Tenho uma amiga muito especial, a quem endereço o afeto mais fundo. Um dos filhos dela tem um
cão labrador, o Du. Como o filho fica a maior parte do tempo longe de
casa, o Du convive mesmo é com minha amiga.
Se tem coisa que me deixa encafifada é essa história de as
pessoas serem donas de animais. Proprietários de bens sobre patas, ou com asas, enfim. Do mesmo modo com as plantas...
O meu caso com o Du é antigo. De quando em vez, passo pela
casa da minha amiga, só para dizer oi para ele (ah, e para ela também). Ele corresponde sacudindo a bunda,
latindo com seu bocarrão, e trazendo coisas para brincar comigo: garrafas pet
estraçalhadas, tapetes rasgados, cabos de vassoura mastigados...
Já fazia algum tempo eu não o via.
Ontem, foi aniversário da minha amiga. Liguei para ela. No meio
da conversa, confessei: por vezes, sinto mais saudades do Du que de você...
Mentira. Até porque sentir saudades dele é o mesmo que sentir dela: os dois são carne e
unha. Eu queria mesmo era provocar. Aí ela me disse fala alguma coisa, que eu
vou colocar o telefone no ouvido dele. Comecei a conversar com ele. Depois ouvi
um barulho que não consegui decifrar, e ela caiu na gargalhada. Explicou-me: ao
ouvir a minha voz, correu pegar a garrafa pet para brincar comigo. O barulho
era a garrafa rangendo entre seus dentes.
Hoje não resisti. Fui até a casa deles, checar de perto essa
história de ele querer brincar, ao ouvir minha voz pelo telefone. Du, meu
querido! Saudades! Ele latiu, pulou para lá e para cá, entrou chamar minha
amiga, e voltou ao portão, sacudindo a bunda mais que passista de carnaval. Depois
trouxe um pequeno saco de plástico, para brincar. Esse saco não aguenta suas
brincadeiras, Du! E se encostou em mim de frente, de ré, de lado. Encheu-me de pelos.
Quando saí, ficou me olhando pela grade do portão, olhos
meio baixos, um tapete velho atravessado na boca.
Meu amigo querido. Amigos não são propriedades. A gente não possui: o afeto é que nos toma e estabelece laços.
Du, não vou me demorar a voltar. Preciso não
demorar.
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