sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Uma viagem-pesadelo. Ou: a Webjet é a empresa aérea mais pontual do país! E a Gol?


 
Comprei o bilhete para um voo direto de Goiânia a Salvador. Dois dias antes, fui informada, pela Gol, que meu voo tinha sido alterado, e agora eu faria uma conexão em Brasília, a partir de onde eu seguiria num avião da Webjet. E perguntaram-me se eu concordava. Havia alguma opção? Não. Era pegar, ou largar. Se largasse, poderia até receber meu dinheiro de volta, sem correção, sem multa – para eles –, nada. Suspirei fundo. Peguei.

No dia marcado, segui para Brasília, onde faria a conexão. Lá, o embarque, pela Webjet, foi pontual. Mas, o procedimento foi uma peripécia: o portão de embarque foi feito num “puxadinho” improvisado além da área de embarque internacional, por onde circulavam fluxos intermináveis e densos de pessoas em trânsito, estressadas, nervosas, maltratadas, mal-educadas.

Quando chamados, os passageiros do meu voo foram acomodados num ônibus, e seguimos para o extremo oposto da área do aeroporto, na região onde ficam acomodadas as encomendas aéreas. Embarcados, acomodei-me numa poltrona K, entre a L, na janela, e a J, no corredor. À minha esquerda, um senhor de porte médio, apoiou a cabeça na janela, e fechou os olhos. Dormia? Talvez. Talvez tentasse – como eu fiz mais tarde – não olhar para não ver, e assim, sentir menos, e também se ressentir menos, da viagem. À minha esquerda, um senhor de mais idade, muito mais alto, com as pernas prensadas entre sua poltrona e a da frente. Ele pendeu a cabeça para a frente, e ficou ali, com os olhos fechados, também. Observei que o espaço entre as cadeiras havia diminuído ainda mais – como se fosse possível! –, as cadeiras estão mais delgadas, e o encosto já não reclina.

Também eu cruzei os braços, recostei mal a cabeça no encosto, e fechei os olhos tentando abstrair o contexto. Percebi que seria difícil. Meu corpo doía, a poltrona era mais desconfortável do que o normal, havia barulho em excesso...

À entrada na aeronave, os comissários tinham entregado um cardápio, para aqueles que quisessem pedir algo para comer ou beber. Assim, tão logo os procedimentos de segurança foram cumpridos, o avião decolou, e o voo estabilizou, as pessoas começaram a chamar os comissários, agora deslocados à função de caixa e garçom, para fazer seus pedidos.

Eu sentia uma dormência pelo corpo, cochilava um pouco, e entreabia os olhos. Então avistava o comissário-caixa-garçom, com a máquina de operar cartões de débito nas mãos, atendendo alguém. Mais um cochilo, mais uma olhada de relance, e lá estava ele, solícito, com a famigerada máquina de operar cartões de débito, algumas notas de dinheiro entre os dedos, anotando pedidos para mais algum passageiro. Meu corpo doía. Movia-me um pouco na poltrona, para melhorar a circulação. E tentava me desligar, fechando os olhos, como os meus companheiros, à direita e à esquerda. Mais um pouco, e novamente a visão do comissário cumprindo a função de garçom, com um sorriso de matéria plástica nos lábios.

De tempos em tempos, alguém, ao microfone, com a voz educada em escolas de telemarketing, e um sotaque nordestino domesticado aos moldes cariocas, anunciava que a Webjet era a empresa aérea mais pontual do país.

Chegamos a Salvador – o que, por alguns momentos, pareceu-me, não mais aconteceria. Recolhi minha bagagem na esteira. Dois rapazes ao meu lado comentavam, indignados: “Nem um copo d’água, bicho? De que adianta ser a mais pontual, se não servem nem um copo d’água! Vendem tudo!” Àquelas alturas, achei graça. Nada mais tinha a fazer, além de rir-me ante a constatação de que se acabara o pesadelo. No mais, avançada a noite, era providenciar minha saída dali o mais rápido possível.

Sim: nem um copo d’água, meu irmão!

E eu, com a sensação física de estar despertando de um pesadelo...



quinta-feira, 9 de agosto de 2012

o silêncio do mensageiro dos ventos

...
quando instalei o mensageiro dos ventos próximo ao quarto de dormir, bateu-me uma dúvida: e se ele se manifestasse durante a noite, perturbaria meu sono?

antes de me recolher, notei que o vento não cessava, o que agitava o mensageiro quase incessantemente.

mas as notas emitidas funcionaram como âncora para o meu sono, que logo tomou conta do meu corpo, e me fez mergulhar no mundo dos sonhos.

uma ou duas vezes quase despertei, durante a noite, como de costume, e ouvi uma ou outra nota sendo emitida. pensei, ainda, que ventava.

na manhã seguinte, despertei com o registro, por parte da vizinha, que tivera seu sono suspenso durante toda a noite, em função da atividade do mensageiro.

recolhido, continua suas atividades em outro ponto da casa, onde não seja ouvido pela vizinhança, e não perturbe o repouso dos demais. mas nem por isso deixe de traduzir em música as mensagens trazidas pelo vento.
...



terça-feira, 7 de agosto de 2012

Alegria dos cães, desespero dos galos…



Não há consenso a esse respeito, mas tínhamos em São Roque uma referência como o santo protetor dos cães. Por isso, todos os anos, no dia 16 de agosto, dia de São Roque, minha mãe preparava um banquete para os nossos cachorros. Era uma forma de demonstrar gratidão por nossos amigos de todos os dias, que nos acompanhavam por onde fôssemos, fizesse sol ou chuva, sempre divertidos, briguentos, barulhentos, cheios de vida, cada qual com um jeito muito próprio.

A alimentação regular deles era feita à base de um engrossado de milho com algumas misturas que, eventualmente incluíam algum pedaço de carne. No mais, eles comiam frutas (disputavam os abacates maduros e gomos de mexerica...) e outras coisas que encontravam pelo mato ou pelo campo. Mas nesse dia, minha mãe matava um galo especialmente para eles, e preparava com milho e outros temperos, numa panela de ferro grande. A nenhum de nós era dado saborear a apetitosa receita. Eles tinham a exclusividade do prazer gastronômico.

O Fiel, o Play boy, o Xerife e o Bright faziam uma festa. Era dia de alegria para eles. Já para o galo, coitado, era o fim da linha. Imagino que São Roque fosse considerado persona non grata no galinheiro lá de casa...



domingo, 5 de agosto de 2012

treino para planejamentos estratégicos


Isto, sim, mais que mero jogo de damas, trata-se de um exercício de planejamento estratégico, em que prevalece a capacidade de antecipar o futuro, manter a cabeça fria, não perder o foco, não se deixar levar pelas primeiras impressões, e ainda distrair o adversário!


E eu nem sei jogar damas...


Este vídeo foi enviado por e-mail. Desconheço a autoria.



sábado, 4 de agosto de 2012

Das tatuagens



Quando as palavras de ordem
São a impermanência, a instabilidade, a fluidez,
Quando tudo já não é, mal tendo acabado de ser,
Quando as identidades reivindicam o direito de serem cambiantes,
Não parece curioso que um grande número de pessoas
Se dedique a incrustar marcas em suas peles
Desenhos, narrativas que não se desfazem,
Fixas, indeléveis, permanentes?

Terra Gwayá, 4 de agosto de 2012


sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O SONHO DOS RATOS (Rubem Alves)


Para não desistirmos dos sonhos,
 mas também para não deixarmos
 que nos transformem em ratos/gatos... 

Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do assoalho de uma casa velha. Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade. 

Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de um sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso, bem pertinho dos seus narizes. Comer o queijo seria a suprema felicidade...Bem pertinho é modo de dizer. 

Na verdade, o queijo estava imensamente longe porque entre ele e os ratos estava um gato... O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes fingia dormir. Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e, era uma vez um ratinho...Os ratos odiavam o gato. 
Quanto mais o odiavam mais irmãos se sentiam. O ódio a um inimigo comum os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato morresse ou sonhavam com um cachorro... 


Como nada pudessem fazer, reuniram-se para conversar. Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem), e chegaram mesmo a escrever livros com a crítica filosófica dos gatos. Diziam que um dia chegaria em que os gatos seriam abolidos e todos seriam iguais. "Quando se estabelecer a ditadura dos ratos", diziam os camundongos, "então todos serão felizes"... 

- O queijo é grande o bastante para todos, dizia um. 

- Socializaremos o queijo, dizia outro. 


Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções. 
Era comovente ver tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse! Sonhavam. Nos seus sonhos comiam o queijo. E quanto mais o comiam, mais ele crescia. 


Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados: não diminuem: crescem sempre. E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando: "o queijo, já!"... 


Sem que ninguém pudesse explicar como, o fato é que, ao acordarem, numa bela manhã, o gato tinha sumido. O queijo continuava lá, mais belo do que nunca. Bastaria dar uns poucos passos para fora do buraco. Olharam cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era. 
O gato havia desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um brado retumbante de alegria. Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum. E foi então que a transformação aconteceu. 


Bastou a primeira mordida. Compreenderam, repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos, em vez de crescer, diminuem. 


Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menor o naco para cada um. Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos. Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto queijo haviam comido. E os olhares se enfureceram. 


Arreganharam os dentes.Esqueceram-se do gato. Eram seus próprios inimigos. A briga começou. Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E, ato contínuo, começaram a brigar entre si. 
Alguns ameaçaram a chamar o gato, alegando que só assim se restabeleceria a ordem. O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos: 
“Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono”. 
Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando.Os ratinhos magros, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido. 

O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato o olhar malvado, os dentes à mostra. 

Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora. E compreenderam, então, que não havia diferença alguma. Pois todo rato que fica dono do queijo vira gato. Não é por acidente que os nomes são tão parecidos.