domingo, 22 de novembro de 2015

O olhar daquele que vem de longe


Assim que embarquei e me acomodei na poltrona, ao lado esquerdo do corredor, o meu companheiro de viagem chegou, com uma mochila. Meio tímido, cumprimentou-me, e se acomodou. Chamou-me a atenção seu modo discreto, e o cuidado que teve em organizar-se sem invadir o espaço da minha poltrona. Perguntou-me a que horas chegaríamos a Goiânia. Constatei, ali, sua pouca familiaridade com o percurso da viagem.

Seguimos: eu, tentando cochilar um pouco, ele, atento à paisagem visível pela janela. Depois pegou um caderno de capa amarela, com um lápis desses que têm uma borracha embutida na ponta oposta à com a qual se escreve ou desenha, e começou a escrever. Confesso que fiquei curiosa, ante comportamento tão pouco usual.

Já fora da cidade, perguntei-lhe se era a primeira vez que iria a Goiânia. Sem nenhum sotaque, respondeu Sim, estou no Brasil há três dias, sou dos Estados Unidos. Talvez ante minha expressão de surpresa pela desenvoltura com que falava o português brasileiro, completou a informação Minha família é de Goiânia. Fizemos uma breve pausa no diálogo. Ele tomou a iniciativa Você sabe onde fica o Setor Pedro Ludovico? Pela primeira vez percebi o sotaque norte-americano. Sorri em silêncio: pronunciar o nome Pedro Ludovico não é mesmo exercício muito fácil para estrangeiros, mesmo os bem treinados, como ele. Respondi que sim, e tentei situá-lo em relação à rodoviária, onde desembarcaríamos. Alguém virá esperar por você? Sim, já o estavam aguardando.

Por vezes, fotografava alguma cena que lhe chamasse mais a atenção. Anotava coisas no caderno de capa amarela. Achei que ele gostaria de saber que em Anápolis havia uma réplica da Estátua da Liberdade. Ele riu Como a de Nova York? Confirmei. Já no viaduto, fotografou a réplica, achando divertido: Legal!

Seu olhar era inaugural: via, pela primeira vez, as coisas sobre as quais provavelmente ouvira falar desde sempre. Via, pela primeira vez, as paisagens das quais sua família original provavelmente sentisse saudades. Talvez sentisse saudades, ele, daquilo que não conhecera, mas soubera por outrem. Reconhecia a si e ao lugar ao qual pertencia sem antes ter estado ali.

Já desembarcados, desejei-lhe boa estadia. Ele ficou aguardando a liberação da bagagem. Segui, me perguntando se é possível restaurar o encantamento do primeiro olhar.





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