Abro a porta da garagem. À saída, deparo-me, obstruindo a saída, com uma senhora
fazendo manobra com seu carro ao meio da rua, para entrar na
loja de carros usados, bem à frente. Bloqueio o portão automático, para que não
bata no meu carro, e aguardo, pacientemente, que ela termine sua operação. Vários
carros acumulam-se, na rua, nos dois sentidos. Uma tensão se instala. Ela me
olha com raiva. Depois aguardo ainda mais algum tempo, até o fluxo da rua se
normalizar, e também entro no fluxo. Em seguida, deparo-me com uma camioneta
parada, em fila dupla, em frente à distribuidora de bebidas. Como a via tem
apenas uma faixa de rolamento para cada sentido, preciso entrar na contramão
para avançar. A operação encerra algum risco, pois está à altura de uma curva para
quem sai da praça, sempre em velocidade mais ou menos acelerada. Consigo escapar.
Vou entrando no anel da praça. Como o semáforo que antecede o ponto de entrada
acabou de abrir, um fluxo intenso de veículos começa a se aproximar. Antecipo-me
a eles, para entrar. Mas preciso alcançar a faixa de rolamento do centro, pois
as duas, do meio e externa, estão ocupadas por carros parados em fila dupla e
tripla. Encontro, de frente, um rapaz que caminha tranquilamente pela faixa
interna, a única livre. Respiro fundo. Sinalizo para que ele não fique ali. Ele
me olha com raiva. E segue, calmamente, em meio aos demais carros parados nas
faixas duplas e triplas. Consigo ultrapassar mais esse obstáculo. Um semáforo
vermelho. Espero, sob a pressão dos demais carros cujos motoristas não veem
razão para parar. Motociclistas seguem, antes do sinal verde acender. Sigo. E me
encaminho para passar por baixo do viaduto. Também temos ali duas faixas de
rolamento, uma para cada sentido, sem acostamento. Um ciclista segue no mesmo
sentido meu, próximo à parede do túnel. Vai em alta velocidade, considerando-se ser um ciclista, numa via perigosa, sem espaço seguro para seu veículo. Passo por ele
tentando manter distância que garanta preservar sua integridade física. Quando ficamos lado a lado, percebo
que ele está falando ao aparelho celular. Deixo-o para trás. Ao final da curva,
deparo-me com um senhor que atravessa a rua sem olhar o fluxo de veículos. Quando
ouve a buzina de um dos mais nervosos, olha com raiva, e segue. Próximo semáforo.
Espera paciente. Quando o sinal verde indica que podemos avançar, sigo. Adiante,
um senhor de cabelos brancos decide que pode atravessar a via com o sinal
vermelho para ele, e passa, com sua camionete, bem à minha frente. Susto. Logo depois,
na mesma faixa de rolamento pela qual estou seguindo, um motoqueiro conduz uma
criança de uns 8 anos, na garupa. Segue a uma baixa velocidade, numa via em que
os veículos seguem mais velozmente. Talvez suponha que assim protege a criança.
Assumo o papel de escudo por alguns poucos quilômetros, até que ele entra por
outra via, e eu posso continuar. Mais à frente, um pouco, há obras no canteiro central da via, e as máquinas ocupam a faixa de rolamento central. À direita, uma senhora parou o carro para conversar com alguém na calçada. Todo o fluxo da via em pleno movimento vai se ajeitando na faixa de rolamento central. Os motoqueiros teimam em driblar todos os carros, tentando furar os vãos para passar à frente. Buzinas, mais irritação. Depois da curva, um motoqueiro se aproxima do carro, por trás. Pelo retrovisor o observo. Parece galopar um animal selvagem campo afora. Parece encarnar o espírito de algum bravo herói com uma missão outorgada pelos deuses, o que o impele a superar todos os demais. Por isso mesmo, ele corta meu carro pela direita, contra uma calçada e carros estacionados. Faz rapidamente uma diagonal à esquerda, e, ato contínuo, atravessa a via à frente sem parar, entre um carro que sobe e um caminhão que desce. Já está distante, do outro lado do fluxo. Vários outros motoqueiros passam por mim, membros da mesma legião, com o mesmo comportamento. Quando chego ao meu destino, tenho sempre a
impressão de ter acumulado alguns pontos na corrida de obstáculos, e fico feliz
por não ter me deparado com uma placa: “Game over”.
Pois é... Com certeza todos estes "donos da rua" não se acham corrompendo e subvertendo o pacto social. Cobram dos políticos probidade, mas esquecem de serem próbos em suas atitudes. E, donos das suas caras e pelo visto dos meus direitos também, não querem ser incomodados com meu mimimi... E a vida segue, sabe-se lá pra onde... E a polis? E o pacto para se viver bem? E o estado tributador para garantir o bem comum? Pois é... O último que sair, roube a lâmpada!
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