campo da arte-educação que não tenha estabelecido alguma forma de interlocução com suas ideias e suas bandeiras.


Mariazinha Fusari

Parceira Profª Ana Mae nas discussões sobre arte-educação, na USP, Maria Felisminda de Rezende e Fusari, nossa querida e inesquecível Mariazinha Fusari nunca lecionou na ECA, quartel general das questões da arte e seu ensino naquela universidade. Integrava o corpo docente da Faculdade de Educação, e discutia questões relativas às mídias, imagens técnicas, nas relações com a Educação. Poucos eram os educadores que se dedicavam ao assunto, à época.  Eu tive o privilégio e a honra de tê-la como minha coorientadora no Mestrado em Educação.

Mineira radicada em São Paulo, era, sem dúvida, uma mulher bela, delicada, doce, de inteligência aguçada e inquieta. Devotada à interlocução com professores da educação básica em todo o pais, não se cansava de discutir, repensar posições, acrescentar pontos de vista, contribuir para as relações de ensinar e aprender, trabalhando com as visualidades de seu tempo. Esses trânsitos foram viabilizados, sobretudo, por sua formação tanto em Educação quanto em Artes Plásticas e Comunicação Visual. Daí seu interesse pioneiro em projetos de pesquisa sobre meios audiovisuais na educação escolar, na formação de professores, e suas relações com o ensino de artes visuais.

Foi a Profª Iria Brzezinski que condicionou a assunção da minha orientação, no mestrado, à parceria com a Profª Mariazinha. Encontramo-nos, as três, pela primeira vez, numa Reunião anual da ANPEd. A partir dali, nossas reuniões, embora nem tão frequentes, eram intensas e profícuas: em Brasília, Goiânia, São Paulo. A cada etapa, eu me sentia sendo levada, por ambas, a ampliar campos de compreensão das relações entre visualidades, relações entre ensinar e aprender, e formação de professores.

A Profª Mariazinha Fuzari faleceu em 1999, ainda muito jovem. Metade de mim ficou órfã. A a outra metade continuou contando com o olhar amoroso da Profª Iria, a quinta mulher extraordinária a quem me refiro neste texto.


Iria Brzezinski

A Profª Iria Brzezinski e a Profª Terezinha foram colegas, como professoras, na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília nos anos 80. Em meados dos anos 90, quando ingressei no Programa de Pós Graduação em Educação, a Profª Terezinha já havia aposentado.

Paranaense, de uma família ligada principalmente à área do Direito, com muitos advogados e juízes, a Profª Iria formou-se educadora e humanista por excelência. Com formação em Ciências Sociais e Pedagogia, de orientação marxista, seus braços e seu espírito não se cansam da luta incessante em defesa da escola pública de qualidade, da formação consistente dos professores, de políticas públicas que assegurem condições salariais e de trabalhos dignos aos profissionais da educação. Tem estado à frente de mobilizações as mais diversas, tem presidido associações e outras instâncias de organização da sociedade civil, e instituições de produção acadêmico-científica. Seu vigor e sua integridade nessas lutas têm, por certo, sido o maior legado transmitido aos seus alunos. Mestra maior na capacidade de indignação, e na tenacidade para não desistir dos sonhos.

Por sua motivação, acabei encaminhando meu doutorado para a área da Sociologia, e, tendo concluído, fiz concurso para a Universidade Federal de Goiás. Embora moremos, hoje, na mesma cidade, nos vemos pouco. Mas os vínculos permaneceram intensos. E, esporadicamente, trabalhamos juntas, o que é sempre motivo de muita alegria.


Isabel Maria Vieira

Durante o mestrado, conheci a Profª Isabel Maria, também docente na Faculdade de Educação, a sexta mulher das minhas homenageadas aqui: Isabel Maria de Carvalho Vieira, além de ter sido colega das professoras Iria e Teresinha, conheceu as professoras Lais e Ana Mae, desde o Rio de Janeiro, sua terra natal.

Carioca, radicada em Brasília, psicóloga e psicanalista, integrou a primeira turma de Nise da Silveira, na UFRJ, e também foi também aluna de Augusto Rodrigues. A partir dessas duas influências capitais, tratou de buscar estabelecer relações entre arte, educação, psicologia e psicanálise.

Sua inquietude me instiga. Não se cansa de indagar sobre o mundo. Isso a levou, pouco antes de se aposentar das atividades na universidade, a fazer o doutorado em Sociologia. Em sua tese, refletiu sobre as guerras, do ponto de vista das teorias psicanalíticas e sociológicas, o que resultou num belíssimo trabalho que, espero, algum dia seja publicado.


Alice Vieira Martins

A sétima mulher, que antecedeu a todas elas em minha vida, foi minha primeira professora – e antes de mim, dos meus irmãos –, a que me alfabetizou, e ensinou as primeiras operações matemáticas, enquanto cuidava dos afazeres domésticos. Trata-se de minha mãe, Dona Alice Vieira Martins.

Nascida em Onda Verde, no atual Mato Grosso do Sul, estudou apenas até o terceiro ano primário. Encantada com os deciframentos do mundo, nunca desligou-se de leituras diversas, das escritas de cartas para seus entes queridos, e da tradução em poesia de seu quotidiano, seus sentimentos, inquietações, alegrias, sonhos.

Aos 80 anos lançou o primeiro dos seus já 5 livros de poesia. E aos 84 anos prossegue, com os olhos curiosos de criança, com a energia inquieta do jovem, o vigor da mulher adulta, e a sabedoria dos velhos. Foi ela quem me ensinou que devo ser a principal responsável por aprender o que eu queira aprender, e que a gente passa a vida inteira sem ter aprendido tudo.

Minha mãe,  poetisa-professora-menina.



fontes das fotos:
Teresinha Rosa Cruz: acervo particular
Lais Aderne: revista art&
Ana Mae Barbosa: Plurissignificação
Mariazinha Fusari: acervo particular
Iria Brzezinski: acervo particular
Isabel Maria: CNPq
Alice Vieira Martins: acervo particular


3 comentários:

  1. Com certeza!

    Ensinamento de muitas mães:
    "Foi ela quem me ensinou que devo ser a principal responsável por aprender o que eu queira aprender, e que a gente passa a vida inteira sem ter aprendido tudo."

    demais!

    =D

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  2. ‎Gwavira Gwayá, com certeza uma mulher muito especial! Unica, ela que dentre muitos professores, foi a unica que nos deu a atenção que precisavamos.
    Ela que nos apoiou, nos amou, nos abraçou nos momentos de empolga...ção, alegria, trsiteza, desespero, desanimo...
    Foram dois anos sozinhas, mas, 2011 a encontramos e tudo mudou. Encontramos enfim os melhores caminhos, as melhores palavras, as melhores ideias.
    Obrigada Alice, por tudo! Saiba que vc eh muito especial, uma das professoras que vou carregar no coração sempre, falar de vc para meus alunos, nossas experiências, falar do seu amor pelas artes, pelas pessoas, pela educação! Obrigada, de verdade. Que Deus te abençoe sempre e sempre e mais e mais.... Tenho certeza que Ele não se eqsque de vc, nem de sua familia. Abraço apertado. Amo-te demais! =D (E que belo discurso... quase chorei. Mas, a felicidade de tah formando nao deixou, tbm pq o abraço de sempre, mesmo com toda formalidade não faltou!),
    Valew mesmo. =D

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  3. Que lindo... Eu também tenho algumas professoras muito especiais na minha vida... Um dia escrevo um texto carinhoso como esse! Beijinhos

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