sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A Faculdade de Artes Dulcina de Moraes agoniza...



São muitas, e instigantes, as histórias entrelaçadas a respeito da vinda da atriz Dulcina de Moraes para Brasília, bem como sobre a instalação da Fundação Brasileira de Teatro no coração da cidade, num dos edifícios do Conic, onde foram abrigados o Teatro Dulcina de Moraes/FBT e a Faculdade de Artes Dulcina de Moraes/FADM.

A atriz, que assumiu protagonismo no cenário do teatro brasileiro no século XX, fundou, ali, um centro de formação de atores e diretores, e arte-educadores no campo do teatro e das artes visuais, além de cumprir papel importantíssimo de difusão cultural, numa sala de teatro ampla e bem equipada, e nos vários andares da faculdade. 

Soma-se à estrutura da instituição o contexto em que ela está localizada: o Setor de Diversões Sul, talvez um dos ambientes mais diversificados e ricos dentre os quantos de Brasília: reúne centrais sindicais, livrarias, escolas, lojas, consultórios, boates, bares, restaurantes, inferninhos, templos, galerias, ONGs, OSCIPs, estacionamentos e passagens labirínticas, corredores uns que levam a saídas outros que dão em nada, por onde transitam os públicos mais radicalmente diversos. Ali, como parte ativa da vida pulsante de tantas gentes e seus modos de se instalar, as gentes que avivavam a FBT e a FADM.

Dentre meus trânsitos naquele espaço, lembro-me de alguns espetáculos inesquecíveis, nos quais encenaram companhias de teatro argentinas, figuras do calibre de Bibi Ferreira, entre outros. Lembro-me, também, de momentos experimentais, quando grupos os mais diversos levavam resultados de seus exercícios laboratoriais, numa efervescência no mínimo instigante. Desse meio, surgiram, por exemplo, Adriano e Fernando, os Irmãos Guimarães, reconhecidos artistas cujo trabalho trespassa limites demarcatórios entre teatro, performance, artes visuais, arte contemporânea.

Ao mesmo tempo, a Faculdade cumpriu um papel social da maior importância, por assegurar condições de participação, em seus cursos, de segmentos da população que não teriam acesso aos cursos na Universidade de Brasília. O perfil de seus estudantes, no mais das vezes, era de trabalhadores pobres, que podiam conjugar jornadas de trabalho esfalfantes com a jornada de estudos prevista para os cursos ali oferecidos, concentrados no período noturno. Enquanto isso, durante muito tempo, na Universidade de Brasília, os cursos de mesma natureza só eram oferecidos durante o dia, envolvendo o estudante em aulas matutinas e vespertinas.

Muitas gerações de arte-educadores foram formadas ali, e passaram a integrar as redes públicas e privadas de ensino no Distrito Federal. Muitas gerações de atores foram iniciadas naqueles palcos, naquelas salas de ensaio. Muitos professores começaram a atuar no ensino superior em suas salas de aula.

Ao final de meu curso de mestrado, comecei a ensinar ali. Pude experimentar modos de discutir e construir aprendizagens na formação de professores de artes visuais. Como professora, conheci o histórico complicado da faculdade quanto a atrasos frequentes no pagamento dos salários. Durante o período em que lá atuei, salvo uma ou outra situação que não tardou a ser resolvida, não houve maiores problemas. No entanto, pude constatar uma estrutura administrativa cheia de zonas sombrias, mau funcionamento, pesada, sem dinâmica. Um rosário de queixas intermináveis era desfiado toda vez que o tema fosse evocado. Mas nunca havia solução competente. O que parecia inexplicável, considerando que não se tratava de uma estrutura tão grande.

As crises pareciam alimentar o funcionamento da instituição, na mão de seus gestores. Mas, a cada nova crise em que mergulhava, na sequência emergia um pouco mais degradada.

Quase uma década depois de me haver desligado da faculdade, sou informada sobre os passos finais para o seu fechamento definitivo. Assaltam-me nostalgias e perguntas: o que será feito do acervo de figurinos de Dulcina, ali guardados? E do teatro? Eu já testemunhei o processo pelos quais algumas das boas salas de cinema daquele centro comercial foram transformadas em templos. Seria esse o destino do Teatro Dulcina?

Lamento que, ao final de pouco mais de 3 décadas, a Fundação Brasileira de Teatro e a Faculdade de Artes Dulcina de Moraes agonizem como indigentes, tendo cumprido da melhor maneira o papel social, cultural e artístico que lhes coube no cenário cultural de Brasília. Que novos tempos se abram, e seus discípulos, hoje atuando em quantas frentes, possam assegurar os desdobramentos dos projetos ali iniciados.

Que seja dado o terceiro sinal. O espetáculo não pode parar!



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