(A
Identidade em questão. In Identidade
Cultural na Pós-modernidade. pp. 07-22)
a) três concepções de identidade
Para os propósitos desta exposição, distinguirei três
concepções muito diferentes de identidade, a saber, as concepções de identidade
do:
a)sujeito do Iluminismo,
b)sujeito sociológico e
c)sujeito pós-moderno.
O sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da
pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das
capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo "centro"
consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito
nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo
- contínuo ou "idêntico" a ele - ao longo da existência do indivíduo.
O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa. Direi mais sobre isto em
seguida, mas pode-se ver que essa era uma concepção muito
"individualista" do sujeito e de sua identidade (na verdade, a
identidade 'dele': já que o sujeito do Iluminismo era usualmente descrito como
masculino).
A noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade
do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era
autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com "outras pessoas
importantes para ele", que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e
símbolos - a cultura - dos mundos que ele/ela habitava, G.H. Mead, C.H. Cooley
e os interacionistas simbólicos são as figuras-chave na sociologia que
elaboraram esta concepção "interativa" da identidade e do eu. De
acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica da
questão, a identidade é formada na "interação" entre o eu e a
sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o "eu
real", mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos
culturais "exteriores" e as identidades que esses mundos oferecem.
A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço
entre o "interior" e o "exterior" - entre o mundo pessoal e
o mundo público. O fato de que projetamos a "nós próprios" nessas
identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e
valores, tornando-os "parte de nós" contribui para alinhar nossos
sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e
cultural. A identidade, então, costura (ou, para usar uma metáfora médica,
"sutura") o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto
os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais
unificados e predizíveis.
Argumenta-se, entretanto, que são exatamente essas coisas
que agora estão "mudando". O sujeito, previamente vivido como tendo
uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não
de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou
não-resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens
sociais "lá fora" e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com
as "necessidades" objetivas da cultura, estão entrando em colapso,
como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio processo de
identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais,
tornou-se mais provisório, variável e problemático.
Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado
como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade
torna-se uma "celebração móvel": formada e transformada continuamente
em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos
sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). É definida historicamente, e
não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes
momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um "eu"
coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes
direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente
deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento
até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou
uma confortadora "narrativa do eu" (veja Hall, 1990). A identidade
plenamente identificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés
disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se
multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos
identificar - ao menos temporariamente.
Deve-se ter em mente que as três concepções de sujeito acima
são, em alguma medida, simplificações. No desenvolvimento do argumento, elas se
tornarão mais complexas e qualificadas. Não obstante, elas se prestam como
pontos de apoio para desenvolver o argumento central deste livro.
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