sábado, 24 de outubro de 2015

Violeta e ensaios proto-filosóficos




p/ Julio


No jardim da minha casa de infância, num canto da calçada havia um canteiro de violetas mimosas. As folhas arredondadas, em tom verde-escuro, sobrepunham-se umas às outras, ocultando as florinhas lilases que se abriam mais próximas ao chão. Encontrá-las fazia parte do encantamento e dos mistérios da vida.

Elas estavam lá, eu sabia, ao alcance da mão. Mas eu preferia imaginá-las de outra forma: ocultas, por detrás das folhas, o que se passava com elas ficava sempre fora do meu alcance. Eu ficava observando as folhas, tentando adivinhar o que estivesse a acontecer nas regiões de sombra, que eu não conseguia ver. Se, num gesto rápido, eu afastasse as folhas, de pronto o que quer que estivesse se passando ali, desapareceria, e já seriam outros os processos deflagrados. De pouco adiantaria eu afastar as folhas de modo discreto, sem brusquidão: tampouco eu desvendaria o que sucedia na sombra, fora do alcance dos meus olhos, pois a circunstância se teria rompido.

Por isso as pequenas florinhas, por tão pequeninas que fossem, eram também portadoras de um mistério capaz de enredar minha atenção durante boas fatias do meu tempo de infância: estavam ali, ao alcance da minha mão, e ao mesmo tempo não. Eram frágeis, mimosas, e ao mesmo tempo capazes de escapar a qualquer captura, a qualquer determinação. Eu as podia ver desenvolverem-se. Era eu quem as regava, todos os dias. Mas não podia suspeitar o que se passava com elas, sob as folhas revestidas de verde-escuro. Jamais o saberia...







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