quinta-feira, 21 de abril de 2011

Em memória de meu pai



Manhã de 21 de abril de 2011. Há exatos 34 anos, meu irmão chegou à porta, vindo da rua, nos olhou e disse: -“Ele não resistiu”. Esperávamos já pela notícia. Ele estava em coma há alguns dias. Aquela fala ressoou encerrando meses de sofrimento e luta. A penumbra da sala adensou-se um pouco. Olhei pela janela entreaberta, que dava para uma janela do prédio vizinho, de cor cinza envelhecida. Não havia horizonte à vista. Alguma coisa vibrava em mim, denunciando que, definitivamente, eu não tinha a menor ideia sobre o que aquilo tudo pudesse de fato significar para a minha vida. Mais tarde, seguimos à capela do hospital. O corpo muito magro, maltratado pelo câncer e pelo tratamento, não lembrava o vigor do trabalhador de campo que fora meu pai. Ali, recostado sobre o mármore, entre velas que ardiam lentamente, parecia não encontrar aconchego. Nenhum carinho amenizaria suas feições cansadas. Na manhã seguinte, seguimos para casa, cumprindo os funerais. Durante a viagem, enquanto olhava pela janela do avião, experimentava uma estranha sensação no corpo. O desconhecido se impunha a mim com peso físico. Aquela travessia me levaria a novos territórios que eu não imaginava quais fossem. No aeroporto da pequena cidade natal, uma multidão de pessoas nos aguardava. Seguimos para a missa de corpo presente, depois ao cemitério. Tudo se passava fora de mim, e por dentro a sensação de ausência e estranhamento. Pouco depois, já tentava retomar alguma normalidade no curso dos dias. Teriam se passado uns dois meses, quando, numa discussão com um colega na escola, ele me disse: -“‘tá pensando o que, garota, você nem pai tem!” A fala rude arrancou-me ao torpor. Funda era a solidão instalada à minha volta. No deserto, os lobos uivavam. Se havia de atravessá-lo – e eu o faria – precisava apertar o passo e redobrar a atenção. Não voltaria a contar com a mão firme do meu pai em minha defesa. Mas traria sempre comigo sua memória, seu olhar duro, sua ética, sua saudade...


3 comentários:

  1. Nossa,amei o texto. Principalmente o final!É bem verdade que, o que nos resta é somente memória e saudade.

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  2. Suas palavras sempre magnificas em qualquer situação. Bjs

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  3. Essa coisa de tudo se passar fora da gente... é isso, assim mesmo. Dentro mesmo o que passa também fica. Obrigada por compartilhar, flor. Beijo grande.

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