Quando
a família mudou-se do apartamento, deixou para trás, em condição de orfandade,
a pequena Mimi. Perdida, abandonada, a gatinha andou se escondendo pelos
escuros, tentando conseguir alimento, e levando algumas surras que fizeram dela
ainda mais arisca. Suja, maltratada, o brilho do pelo foi ficando desbotado. A
mistura de sua natureza vira-lata com informações genéticas da raça siamesa
perdeu a força e a beleza.
Os
porteiros dos dois prédios contíguos, por onde ela circulava às escondidas,
começaram a deixar-lhe algum leite e ração, sem forçá-la a aproximações
indesejadas. Desconfiada, ela achegou-se, em busca do alimento. Mantendo o
jeito arredio, adotou os novos amigos. Gata de rua, mas nem tanto. Logo
emprenhou. Seus guardiões ficaram atentos à hora de ela dar cria. Mas ela se
sumiu com os filhotes. O esconderijo em cima de outro prédio demorou algum
tempo para ser revelado. Na segunda ninhada, todos já sabiam para onde ela
iria, e puderam ajudá-la de modo mais eficiente. E também decidiram castrá-la.
Seus
filhotes tiveram destinos diversos. Uns foram adotados, outros ninguém sabe, outros
se criaram ali, pelos mesmos territórios da mãe.
Castrada, o pelo da Mimi ganhou mais brilho, as cores ficaram mais vivas. O azul dos olhos parece transbordar. E ela ficou mais amigueira. Achega-se às pernas de alguns moradores, oferece a
barriga ao carinho de outros poucos... Está bem, nem tão poucos assim... Entre uma e
outra demonstração de dengos, um de seus guardiões revelou que ela já é avó.
Sim: uma filha teve a primeira ninhada debaixo de um carro antigo, estacionado em
frente ao prédio. Uma senhora, moradora do outro prédio, está dando atenções à nova
família. Os porteiros dos prédios também estão no monitoramento. Já aparecem os candidatos para adoção dos seus netos. Por baixo do tal carro, avistei o vulto da mãe recém parida, às voltas com a ninhada.
Além de pop, Mimi é,
já, uma respeitável avó felina. O porteiro apruma-se, orgulhoso, como se fora o próprio
tio avô... Ela o observa, com os olhos semicerrados, e solta um miado fino, curto. Quase um sussurro. Soa como uma declaração de amor.
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